Vez ou
outra sou interpelado por cristãos a respeito da relevância de ser calvinista.
Uma resposta direta a essa dúvida realmente não é encontrada tão facilmente em
sermões sobre o assunto. As publicações na área da teologia sistemática em
geral abordam o tema apenas sob o ponto de vista teórico, o que é
compreensível, deixando muitas vezes de relacionar a teologia à vida prática e
transmitindo, consequentemente, a impressão de que a doutrina calvinista serve
tão somente para saciar a curiosidade relacionada à soteriologia e promover
debates acalorados com os que advogam a participação humana no ato salvífico
divino. Mas o calvinismo não está restrito às rodas teológicas ou às páginas
amareladas do livro de discipulado para novos convertidos que talvez seu pastor
esteja habituado a usar. Se bem compreendido, o calvinismo pode fazer a
diferença na vida cristã diária.
Para os
fins deste artigo, irei limitar-me ao tema da salvação, que é, sem dúvida, o
aspecto mais controvertido da teologia desenvolvida pelos herdeiros de Calvino.
Isso porque, em resposta aos discípulos de Armínio, os membros do Sínodo de
Dort elaboraram os cinco famosos pontos do calvinismo: depravação total do
homem, eleição incondicional, expiação limitada (ou particular), graça
irresistível e perseverança dos santos. Na maioria das vezes somos tão somente
alertados acerca dos riscos que correm os calvinistas dos cinco pontinhos, como
o relaxamento na vida cristã e a desmotivação ao evangelismo. Mas sua correta
compreensão pode trazer implicações muito positivas e bem visíveis na vida do
cristão.
A
depravação total do homem ensina que nós nascemos mortos em nossos pecados, e
que por nossa própria conta não temos nenhuma possibilidade de optar por crer
em Cristo. A única solução para essa situação é a graça irresistível do Senhor,
que vivifica o homem, abrindo-lhe os olhos para o estado pecaminoso em que se
encontra, levando-o fatalmente a arrepender-se. Mas essa graça irresistível só
nos atinge porque antes, na eternidade, fomos eleitos incondicionalmente por
Deus para a salvação, e porque o sacrifício do Cordeiro viabilizou todo esse
processo, mediante a expiação particular de nossos pecados em Cristo.
Finalmente, considerando que toda a obra de retirada do homem do lamaçal do
pecado tem origem em Deus, e que a realização de sua vontade somente foi
possível porque ele mesmo a executou, mediante Cristo e a aplicação de sua
graça aos eleitos, torna-se fato incontestável a perseverança dos santos, de
tal forma que nada nem ninguém poderá desfazer a obra que Deus fez na vida de
seus eleitos.
A
simples constatação de que não podemos perder a salvação que Deus graciosamente
nos concede já é motivo suficiente para nos regozijarmos e sermos
incomparavelmente gratos ao Senhor por esta obra perfeita, terminante e
gloriosa, que resultará em uma eternidade de vida em abundância e plenitude no
Espírito.
Mas além
dessa maravilhosa segurança na esperança da salvação, temos também a firme
convicção de que Deus em sua soberania tem tudo sob seu domínio e determinou
todas as coisas para a sua glória. Logo, nossa motivação para evangelizar não é
a paixão pelas almas, mas a glória de Deus. Por isso não precisamos nos
martirizar por aqueles que se perdem, nem nos culparmos por nossa pregação não
estar sendo recebida ou produzindo resultados tão impactantes como gostaríamos,
pois não nos cabe a conversão do pecador, mas a Deus, que elege.
Finalmente,
a compreensão de que é a graça de Deus que opera tudo em nós livra-nos de nós
mesmos, de nossas próprias cobranças e do julgo que outros possam impor sobre
nossas consciências. Não fazemos o bem nem obedecemos ao Senhor por barganha ou
medo de perder o que Cristo conquistou na cruz, mas porque amamos a Deus e
queremos glorificá-lo em nossas vidas. Por isso, devemos sempre buscar fazer o
máximo possível para o crescimento do Reino de Deus e para nossa santificação
pessoal, mas sabendo que tudo depende de Deus, que em cada um de nós opera
“tanto o querer como o efetuar, segundo sua boa vontade” (Fp 2:13).