Há pessoas as quais a consciência tem terrificado
através do convencimento do pecado, que seriam seguramente dirigidas ao
desespero, a condição habitual dos condenados, se elas não fossem sustentadas e
encorajadas pela promessa da graça e misericórdia de Deus, comumente chamado de
evangelho. Se a consciência afligida acredita na promessa da graça em Cristo,
ela é ressuscitada e estimulada pela fé, como os exemplos seguintes revelarão
maravilhosamente.
Em Gênesis, capítulo 3, o pecado, arrependimento e
justificação de Adão são descritos. Depois de Adão e Eva haverem pecado, e
estando procurando cobertas para a nudez deles - pois nós, os hipócritas, temos
o hábito de aliviar nossas consciências fazendo compensações - eles foram
chamados para prestarem contas ao Senhor; mas a Sua voz era insuportável.
Debaixo destas condições, nem cobertas nem
pretextos desculparam o pecado deles. Condenados e culpados, a consciência cai
prostrada quando é confrontada diretamente com o pecado pela voz de Deus. Eles
fogem, e Adão explica a causa da fuga deles quando ele diz: "Eu
ouvi a Tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo e me escondi." (Gn.
3:10). Note a confissão e o reconhecimento pela consciência. Enquanto isso,
Adão cai em profundo pesar até que ele ouve a promessa de misericórdia, de que,
através do descendente de sua mulher, a cabeça da serpente seria esmagada (Gn.
3:15). Até mesmo o fato de que o Senhor os vestiu, fortaleceu suas
consciências, e é inegavelmente um sinal da encarnação de Cristo, porque a Sua
carne, em última análise ,é que cobre nossa nudez e destrói a confusão de
consciências trêmulas sobre as quais os insultos dos acusadores tem caído
(Sl.69).
Nós recordamos como Davi foi quebrantado pela voz
do profeta Natã. E ele certamente teria perecido se não tivesse ouvido o
evangelho imediatamente:"Também o Senhor te perdoou o pecado; não
morrerás" (II Sm. 12:13). O Espírito de Deus tem nos mostrado
ricamente o modo como opera através da Sua ira e da Sua misericórdia. Que
expressão mais evangélica pode ser concebida do que esta: "O Senhor te
perdoou o pecado"? Não é este a suma do evangelho ou da pregação no Novo
Testamento: o pecado foi perdoado? Você pode acrescentar a estes exemplos
muitas histórias dos evangelhos. Lucas 7:37-50 conta sobre a mulher pecadora
que lava os pés do Senhor; Ele a consola com estas palavras:"Teus
pecados estão perdoados" (v. 48). E o que é mais conhecido do que
a história narrada em Lucas, capítulo 15, do filho pródigo que confessa o seu
pecado? Como amorosamente seu pai o recebe, abraça, e o beija! Em Lucas 5:8
Pedro, admirado pelo milagre e, o que é mais importante, tocado em seu coração,
exclama: "Aparta-Te de mim, porque sou um homem pecador, ó
Senhor". Cristo o consola e o restaura dizendo: "Não tenhas medo, ...
" (v. 10). Destes exemplos acredito que possa ser entendido a
diferença existente entre a lei e o evangelho, e entre o poder do evangelho e o
da lei. A lei terrifica; o evangelho consola. A lei é a voz de ira e morte; o
evangelho é a voz de paz e vida, e para resumir, "a voz do noivo e
a voz da noiva," como o profeta diz (Jr. 7:34). E aquele que é
encorajado pela voz do evangelho e confia em Deus já está justificado. Cristãos
sabem bem quanta alegria e satisfação a consolação traz. E aqui situam-se,
apropriadamente, aquelas palavras de alegria que os profetas usam para
descrever Cristo e a Igreja. Is. 32:18: "O meu povo habitará em
moradas de paz, em moradas bem seguras, e em lugares quietos e tranquilos".
Is. 51:3:"regozijo e alegria se acharão nela, ações de graça e sons de
música". Jr. 33:6: "e lhes revelarei abundância de paz e
segurança." Sl. 21:6: "Pois o puseste por bênção
para sempre, e o encheste de gozo com a tua presença". Sl. 97:11: "A
luz difundi-se para o justo, e a alegria para os retos de coração".
Mas por que amontoar argumentos quando é óbvio,
através da promulgação da lei e do advento de Cristo, o que significa o poder
da lei e o do evangelho? Assim Êxodo, capítulo 19, descreve com que horrível
espetáculo a lei foi dada. Assim, da mesma maneira que o Senhor terrificou a
Israel naquele momento, as consciências individuais são atormentadas pela voz
da lei, e eles exclamam junto com o Israel: "Não fale Deus
conosco, para que não morramos" (Ex. 20:19). A lei exige o
impossível, e a consciência, condenada pelo pecado, é assaltada em todas as
direções. Nesta condição, medo e confusão perturbam a consciência de tal forma,
que nada, nem ninguém pode trazer-lhe alívio, a não ser que Aquele que a
acusou, retire a acusação. Alguns buscam consolação através de seus esforços,
trabalhos, e atos de apaziguamento.
Mas estes não realizam mais do que Adão realizou
com suas folhas de figo. Assim são aqueles que se ornam contra o pecado
confiados no poder do seu próprio querer (arbítrio). Os fatos atuais ensinam que
eles logo caem ainda mais miseravelmente. "O cavalo não garante a
vitória; a despeito de sua grande força, a ninguém pode livrar" (Sl.
33:17).
"Presta-nos auxílio na angústia, pois vão é o
socorro homem" (Sl. 108:12)!
Por outro lado, o advento de Cristo é descrito pelo
profeta Zacarias como lemos em 9:9: "Alegra-te muito, ó filha de
Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador,
humilde, ... ". Primeiro, quando o profeta dá a ordem para regozijar,
ele ensina que a palavra deste Rei é diferente da lei; além disso, ele expressa
a alegria na consciência de um jubiloso a ouvir a palavra de graça. Em seguida,
não há tumulto, mas tudo está tranquilo, que o leva a entender que Ele é o
autor da paz, não da ira. Esta é aquela característica que extraímos do termo
"humilde", que o Evangelista usa, para explicar Sua mansidão. Isaías
tem a mesma ideia em 42:3: "não esmagará a cana quebrada, nem
apagará a torcida que fumega".
De modo similar, o apóstolo contrasta a face de
Moisés com a de Cristo em II Co. 3:13. Moisés amedrontou as pessoas ao olharem
para o seu semblante. Pois quem poderia aguentar a majestade do julgamento
divino quando até mesmo o profeta implora isto: "Não entres em
juízo com o teu servo" (Sl. 143:2)? Quando os discípulos vêem a
glória de Cristo no Monte da Transfiguração, uma alegria nova e maravilhosa
inunda seus corações a tal ponto, que Pedro, esquecendo-se de si mesmo,
exclama: "Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três
tendas" (Mt. 17:4). Aqui está uma visão da graça e misericórdia
de Deus. Da mesma maneira que um olhar à serpente de bronze salvou os homens no
deserto, assim também, eles são salvos se fixarem os olhos da fé na cruz de
Cristo (Jo. 3:14.). Aí está o porque de os apóstolos, de modo adequado,
chamarem sua mensagem, cheia de alegria, de evangelho ou boas novas. Os gregos
também comumente designavam de evangelho, seus anúncios e elogios públicos de
atos valorosos.
Nota sobre o Autor: Philip Melanchthon foi um dos
mais importantes nomes entre a primeira geração de reformadores alemães. Este
artigo, "O Poder do Evangelho," é uma seção do "Loci Communes
Theologici", um dos primeiros exemplos da dogmática protestante
(sistematização do pensamento da Reforma).
Melanchthon representou um papel importante durante
a Reforma, não só como amigo e confidente de Martinho Lutero, mas também como o
representante do lado protestante durante Congressos e Conversas Religiosas.
Além disso, proveu o impulso decisivo para Lutero traduzir a Bíblia.