Qual é a
importância prática e teológica da doutrina da criação? Há muitos pontos que
poderiam ser desenvolvidos, mas pelo menos três reflexões são apropriadas.
Primeira,
a doutrina da criação identifica para nós o nosso Deus glorioso. A criação nos
lembra que o Deus que criou não é uma deidade pequena e insignificante. Não,
ele é o Senhor sobre tudo, a fonte de tudo que existe e aquele que é o único
soberano. Além disso, a criação nos lembra que ele não é uma deidade distante.
Antes, Deus é o "Senhor da aliança", aquele que é o Deus vivo e
ativo, envolvido intimamente em e com a sua criação, sustentando, mantendo e
governando constantemente a sua criação e entrando num relacionamento de
aliança com seu povo. O nosso Deus é verdadeiramente grande, cheio de
majestade, glória, sabedoria, força e poder, devido ao fato de que ele é o Deus
criador.
Segunda,
a doutrina da criação nos diz algo sobre nós mesmos, como criaturas de Deus. É
precisamente porque somos criaturas de Deus, feitos à sua imagem, que os seres
humanos desfrutam de um papel singular na criação. Ironicamente, quando as
pessoas tentam viver à parte de Deus e negam seu Criador tanto em sua vida como
em seu pensamento, elas descobrem que não podem entender a si mesmas
corretamente. Assim, acabam vendo a si mesmas como menos do que são, ou seja,
como animais ou máquinas humanas, que têm pouca ou nenhuma importância e valor.
Mas o ponto de vista cristão sobre os seres humanos, vinculado à doutrina da
criação, nos diz que Deus nos fez com dignidade e valor e que isto, em última
análise, é a única base para um entendimento apropriado dos seres humanos. Além
disso, o fato de que fomos criados por Deus também serve como fundamento para
toda a ética, para a responsabilidade humana e para um entendimento correto de
nosso lugar, em sujeição a Deus, na sua criação. Mas, outra vez, devido à nossa
rejeição intencional de nosso Senhor e Criador, temos nos posicionado contra
ele e, assim, somos necessitados de redenção, uma redenção que somente Deus
pode realizar e consumar soberanamente.
Terceira,
a doutrina da criação nos diz algo sobre o nosso mundo em pelo menos duas áreas
importantes. A primeira área está relacionada a como devemos ver este mundo em
termos de valores. Visto que Deus criou este mundo, é importante enfatizar que
ele tem valor. Isto é evidenciado em Gênesis 1 pelo julgamento de valor
"era bom" (vv. 4, 10, 12, 18, 21, 25), da parte de Deus, e pela sua
avaliação conclusiva "era muito bom" (v. 31). Neste contexto,
"bom" indica que o mundo era não somente o que Deus planejara e
tencionara, mas também que ele tinha grande valor. Deus falou "Sim!"
para o que havia criado. Uma implicação importante disto para a teologia cristã
é não elevarmos, em nosso pensamento e em nossa prática, o
"espiritual" acima do "físico". Isto foi um problema no
passado e produziu vários entendimentos errados na igreja. Ao criar este mundo,
Deus valoriza tanto a realidade física como a espiritual. Infelizmente, como
resultado da Queda, ambas estão agora corrompidas. Mas, na redenção, Deus fez
uma obra em Cristo que salva não somente a nossa alma, mas também o nosso
corpo. Por isso, há nas Escrituras a ênfase sobre a ressurreição de nosso
corpo, para vivermos em novos céus e uma nova terra, na presença de Deus, para
sempre (ver 1 Co 15; Ap 21-22).
A
segunda área está relacionada ao entendimento cristão da relação e envolvimento
contínuo de Deus com seu universo e das implicações disto para um ponto de
vista cristão quanto à ciência. É claro que muito poderia ser dito neste
assunto. Entretanto, basta dizer que, uma vez que a ordem criada é o resultado
da decisão espontânea do Senhor soberano e pessoal, ela é também planejada,
ordenada, estruturada e governada por leis. Mas, em sua estrutura, a criação
nunca deve ser vista meramente em termos mecânicos. A teologia cristã rejeita
qualquer noção ou de um universo "aberto" ou de um universo
"fechado". Um universo "aberto" é o ponto de vista representado
pelo animismo. O animismo não entende o universo como que estando sob o
controle soberano de Deus, mas, em vez disso, ele é controlado por forças e
espíritos caprichosos. Um ponto de vista de universo "fechado" é
aquele representado pela ciência moderna. Neste ponto de vista, o universo é
concebido como que estando unicamente sob o controle de leis mecânicas,
independentes da vontade e do plano de Deus; e, por isso, este ponto de vista
concebe aquilo que é miraculoso como impossível. As Escrituras, porém, rejeitam
esses dois pontos de vista. Em vez disso, as Escrituras nos apresentam um
universo "controlado". O ponto de vista bíblico vê este mundo como
ordeiro e previsível devido à sua relação com o Deus de criação e providencia.
Mas também afirma que este mundo não é independente de Deus e que, se Deus
quiser, pode agir neste mundo e realizar seus planos e propósitos de maneiras
miraculosas e extraordinárias. Por conseguinte, o ponto de vista cristão sobre
o mundo, unido à nossa doutrina de criação, nos permite ver o mundo em um
padrão ordeiro e previsível, possibilitando assim a ciência. Enquanto o
problema de milagres não é realmente um problema devido ao fato de que o Deus
de criação é também o Deus de providência que sustenta o mundo continuamente e
age nele.
Com base
nesta breve consideração, não é difícil perceber que a doutrina da criação e a
afirmação de que Deus é o Criador têm importância crucial para a teologia
cristã. Como já disse, sem o Deus de criação e providência não há cristianismo
como a Bíblia o descreve. Todas as outras doutrinas, incluindo a doutrina da
salvação, estão arraigadas e alicerçadas no fato de que Deus é o criador
soberano e Senhor de seu universo. Na verdade, a doutrina da criação é também
fundamental à teologia cristã em outro sentido - ela é o começo da história que
leva à redenção. Ao insistir no fato de que a criação original de Deus era boa,
a Bíblia prepara o cenário para o que sai errado - o pecado, a morte, a
destruição - e para o desenvolvimento da linha histórica da Escritura que
culmina na vinda de um Redentor para corrigir as coisas. Em última análise,
todo o drama da história de redenção prenuncia a restauração - a transformação
numa glória ainda maior (Rm 8.1-27) - daquela bondade do universo que se tornou
corrompido e chega por fim ao alvorecer de um novo céu e uma nova terra (Ap
21-22), o lar da justiça (2 Pe 3.13).