Na perspectiva reformada, evitam-se elementos externos estranhos ao
culto com o objetivo de fixar a mensagem. Todo recurso para fixá-la deve
obedecer a padrões bíblicos e estar adequadamente harmonizado ao culto. É o
Espírito quem age. Emoção não produzida pela Palavra não se harmoniza com o
culto por não ser produzida por Deus.
No culto a música deve ser entendida não simplesmente como meio de
impressão - que age no corpo, nas emoções e no intelecto -, mas também, e
principalmente, de expressão, como veículo para o texto. Portanto, mais do que
um agente de preparação para o culto, ela é também uma oferta que deve ser
oferecida como fé.
Paulo mostra que o cântico é uma expressão da adoração cristã marcada
pela plenitude do Espírito Santo. A genuína adoração é operada pelo Espírito
Santo em nós. O Espírito que falou através de Davi, inspirando-o a escrever, é
o que nos ilumina, na adoração a Deus (At 4:25): "...enchei-vos do
Espírito, falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao
Senhor com hinos e cânticos espirituais" (Ef 5:18-19).
É difícil, senão impossível, determinar com precisão a diferença entre
essas três palavras, empregadas também em Colossenses 3:16, e estabelecer a
distinção na adoração cristã, considerando que elas também eram empregadas no
culto pagão. Segundo nos parece, o que estabelece o contraste da adoração
cristã nesse texto é que esta é promovida pelo Espírito Santo, com coração
sincero e de modo espiritual. Portanto, os três termos parecem resumir a
variedade e harmonia dos cânticos cristãos sob o impulso e direção do Espírito
em fidelidade à Palavra revelada de Deus.
Em Efésios 5:18, Paulo contrasta a embriaguez com o enchimento do
Espírito. Portanto, em vez de se procurar a excitação desenfreada da bebida, ou
a embriaguez como recurso para fugir dos problemas através do entorpecimento da
mente, deve-se buscar o discernimento do Espírito para compreender a vontade de
Deus, que deve ser o grande objetivo de nossa existência (Ef 5:17). O
enchimento do Espírito exige consciência, não a perda do controle através do
exacerbamento da emoção em detrimento da razão. O ato de cantar infindavelmente
pode se tornar em um meio de excessivo estímulo emocional que nos conduziria à
embriaguez mental e emocional, tornando-nos presas fáceis de manipulações. É de
lamentar que a música venha sendo usada frequentemente com esse propósito.
Para que o contraste ficasse bem claro, Paulo não usa para o enchimento
do Espírito o verbo "embriagar" - que envolve a diminuição da
consciência e dos reflexos, além de ser uma expressão que barateiaria a
mensagem e seria inadequada para se referir ao Espírito Santo. Paulo menciona
um enchimento consciente e voluntário. A expressão "do Espírito"
condiz-nos a emoções santas; a emoção mundana limita toda a vida ao corpo,
substituindo a alegria do Espírito pela intoxicação alcoólica. O cristão, ao
contrário, busca o sentido da plenitude da sua existência na plenitude do
Espírito. "Sendo assim cheios com o Espírito, os crentes não somente
serão estabelecidos e alegrados, mas também darão jubilosa expressão a seu
vivificante conhecimento da vontade de Deus." [1]
O enchimento do Espírito pressupõe o selo e o batismo definitivos do
Espírito; por isso mesmo, não se confunde com eles (Ef 1:13, 4:30, 1Co 12:13).
O batismo e o selo do Espírito são realidades efetivas para os crentes em
Cristo; já o enchimento é um dever de cada cristão que reconhece sua eleição
eterna para a salvação em santificação (Ef 1:4, 2Ts 2:13). A ideia expressa em
Efésios 5:18 é a de ter o Espírito em todas as áreas da vida, de forma plena e
abundante.
Sobre isso, quatro observações devem ser feitas:
1 - O verbo "encher" (pleroo) está no
imperativo; portanto, o "enchimento" não é facultativo, mas
uma ordem expressa de Deus; é desobediência voluntária não se esforçar por
buscar esse enchimento.
2 - O verbo está no presente, expressando ordem imperativa e também
indicando uma experiência que se renova de forma permanente e contínua,
mediante a qual vamos sendo, cada vez mais, dominados por ele, passando a ter a
mente, o coração e a vontade - o homem integral - submetidos ao Espírito. Por
isso, Efésios 5:18 pode ser parafraseado deste modo: "Sede
constantemente, momento após momento, controlados pelo Espírito".
Hoekema (1913-1988) observa que "o imperativo presente ensina-nos que
ninguém pode, jamais, reivindicar ter sido cheio do Espírito de uma vez por
todas. Estar sendo continuamente cheio do Espírito é, de fato, o desafio de uma
vida toda e o desafio de cada dia". [2]
3 - O verbo está no plural, logo, a ordem é para todos os
cristãos, a Igreja, não apenas para os líderes. É um mandamento explícito, não
uma opção de vida cristão que pode ser seguida ou não.
4 - O verbo está na voz passiva, indicando que o sujeito da
ação é passivo; Deus é o autor do enchimento. Nessa progressividade espiritual,
contudo, haverá sempre a participação voluntária do cristão que, consciente de
suas necessidades espirituais, procurará cada vez mais intensamente submeter-se
à influência do Espírito, recorrendo aos recursos fornecidos por Deus para o
aperfeiçoamento piedoso (2Pe 1:3-4). Na sequência, Efésios mostra os frutos
práticos e concretos desse "enchimento". Paulo, portanto, está
dizendo que a solução para qualquer problema em nossa vida passa pelo
enchimento do Espírito.
Embora os cânticos não sejam a única expressão da vida cheia do
Espírito, vamos contudo nos limitar a falar sobre essa questão, embora Paulo
também mencione a comunhão santa e o louvor sincero (Ef 5:19; sf. tb. Cl
3:16). Nossa comunhão não é partidária: contra ou a favor do pastor ou dos
diáconos. É, antes, gerada pelo Espírito, manifestando-se numa conversa santa
que produz edificação mútua (Cl 3:16, Ef 4:29, Tt 2:8, Sl 141:3, Cl 3:8).
Notas:
[1] - William Hendriksen, Exposição de Efésios, p. 299.
[2] - Salvos pela graça, p. 58.
Sobre o autor: Hermisten Maia Pereira da
Costa é pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil. Mestre e doutor em Ciências
da Religião, é bacharel em Teologia e possui formação em Filosofia e Pedagogia.
Autor de A inspiração e inerrância das Escrituras: uma perspectiva
reformada (Cultura Cristã) e Calvino de A a Z (Vida),
entre outras obras, ele coordena o Departamento de Teologia Sistemática no
Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, em São Paulo. Também
leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e na Faculdade de Teologia
do Centro Universitário de Maringá (PR).
Fonte: Fundamentos da Teologia Reformada, Rev.
Hermisten Maia, Editora Mundo Cristão, pags. 124-126. Divulgação: Bereianos