Vivemos num mundo onde tudo pode ser
relativizado quando o assunto é dinheiro. Até mesmo as coisas que deveriam ser
mais contraditórias acabam convergindo. O sagrado e o profano, por exemplo. Por
definição, um deveria ser antítese do outro; um deveria negar e repudiar o
outro. Mas, em prol do lucro, caminham de mãos dadas. Um bom exemplo disso é a
famosa festa do Morro da Conceição, no Recife.
Cada vez mais, curiosamente, grandes
comerciantes têm investido consideráveis somas de dinheiro na religiosidade do
povo; mesmo sendo, muitas vezes, ateus ou alheios à fé. A descoberta desse
promissor “mercado” acabou despertando a atenção também daqueles que vivem da e
na religião, como se dissessem: “se os de fora ganham com a religiosidade do
povo porque nós, que vivemos de dentro, não podemos também ganhar”? Assim,
muitos (não todos), acabaram aderindo ao grande comércio da fé que vemos hoje.
A páscoa sempre teve um caráter
eminentemente religioso, mas os números a seguir confirmam nossa argumentação
acima. Segundo a Associação Brasileira da indústria de chocolates e derivados,
em 2010, foram produzidos e consumidos 530 mil tolenadas de chocolates. A
expectativa de crescimento para a páscoa de 2011 é de 10%, com um faturamento
estimado em R$ 1,9 bilhão. O significado religioso da Páscoa quase desaparece
por trás dessas incríveis cifras que negam qualquer existência de crise.
Não podemos negar, entretanto, que
muitos grupos religiosos cristãos (católicos e evangélicos) tentam resgatar o
significado espiritual da páscoa, o que é igualmente problemático: o que os
cristãos têm a ver com a Páscoa, no que diz respeito à sua comemoração?
Absolutamente nada.
A páscoa é uma festa “estritamente”
judaica. É mais que uma festa: é um sacramento (ordenança) do judaísmo,
instituído em Êxodo 12:1-28/43, para comemorar a libertação da escravidão do
Egito (Dt 16:1-3) e o livramento da décima praga: morte dos primogênitos
Egípcios (Ex 12:27).
E para os Cristãos, quais são os
Sacramentos?
Para os cristãos Católicos Romanos
existem 7 sacramentos: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Unção dos
Enfermos, Ordem e Matrimônio.
Os cristãos Protestantes, por sua vez,
consideram que só existe base bíblica para a observância de 2 sacramentos:
Batismo e Santa Ceia (Eucaristia).
Percebam quem não existe, nos moldes
como era observada no VT, pelos Judeus, e com os mesmos elementos, na lista dos
Sacramentos Cristãos, nem da Igreja Católica Romana e muito menos da Igreja
Protestante, a Páscoa como um Sacramento a ser observado.
Um conhecido Teólogo da IPB -
Rev.Moisés Bizerril, num importante artigo intitulado "Sacramentos e
Clericalismo: Sacramentos Bíblicos à Luz das Escrituras" faz a seguinte
afirmação:
"A páscoa era somente para Israel
e alguns peregrinos estrangeiros que deveriam ser circuncidados para
participarem daquele sacramento [...]. Certamente a páscoa não foi continuada e
sim a ceia, como celebração característica da nova aliança", publicado em:http://www.monergismo.com/textos/sacramentos/sacramentos_moises_bezerril.htm.
A "Páscoa Judáica" (permita-me
a redundância) era e é (para os judeus) um ritual cheio de detalhes,
significados e símbolos. Cada elemento que compõe a “ceia páscal” tinha e tem
(para os judeus) seu significado: as ervas amargas, por exemplo, servem para
lembrar os dolorosos anos de escravidão; os pães asmos (sem fermento), lembram
a fuga repentina, além do cordeiro assado.
Judeu comemorando a Páscoa é coerente;
é até obrigatório, pelo caráter sacramental envolvido, mas Cristãos insistindo
em comemorar o “sacramento judaico” é no mínimo engraçado.
Claro que muitas transliterações têm
sido sugeridas, com o objetivo de “cristianizar” a festa judaica, mas isso não
justifica a comemoração. Não existe na Bíblia nenhuma recomendação para que os
cristãos comemorem esse sacramento do VT. Será que essa insistência dos
religiosos cristãos não é motivada simplesmente por fins comerciais? Uma
resposta inconsciente aos apelos consumistas? Assim como a Páscoa, existem
outros sacramentos judaicos. A circuncisão é um deles (Gn 17:9-14; Lv 12:3).
Para ser coerente, todo cristão que quiser comemorar o sacramento judaico da
páscoa também deveria cumprir o sacramento igualmente judaico da circuncisão.
Até mesmo a forma de observância da
Páscoa - pelos cristãos - está completamente equivocada. Já viram algum
cristão, que diz comemorar a Páscoa, comendo ervas amargas, pão sem fermento e
cordeiro assado? Isso seria um requisito mínimo para uma comemoração coerente
da Páscoa. Ao invés disso, chocolates. Percebe como tudo está relacionado com a
questão do consumismo e absolutamente nada com o verdadeiro sentido sacramental
instituído por Deus?
Esse erro (cristãos comemorando a
páscoa) tem ocorrido porque a maioria deles desconhece que esses dois
sacramentos judaicos do VT (páscoa e circuncisão) foram substituídos, no NT,
pelo próprio Cristo, por outros dois novos (porém correlatos aos do VT)
sacramentos:
A páscoa (que comemorava a libertação e
a nova vida) foi substituída pela Santa Ceia ou Eucaristia (Lc 22:14-27; I Cor
11:23-28), que comemora a ressurreição de Cristo (o cordeiro Pascal da páscoa
do VT era uma prefiguração do que aconteceria com Cristo), e a circuncisão (que
era o rito externo de entrada no povo de Deus, no VT) pelo Batismo (Mt 28:19,
Col 2:11), que igualmente é um rito de entrada na igreja visível do NT.
Paradoxalmente, muitos cristãos não
fazem a menor questão de observar esses dois novos sacramentos instituídos pelo
próprio Cristo, para sua igreja observar: Batismo e Santa Ceia ou Eucaristia.
Se você é Cristão, nunca deseje Boa
Páscoa a outro Cristão, ele não tem nada a ver com essa comemoração!
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Fonte: Filosofia Calvinista
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Nota do editor: esta postagem é uma ampliação da
postagem do mesmo autor publicada aqui no Blog dos Eleitos no dia 02 de abril de 2010.