Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, segundo a promessa
da vida que está em Cristo Jesus,
a Timóteo, meu amado filho:
Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso
Senhor. (2 Timóteo 1.1-2)
Como Paulo escreve em outro lugar,
ele foi “circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à
tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu” (Filipenses 3.5). Ele era um dos
fariseus, uma seita muito rigorosa da religião judaica. Antes de se converter à
fé cristã, tudo isso contava como algo, mas depois ele perceberia que seu pano
de fundo não lhe rendeu nenhum favor aos olhos de Deus. Ele teria que se chegar
a Deus de outra forma.
Lucas apresenta-o em Atos 7. Ele era
chamado Saulo naquele tempo, e consentiu quando os judeus apedrejaram Estevão
até à morte. De uma perspectiva não cristã, ou da perspectiva daqueles cegos
para a verdade, Saulo era um judeu perfeito, um fariseu justo, um erudito
altamente credenciado. Contudo, a verdade era que ele era um cúmplice do
assassinato de um homem inocente. Em Atos dos Apóstolos, essa é a primeira
coisa que aprendemos sobre ele.
Saulo continuou nessa direção, e Atos
9 registra que ele “respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor”.
Ele recebeu autoridade do sumo sacerdote para visitar Damasco, a fim de
capturar e aprisionar os cristãos dali. Parece que uma pessoa que perseguiria,
aprisionaria e até mesmo assassinaria outros deve ser séria sobre suas próprias
convicções. De fato, ele era um homem zeloso. Mas como mais tarde admitiria,
ele agiu em “ignorância e incredulidade”. Seu zelo não era informado pela
verdade, e não procedia de uma abertura para com Deus, ou fé no que Deus tinha
revelado. Aqueles que se opõem e perseguem os cristãos são, por definição,
pessoas injustas e sem inteligência.
Sua religião não o tornou um homem
piedoso. Fez dele um assassino. O problema não estava na religião em si. Saulo
tinha um tipo específico de religião: ou foi essa religião que o tornou um
assassino, ou ele tornou-se um assassino porque seu comprometimento a essa
religião era defeituoso ou distorcido. Contudo, sua devoção à sua religião
pareceria “irrepreensível” (Filipenses 3.6). Dessa forma, mesmo que houvesse um
lado pessoal e subjetivo em seu grande erro, havia também um lado público e
objetivo.
Havia algo errado em sua religião.
Não estou me referindo à religião do Antigo Testamento. Esse é o equívoco que
muitas pessoas fazem – eles assumem que a religião dos judeus e dos fariseus
era a religião do Antigo Testamento. Não, embora a religião deles fosse baseada
no Antigo Testamento, em geral era muito diferente e mesmo antagônica a ele,
contradizendo-o em espírito e em letra. Algumas pessoas cometem o equívoco de
pensar que os fariseus eram hostis a Jesus porque eles eram muito inflexíveis
quanto a seguir a lei de Moisés ou o Antigo Testamento. Mas eles faziam o
oposto. Jesus disse que eles anulavam os mandamentos de Deus por meio das suas
tradições (Mateus 15.6). Eles tinham inventado regras e costumes que eram
supostamente consistentes com os mandamentos de Deus, mas que na verdade
redefiniam e substituíam os mandamentos de Deus em suas vidas. Ele disse que a
profecia de Isaías se aplicava a eles: “Em vão me adoram; seus ensinamentos não
passam de regras ensinadas por homens” (Mateus 15.9).
A religião dos judeus e dos fariseus
não era a religião do Antigo Testamento. Era um sistema que eles tinham
fabricado para se escusarem de aceitar as palavras dos profetas. Jesus disse
que eles nem mesmo criam no Antigo Testamento: “Se vocês cressem em Moisés,
creriam em mim, pois ele escreveu a meu respeito. Visto, porém, que não creem
no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?” (João 5.46-47). A fé em
Cristo, e dessa forma a fé no Novo Testamento, segue-se naturalmente da fé no
Antigo Testamento, porque Cristo cumpriu o Antigo Testamento. Os judeus e os
fariseus não seguiam a revelação de Deus, mas sua própria tradução humana.
Devemos corrigir a ideia que eles eram hostis a Cristo porque eram muito
obcecados com a precisão em sua doutrina e obediência. Não, eles eram hostis a
Cristo porque se preocupavam muito mais sobre como evitar crer e obedecer à
palavra de Deus enquanto davam a aparência de devoção religiosa, e Cristo expôs
a hipocrisia deles.
Assim, Paulo, ou Saulo, era um homem zeloso. Mas esse zelo por sua
religião o levou a ódio e assassinato contra o povo de Deus. Alguns poderiam
dizer que isso era um caso de zelo mal direcionado. Isso não é inteiramente
errado, mas a questão não era tão simples. Zelo não é uma atitude
ideologicamente neutra – uma pessoa é zelosa por algo. Visto que uma pessoa é
zelosa por algo, isso significa que zelo tem conteúdo, e visto que o conteúdo –
as crenças ou ideologias – pode ser correto ou errado, então o zelo pode ser
correto ou errado. Portanto, quando o zelo de uma pessoa o leva a fazer algo
errado, se esse zelo é consistente com e um produto de sua ideologia pelo que
ele é tão zeloso, então o próprio zelo é errado. Ele não é apenas um zelo mal
direcionado, mas um zelo errado ou perverso, e umtipo diferente de
zelo daquele zelo pelo que é verdadeiro e correto.
Não devemos supor que Paulo tinha uma
atitude zelosa natural que era boa em si mesmo, mas apenas mal direcionada, e
que esse zelo fez dele um crente mais eficaz uma vez que o zelo foi
redirecionado pelo evangelho. Novamente, isso assume que zelo pode ser
considerado em si mesmo, à parte daquilo pelo que a pessoa é zelosa, de forma
que uma pessoa pode usar o mesmo zelo para esse ou para aquele, dependendo de
como ele é direcionado. Contudo, o zelo não pode ser separado da ideologia.
Não, Paulo tinha o tipo errado de zelo, um zelo que o tornou um assassino. Era
um tipo de zelo que, por sua própria admissão, era baseada na “ignorância e
incredulidade”. O zelo que ele exibiu como um cristão era baseado num
fundamento inteiramente diferente, um que foi gerado pela obra do Espírito e um
entendimento correto da graça do Senhor Jesus Cristo. E visto que o Espírito
opera em todos do povo de Deus, e visto que todos do povo de Deus podem
entender a graça de Deus, todos os cristãos podem possuir grande zelo pelas
coisas de Deus. Isso não é algo que pertence a pessoas como Paulo à parte do evangelho,
mas algo que é tornado disponível a todos os que creem no evangelho.
A fé de Jesus Cristo era o
cumprimento das palavras dos profetas. Paulo não viu isso no início. Ele
percebeu Cristo como uma ameaça à sua religião, embora grande parte dela não
fosse procedente da religião do Antigo Testamento, mas da tradição humana, isto
é, da invenção humana. Assim como Ismael zombou de Isaque, o filho da promessa,
e assim como os fariseus perseguiram Cristo, o Filho da Promessa, os judeus
perseguiram os cristãos. Os herdeiros da tradição humana sempre perseguirão os
herdeiros da revelação divina. Não devemos ter a mínima simpatia pela posição
de Paulo antes de sua conversão. Ele seguia a tradição em vez da Palavra de
Deus. Seu entendimento da lei era errado. Ele nem mesmo cria no que foi escrito
por Moisés. Se tivesse crido na Palavra de Deus, ele teria crido no evangelho
de Cristo prontamente. Mas ele não o fez. Ele estava errado.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto