quarta-feira, 30 de maio de 2012

Uma Herança Piedosa


Dou graças a Deus, a quem sirvo com a consciência limpa, como o serviram os meus antepassados, ao lembrar-me constantemente de você, noite e dia, em minhas orações. Lembro-me das suas lágrimas e desejo muito vê-lo, para que a minha alegria seja completa. Recordo-me da sua fé não fingida, que primeiro habitou em sua avó Lóide e em sua mãe, Eunice, e estou convencido de que também habita em você. (2 Timóteo 1.3-5)
Tradições humanas inventadas para neutralizar a palavra de Deus são ímpias e destrutivas, mas uma herança piedosa é algo belo. Ambos enfatizam a continuidade de crenças e práticas de geração para geração, mas enquanto as tradições humanas representam uma continuidade de rebelião contra o governo de Deus, uma herença piedosa representa fidelidade e uma dependência consciente da graça de Deus. Somente uma herança cristã é uma herança piedosa, e é a única cuja continuidade merece ser celebrada. Todas as outras tradições apresentam caminhos alternativos para o viver que afastam as pessoas da verdade e da vida eterna.
Paulo diz que ele serve a Deus com uma consciência limpa, como o fizeram os seus antepassados. Certo escritor comenta que, por essa declaração, o apóstolo reconhece que o cristianismo é uma continuação do judaísmo. Mas isso pode ser enganoso. Se por judaísmo nos referimos à religião do Antigo Testamento, de forma que os antepassados de Paulo referem-se àqueles que acreditaram e pregaram o seu Salvador prometido, então o cristianismo é de fato um cumprimento e continuação dessa religião. Mas o judaísmo não é a religião do Antigo Testamento. No tempo de Cristo, os judeus tinham rejeitado e pervertido tanto a palavra de Deus que assassinaram o cumprimento pessoal do Antigo Testamento. O próprio ministério de Cristo não foi uma continuação do ministério dos judeus ou fariseus, mas um rígido contraste a ele, com João o Batista, que condenava os judeus e fariseus, como o predecessor. Paulo teve que se converter da religião que estava servindo e voltar à fé do Antigo Testamento para retornar à vereda doutrinária coerente com a fé de Jesus Cristo. Seus antepassados não são os judeus e fariseus, mas aqueles profetas e anciãos que eles assassinaram.
Voltando à herança de Timóteo, Paulo menciona a fé de sua avó e mãe. Essa mesma fé agora habita em Timóteo. Visto que a fé de Timóteo é a fé de um cristão, quando Paulo se refere à fé de sua avó e mãe, é provável que ele tenha em mente a fé cristã também. Se Paulo tinha em mente a fé judaica, então uma delas ou ambas devem ter morrido antes de ouvir sobre a fé cristã, ou elas devem ter agora se convertido à fé cristã. Isso porque Jesus disse que se alguém crê em Moisés, então ele acreditará em Jesus, visto que Moisés falou sobre Jesus. Assim, ninguém que verdadeiramente creia no Antigo Testamento recusará crer em seu cumprimento, isto é, a mensagem de Jesus Cristo. E visto que a fé do Antigo Testamento é nada mais que uma fé prospectiva em Cristo, é muito apropriado chamá-la uma fé cristã também. Em outras palavras, quer no Antigo ou Novo Testamento, jamais houve qualquer fé verdadeira que não a fé cristã.
Timóteo é a terceira geração de crentes. Paulo usa esse fato para encorajar firmeza em seu pupilo. É necessário romper uma história de rebelião humana e tradições religiosos falsas, mas é algo louvável continuar uma herança piedosa. Algumas vezes não há em comum entre nossa herança espiritual e natural, e não existe nenhum bem espiritual em nossa linhagem natural. Talvez nossos pais e avós sejam pessoas ímpias e creiam em algumas coisas muito tolas. E quando Deus nos salva, ele não nos salva para continuar uma herança piedosa, visto que não existe nenhuma, mas para nos afastar de uma herança ímpia. Ele nos resgata das abominações de gerações anteriores, e nos mostra que não estamos presos às suas crenças e práticas.
Alguns dos nossos pais são ateus. Eles imaginam um mundo fantasioso onde não existe nenhum Deus para lhes dizer o que fazer e condená-los por seus muitos pecados. Ateísmo é um estado de ilusão severa, uma desordem mental causada pelo pecado. Ou, talvez nossos pais sejam aderentes de religiões não cristãs. Essas são alternativas ensinadas por demônios e aceitas pelas pessoas para evitar enfrentar a verdade sobre Cristo o Salvador e Juiz. Essa é também uma má função intelectual. Quer sejam da variedade religiosa ou ateísta, os não cristãos são estúpidos e insanos. Visite uma instituição mental e observe os maníacos. Alguns murmuram absurdos para si mesmos. Alguns gritam palavrões incoerentes. Outros espumam pela boca. Outros riem de nada. E ainda outros são violentos. Todos os não cristãos são interiormente assim durante todo o tempo. Mas Deus teve piedade de nós enquanto estávamos presos em nossas loucas ilusões, e nos resgatou do caos interior. Agora nossas mentes são claras. Agora encaramos a realidade e cremos na verdade. Ele nos salvou dos nossos ancestrais insanos, e de uma história de idolatria, incredulidade, assassinato, adultério, divórcio, materialismo, e coisas semelhantes.
Essa é a graça e o poder de Deus, que em Cristo podemos ter uma nova e gloriosa herança. Se nossa linhagem natural não tem nada em comum e não partilha disso, então não importa – Abraão é o nosso pai mediante a fé em Cristo, e nossos predecessores são os profetas e os apóstolos, e todos aqueles que fielmente serviram a Deus ao longo dos séculos. Essas pessoas não eram da nossa raça segundo a linhagem natural, mas se nos focarmos tanto em questões como raça, como muitas pessoas o fazem, então ficaremos sob a repreensão de Cristo: “Você não pensa nas coisas de Deus, mas nas dos homens” (Mateus 16.23). Mesmo quando Paulo expressou sua preocupação pelos judeus, seu único foco era a salvação espiritual deles. Ele nunca expressou qualquer interesse na restauração da força econômica e política dos judeus. É quase como você desejaria que sua família natural fosse salva por Cristo. Preocupar-se com os seus compatriotas seria uma preocupação mais ampla do mesmo tipo, mas permanece uma preocupação primariamente espiritual, e não racial.
 
Fonte: Reflections on Second Timothy
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, segundo a promessa da vida que está em Cristo Jesus,
a Timóteo, meu amado filho:
Graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, nosso Senhor. (2 Timóteo 1.1-2)
Como Paulo escreve em outro lugar, ele foi “circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu” (Filipenses 3.5). Ele era um dos fariseus, uma seita muito rigorosa da religião judaica. Antes de se converter à fé cristã, tudo isso contava como algo, mas depois ele perceberia que seu pano de fundo não lhe rendeu nenhum favor aos olhos de Deus. Ele teria que se chegar a Deus de outra forma.
Lucas apresenta-o em Atos 7. Ele era chamado Saulo naquele tempo, e consentiu quando os judeus apedrejaram Estevão até à morte. De uma perspectiva não cristã, ou da perspectiva daqueles cegos para a verdade, Saulo era um judeu perfeito, um fariseu justo, um erudito altamente credenciado. Contudo, a verdade era que ele era um cúmplice do assassinato de um homem inocente. Em Atos dos Apóstolos, essa é a primeira coisa que aprendemos sobre ele.
Saulo continuou nessa direção, e Atos 9 registra que ele “respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor”. Ele recebeu autoridade do sumo sacerdote para visitar Damasco, a fim de capturar e aprisionar os cristãos dali. Parece que uma pessoa que perseguiria, aprisionaria e até mesmo assassinaria outros deve ser séria sobre suas próprias convicções. De fato, ele era um homem zeloso. Mas como mais tarde admitiria, ele agiu em “ignorância e incredulidade”. Seu zelo não era informado pela verdade, e não procedia de uma abertura para com Deus, ou fé no que Deus tinha revelado. Aqueles que se opõem e perseguem os cristãos são, por definição, pessoas injustas e sem inteligência.
Sua religião não o tornou um homem piedoso. Fez dele um assassino. O problema não estava na religião em si. Saulo tinha um tipo específico de religião: ou foi essa religião que o tornou um assassino, ou ele tornou-se um assassino porque seu comprometimento a essa religião era defeituoso ou distorcido. Contudo, sua devoção à sua religião pareceria “irrepreensível” (Filipenses 3.6). Dessa forma, mesmo que houvesse um lado pessoal e subjetivo em seu grande erro, havia também um lado público e objetivo.
Havia algo errado em sua religião. Não estou me referindo à religião do Antigo Testamento. Esse é o equívoco que muitas pessoas fazem – eles assumem que a religião dos judeus e dos fariseus era a religião do Antigo Testamento. Não, embora a religião deles fosse baseada no Antigo Testamento, em geral era muito diferente e mesmo antagônica a ele, contradizendo-o em espírito e em letra. Algumas pessoas cometem o equívoco de pensar que os fariseus eram hostis a Jesus porque eles eram muito inflexíveis quanto a seguir a lei de Moisés ou o Antigo Testamento. Mas eles faziam o oposto. Jesus disse que eles anulavam os mandamentos de Deus por meio das suas tradições (Mateus 15.6). Eles tinham inventado regras e costumes que eram supostamente consistentes com os mandamentos de Deus, mas que na verdade redefiniam e substituíam os mandamentos de Deus em suas vidas. Ele disse que a profecia de Isaías se aplicava a eles: “Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens” (Mateus 15.9).
A religião dos judeus e dos fariseus não era a religião do Antigo Testamento. Era um sistema que eles tinham fabricado para se escusarem de aceitar as palavras dos profetas. Jesus disse que eles nem mesmo criam no Antigo Testamento: “Se vocês cressem em Moisés, creriam em mim, pois ele escreveu a meu respeito. Visto, porém, que não creem no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?” (João 5.46-47). A fé em Cristo, e dessa forma a fé no Novo Testamento, segue-se naturalmente da fé no Antigo Testamento, porque Cristo cumpriu o Antigo Testamento. Os judeus e os fariseus não seguiam a revelação de Deus, mas sua própria tradução humana. Devemos corrigir a ideia que eles eram hostis a Cristo porque eram muito obcecados com a precisão em sua doutrina e obediência. Não, eles eram hostis a Cristo porque se preocupavam muito mais sobre como evitar crer e obedecer à palavra de Deus enquanto davam a aparência de devoção religiosa, e Cristo expôs a hipocrisia deles.
Assim, Paulo, ou Saulo, era um homem zeloso. Mas esse zelo por sua religião o levou a ódio e assassinato contra o povo de Deus. Alguns poderiam dizer que isso era um caso de zelo mal direcionado. Isso não é inteiramente errado, mas a questão não era tão simples. Zelo não é uma atitude ideologicamente neutra – uma pessoa é zelosa por algo. Visto que uma pessoa é zelosa por algo, isso significa que zelo tem conteúdo, e visto que o conteúdo – as crenças ou ideologias – pode ser correto ou errado, então o zelo pode ser correto ou errado. Portanto, quando o zelo de uma pessoa o leva a fazer algo errado, se esse zelo é consistente com e um produto de sua ideologia pelo que ele é tão zeloso, então o próprio zelo é errado. Ele não é apenas um zelo mal direcionado, mas um zelo errado ou perverso, e umtipo diferente de zelo daquele zelo pelo que é verdadeiro e correto.
Não devemos supor que Paulo tinha uma atitude zelosa natural que era boa em si mesmo, mas apenas mal direcionada, e que esse zelo fez dele um crente mais eficaz uma vez que o zelo foi redirecionado pelo evangelho. Novamente, isso assume que zelo pode ser considerado em si mesmo, à parte daquilo pelo que a pessoa é zelosa, de forma que uma pessoa pode usar o mesmo zelo para esse ou para aquele, dependendo de como ele é direcionado. Contudo, o zelo não pode ser separado da ideologia. Não, Paulo tinha o tipo errado de zelo, um zelo que o tornou um assassino. Era um tipo de zelo que, por sua própria admissão, era baseada na “ignorância e incredulidade”. O zelo que ele exibiu como um cristão era baseado num fundamento inteiramente diferente, um que foi gerado pela obra do Espírito e um entendimento correto da graça do Senhor Jesus Cristo. E visto que o Espírito opera em todos do povo de Deus, e visto que todos do povo de Deus podem entender a graça de Deus, todos os cristãos podem possuir grande zelo pelas coisas de Deus. Isso não é algo que pertence a pessoas como Paulo à parte do evangelho, mas algo que é tornado disponível a todos os que creem no evangelho.
A fé de Jesus Cristo era o cumprimento das palavras dos profetas. Paulo não viu isso no início. Ele percebeu Cristo como uma ameaça à sua religião, embora grande parte dela não fosse procedente da religião do Antigo Testamento, mas da tradição humana, isto é, da invenção humana. Assim como Ismael zombou de Isaque, o filho da promessa, e assim como os fariseus perseguiram Cristo, o Filho da Promessa, os judeus perseguiram os cristãos. Os herdeiros da tradição humana sempre perseguirão os herdeiros da revelação divina. Não devemos ter a mínima simpatia pela posição de Paulo antes de sua conversão. Ele seguia a tradição em vez da Palavra de Deus. Seu entendimento da lei era errado. Ele nem mesmo cria no que foi escrito por Moisés. Se tivesse crido na Palavra de Deus, ele teria crido no evangelho de Cristo prontamente. Mas ele não o fez. Ele estava errado.
 
Fonte: Reflections on Second Timothy
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

terça-feira, 29 de maio de 2012

O Cânon Bíblico - Paulo Anglada



Sob o nome de Escrituras Sagradas, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os livros do Velho e do Novo Testamentos, todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e prática, que são os seguintes:
O Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester, Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares, Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.
O Novo Testamento: Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos, Romanos, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 Tessalonicenses, 2 Tessalonicenses, 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito, Filemon, Hebreus, Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 João, 3 João, Judas, Apocalipse.
Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do Cânon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como escritos humanos (Confissão de Fé de Westminster, 1:2-3).

O ensino destes parágrafos da Confissão de Fé de Westminster diz respeito especialmente ao cânon das Escrituras. Nele não são indicados os critérios empregados. São apenas relacionados os sessenta e seis livros aceitos como canônicos, ou seja, como inspirados por Deus, que compõem a Bíblia Protestante. Quanto aos livros apócrifos, que foram incluídos na Bíblia Católica, são explici­ta­mente considerados não inspirados e, portanto, não autorita­tivos; não devendo ser empregados senão como escritos humanos.
A palavra cânon é mera transliteração do termo grego kanwvn, que significa vara reta, régua, regra. Aplicado às Escrituras, o termo designa os livros que se conformam à regra da inspiração e autoridade divinas. Atanásio (séc. IV) parece ter sido o primeiro a usar a palavra neste sentido.[1] São chamados de canônicos, portanto, os livros que foram inspirados por Deus, os quais compõem as Escrituras Sagradas — o cânon bíblico.
Qual o cânon das Escrituras? Quais são os livros canônicos, ou seja, inspirados? Como se dividem? Há alguma regra pela qual se pôde averiguar a canonicidade de um livro? Como explicar a diferença entre os cânones hebraico, católico e protestante? São estas as perguntas que precisam ser respondidas com relação ao presente assunto.

O CÂNON PROTESTANTE DO ANTIGO TESTAMENTO

Origem

O cânon protestante do Antigo Testamento (composto pelos trinta e nove livros relacionados acima) é exatamente igual ao cânon hebraico massorético. O cânon massorético é a Bíblia hebraica em sua forma definitiva, vocalizada e acentuada pelos massoretas. A ordem dos livros, entretanto, segue a da Vulgata e da Septuaginta.

Os Massoretas

Os massoretas eram judeus estudiosos que se dedicavam à tarefa de guardar a tradição oral (massora) da vocalização e acentuação correta do texto. À medida que um sistema de vocalização foi sendo desenvolvido, entre 500 e 950 AD, o texto consonantal que receberam dossoferim[2] foi sendo por eles cuidadosamente vocalizado e acentuado. Além dos pontos vocálicos e dos acentos, os massoretas acrescentavam também ao texto as massoras marginais, maiores e finais, calculadas pelos soferim. Essas massoras (tradições) eram esta­tísticas colocadas ao lado das linhas, ao fim das páginas e ao final dos livros, indicando quantas vezes uma determinada palavra aparecia no livro, o número de versículos, palavras e letras. Elas indicavam até a palavra e letra central do livro.[3]

O Cânon Massorético

Embora o conteúdo do cânon protestante seja o mesmo do cânon hebraico, a divisão e a ordem dos livros são diferentes. Eis a divisão e ordem do cânon hebraico:
O Pentateuco (Torá): Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
Os Profetas (Neviim):
Anteriores: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis.
Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Profetas Menores.
Os Escritos (Kêtuvim):
Poesia e Sabedoria: Salmos, Provérbios e Jó.
Rolos ou Megilloth (lidos no ano litúrgico): Cantares (na páscoa), Rute (no pentecostes), Lamentações (no quinto mês), Eclesiastes (na festa dos tabernáculos) e Ester (na festa de purim).
Históricos: Daniel, Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas.

O Cânon Consonantal

A divisão e ordem dos livros no cânon hebraico consonantal (anterior) era a mesma. O número de livros, entretanto, era diferente. O conteúdo era o mesmo, mas agrupado de modo a formar apenas vinte e quatro livros. Os livros de 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis e 1 e 2 Crônicas eram unidos, formando apenas um livro cada (o que implica em três livros a menos em relação ao nosso cânon). Os doze profetas menores eram agrupados em um só livro (menos onze livros). Esdras e Neemias formavam um só livro, o Livro de Esdras (menos um livro).

Testemunhas Antigas do Cânon Protestante Hebraico

 A referência mais antiga ao cânon hebraico é do historiador judeu Josefo (37-95 AC). Em Contra Apionem ele escreve: “Não temos dezenas de milhares de livros, em desarmonia e conflitos, mas só vinte e dois, contendo o registro de toda a história, os quais, conforme se crê, com justiça, são divinos.”[4] Depois de referir-se aos cinco livros de Moisés, aos treze livros dos profetas, e aos demais escritos (os quais “incluem hinos a Deus e conselhos pelos quais os homens podem pautar suas vidas”), ele continua afirmando:
Desde Artaxerxes (sucessor de Xerxes) até nossos dias, tudo tem sido registrado, mas não tem sido considerado digno de tanto crédito quanto aquilo que precedeu a esta época, visto que a sucessão dos profetas cessou. Mas a fé que depositamos em nossos próprios escritos é percebida através de nossa conduta; pois, apesar de ter-se passado tanto tempo, ninguém jamais ousou acrescentar coisa alguma a eles, nem tirar deles coisa alguma, nem alterar neles qualquer coisa que seja.[5]
  Josefo é suficientemente claro. Como historiador judeu, ele é fonte fidedigna. Eram apenas vinte e dois os livros do cânon hebraico agrupados nas três divisões do cânon massorético. E desde a época de Malaquias (Artaxerxes, 464-424) até a sua época nada se lhe havia sido acrescentado. Outros livros foram escritos, mas não eram considerados canônicos, com a autoridade divina dos vinte e dois livros mencionados.
  Além de Josefo, Mileto, Bispo de Sardes, diz ter viajado para o Oriente, em 170, com o propósito de investigar a ordem e o número dos livros do Antigo Testamento; Orígenes, o erudito do Egito, que morreu em 254; Tertuliano (160-250), pai latino contemporâneo de Orígenes; e Jerônimo (340-420), entre outros, confirmam o cânon hebraico de vinte e dois ou vinte e quatro livros (dependendo do agrupamento ou não de Rute e Lamentações).
  É interessante observar que o próprio Jerônimo, tradutor da Vulgata latina, que daria origem ao cânon católico, embora considerasse os livros apócrifos úteis para a edificação, não os tinha como canônicos. Embora tendo traduzido outros livros não canônicos, ele escreveu que “deveriam ser colocados entre os apócrifos,” afirmando que “não fazem parte do cânon.” Referindo-se ao livro de Sabedoria de Salomão e ao livro de Eclesiástico, ele diz: “Da mesma maneira pela qual a igreja lê Judite e Tobias e Macabeus (no culto público), mas não os recebe entre as Escrituras canônicas, assim também sejam estes dois livros úteis para a edificação do povo, mas não para receber as doutrinas da igreja.”[6]
  Vale salientar ainda que a versão siríaca Peshita, que bem pode ter sido feita no século II ou III,[7] ou até mesmo no século I,[8] nos manuscritos mais antigos, não contém nenhum dos apócrifos.

O Testemunho de Jesus e dos Apóstolos

Embora as evidências já mencionadas sejam importantes, a principal testemunha do cânon protestante do Antigo Testamento é o Novo Testamento. Jesus e os apóstolos não questionaram o cânon hebraico da época (época de Josefo, convém lembrar). Eles citaram-no cerca de seiscentas vezes, de modo autoritativo, incluindo praticamente todos os livros do cânon hebraico. Entretanto, não citam nenhuma vez os livros apócrifos.[9] Pode-se concluir, portanto, que Jesus e os apóstolos deram o imprimatur deles ao cânon hebraico e, conseqüen­temente, ao cânon protestante.

O CÂNON CATÓLICO DO ANTIGO TESTAMENTO

Origem

O cânon católico, composto pelos trinta e nove livros encontrados no cânon protestante, acrescido das adições a Daniel e Ester, e dos livros de Baruque, Carta de Jeremias, 1-2 Macabeus, Judite, Tobias, Eclesiástico e Sabedoria — 3 e 4 Esdras e a Oração de Manassés são acrescentadas depois do NT —  origina-se da Vulgata latina, que por sua vez provém da Septuaginta.

A Septuaginta

A Septuaginta é uma tradução dos livros judaicos para o grego feita, possivelmente, durante o reinado de Ptolomeu Filadelfo (285-245 a.C.) ou até meados do século I a.C., para a biblioteca de Alexandria, no Egito.[10] Os tradutores não se limitaram a traduzir os livros conside­rados canônicos pelos judeus. Eles traduziram os demais livros judaicos disponíveis. E, a julgar pelos manuscritos existentes, deram um arranjo tópico à biblioteca judaica, na seguinte ordem:
Livros da Lei: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
Livros de História: Josué, Juízes, Rute, 1-2 Samuel, 1-2 Reis (chamados 1-2-3-4 reinados), 1-2 Crônicas, 1-2 Esdras (o primeiro apócrifo), Neemias, Tobias, Judite e Ester.
Livros de Poesia e Sabedoria: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares, Sabedoria de Salomão, Sabedoria de Siraque (ou Eclesiástico).
Livros Proféticos: Profetas Menores; Profetas Maiores: Isaías, Jeremias, Baruque, Lamentações, Epístola de Jeremias, Ezequiel, e Daniel (incluindo as histórias de Susana, Bel e o Dragão e o cântico dos Três Varões).
Alguns desses livros foram escritos posteriormente, em grego, possivelmente por judeus alexandrinos, e foram incluídos na biblioteca judaica de Alexandria, tais como Primeiro e Segundo Esdras, adições a Ester, Sabedoria, e a Epístola de Jeremias. Nem sempre todos estes livros estão presentes nos manuscritos antigos da Septuaginta. O Códice Vaticano (B) omite Primeiro e Segundo Macabeus (canônicos para a Igreja Católica) e inclui Primeiro Esdras (não canônico para a Igreja Católica). O Códice Sináitico (À) omite Baruque (canônico para Roma), mas inclui o quarto livro dos Macabeus (não canônico para Roma). O Códice Alexandrino (A) inclui o Primeiro Livro de Esdras e o Terceiro e Quarto Livros dos Macabeus (apócrifos para Roma).
O que se pode concluir daí é que, quando a Septuaginta era copiada, alguns livros não canônicos para os judeus eram também copiados. Isso poderia ter ocorrido por ignorância quanto aos livros verdadeiramente canônicos. Pessoas não afeiçoadas ao judaísmo ou mesmo desinteressadas em distinguir livros canônicos dos não canô­nicos tinham por igual valor todos os livros, fossem eles original­mente recebidos como sagrados pelos judeus ou não. Mesmo aqueles que não tinham os demais livros judaicos como canônicos certamente também copiavam estes livros, não por considerá-los sagrados, mas apenas para serem lidos. Por que não copiar livros tão antigos e interessantes?
Mesmo pessoas bem intencionadas podem ter sido levadas a rejeitar alguns dos livros canônicos, ou a aceitar como canônicos alguns que não o fossem, por ignorância ou má interpretação da história do cânon. Convém lembrar que, embora o testemunho do Espírito Santo seja a principal regra de canonicidade por parte da igreja como um todo, mesmo assim, o crente ainda tem uma natureza pecami­nosa que não o livra totalmente de incidir em erro, inclusive quanto ao assunto da canonicidade. Isto acontece especialmente em épocas de tran­sição, como foi o caso de Agostinho que defendeu os livros apócri­fos, embora de modo dúbio, e depois o de Lutero, o qual colocou em dúvida a canonicidade da carta de Tiago.

A Vulgata

Como já foi mencionado, ao traduzir a Vulgata, Jerônimo também incluiu alguns livros apócrifos. Não o fez, contudo, por considerá-los canônicos, mas apenas por considerá-los úteis, como fontes de informação sobre a história do povo judeu.
Na Idade Média a versão francamente usada pela igreja foi a Vulgata latina. A partir dela e da Septuaginta também foram feitas outras traduções. Ora, multiplicando-se o erro, e afastando-se cada vez mais a igreja da verdade (como aconteceu crescentemente nesse período), tornou-se mais e mais difícil distinguir entre os livros que deveriam ser considerados canônicos ou não. Esses livros nunca foram completa­mente aceitos, mesmo nessa época. Mas, por estarem incluídos nessas versões, a igreja em época de trevas, geralmente falando, não teve discernimento espiritual para distinguir entre livros apócrifos e canônicos.
Por fim, no Concílio de Trento, em 1546, também em reação contra os protestantes, que reconheceram apenas o cânon hebraico, a igreja de Roma declarou canônicos os livros apócrifos relacionados acima, bem como autoritativas as tradições orais: “O Sínodo... recebe e venera todos os livros, tanto do Antigo como do Novo Testamento... assim como as tradições orais.” A seguir são relacionados todos os livros considerados canônicos, incluindo os apócrifos. Concluindo, o decreto adverte:
Se qualquer pessoa não aceitar como sagrado e canônico os livros mencionados em todas as suas partes, do modo como eles têm sido lidos nas igrejas católicas, e como se encontram na antiga Vulgata latina, e deliberadamente rejeitar as tradições antes mencionadas, seja anátema.[11]
A igreja grega seguiu mais ou menos os passos da igreja ocidental. Houve sempre dúvida na aceitação dos apócrifos, mas, no Concílio de Trulano, em 692, foram todos aceitos (quatorze). Ainda assim, como sempre houve reservas quanto à plena aceitação de muitos deles, a igreja grega, em 1672, acabou reduzindo para quatro o número dos apócrifos aceitos: Sabedoria, Eclesiástico, Tobias e Judite.[12]

Conclusão

Por ironia da História, a Vulgata de Jerônimo, o qual não considerava canônicos os livros apócrifos,[13] veio a ser a principal responsável pela inclusão destes mesmos livros no cânon católico.
A obra dos reformadores foi maior do que se pode pensar à primeira vista. Eles não apenas redescobriram as doutrinas básicas do evangelho, como a doutrina da salvação pela graça mediante a fé. Eles redescobriram também o cânon. Graças a eles e ao testemunho do Espírito Santo, a igreja protestante reconhece como canônicos, com relação ao Antigo Testamento (é claro), os mesmos livros que Jesus e os apóstolos, e os judeus de um modo geral sempre reconheceram.
Alguns dos apócrifos são realmente úteis como fontes de informação a respeito de uma época importante da história do povo de Deus: o período inter-testamentário. Os protestantes reconhecem o valor histórico deles. Seguindo a prática dos primeiros cristãos, as edições modernas protestantes da Septuaginta normalmente incluem os apócrifos, e até algumas Bíblias protestantes antigas os incluíam, no final,, apenas como livros históricos.
Mas as igrejas reformadas excluíram totalmente os apócrifos das suas edições da Bíblia, e, “induziram a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, sob pressão do puritanismo escocês, a declarar que não editaria Bíblias que tivessem os apócrifos, e de não colaborar com outras sociedades que incluíssem esses livros em suas edições.”[14] Melhor assim, tendo em vista o que aconteceu com a Vulgata! Melhor editá-los separadamente.

O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

Por motivos óbvios, os judeus não aceitam os livros do Novo Testamento como canônicos. Se não reconheceram a Jesus como o Messias, não poderiam aceitar os livros do Novo Testamento como inspirados. Felizmente, entretanto, não precisamos falar de um cânon protestante e de um cânon católico do NT, visto que todos os ramos do cristianismo — incluindo a igreja oriental — aceitam exatamente os mesmos vinte e sete livros, como os temos em nossas Bíblias.
  É claro, entretanto, que não se poderia esperar que todos os vinte e sete livros do Novo Testamento viessem a ser imediata e simultaneamente reconhecidos como inspirados, por todas as igrejas, logo na época em que foram escritos. Algum tempo seria necessário para que os quatro Evangelhos, o livro de Atos, as epístolas, e o livro de Apocalipse alcançassem todas as igrejas. Afinal, no final do primeiro século e no início do segundo a igreja já havia se espalhado por três continentes: Europa, Ásia e norte da África. Além disso, é provável que haja um intervalo de quase cinqüenta anos entre a data em que o primeiro e o último livro do Novo Testamento foram escritos.[15] Por fim, deve-se considerar ainda que, embora todos os livros canô­nicos sejam inspirados, nem todos têm a mesma importância ou volume. É natural esperar que cartas pequenas como Judas, e as duas últimas cartas de João, fossem bem menos mencionadas do que os Evangelhos, Atos, Romanos, etc.
  Também é preciso observar que havia outros livros cristãos antigos: evangelhos, cartas, atos, apocalipses, etc. Alguns desses livros foram escritos por crentes piedosos do primeiro e segundo séculos, outros eram indevidamente atribuídos aos apóstolos ou aos seus contemporâneos. Algum tempo, é claro, seria necessário para que a igreja, de um modo geral, de posse já de todos os livros canônicos, bem como de muitos outros não canônicos, viesse a avaliar a autoria, teste­munho externo e interno, e discernir, pela ação do Espírito Santo, quais livros realmente pertenceriam ao cânon. Isso tudo, entretanto, ocorreu de modo surpreendentemente rápido, de maneira que antes que cem anos se passassem, praticamente todos os livros do Novo Testa­mento já eram conhecidos, reunidos, reverenciados e tidos como autoritativos, conforme atestam as evidências históricas existentes.

Critérios de Canonicidade dos Livros do Novo Testamento

A principal questão teológica com relação ao cânon do NT diz respeito ao critério ou critérios que determinaram a canonicidade dos livros do NT. Por que os vinte e sete livros, e apenas estes, incluídos em nossas Bíblias são aceitos como canônicos? A resposta a esta pergunta encontra-se, em última instância, na doutrina da inspiração. São canônicos os livros que foram inspirados por Deus. Mas como foi reconhecida a inspiração dos livros do NT? Quais os critérios que levaram a igreja a aceitar todos os vinte e sete livros, e apenas estes, como inspirados e conseqüentemente canônicos?

1) O TESTEMUNHO INTERNO DO ESPÍRITO SANTO

O critério essencial é o mesmo que levou ao reconhecimento do Antigo Testamento: o testemunho interno do Espírito Santo na igreja como um todo. É certo, como já foi mencionado, que crentes individuais podem falhar em identificar ou não certos livros como canônicos — especialmente em épocas de transição, como nos primei­ros séculos da igreja na nova dispensação e durante o período da Reforma. Não obstante, o testemunho da igreja como corpo (não como instituição ou indivíduos isoladamente) é o principal critério de verifi­ca­ção da canonicidade das Escrituras.
Isso não significa dizer, entretanto, que seja a igreja quem tenha determinado o cânon. Quem determinou o cânon foi o Espírito Santo que o inspirou. A igreja apenas o reconheceu, o discerniu, pela iluminação do próprio Espírito Santo, que habita nos seus membros individuais. William Whitaker, professor de Teologia na Universidade de Cambridge, no livro Disputation on Holy Scripture, publicado em 1588, e freqüentemente citado na Assembléia de Westminster, resume o papel da igreja como corpo e dos crentes individuais com relação ao reconhecimento do cânon, com as seguintes palavras: “...a autoridade da igreja pode, a princípio mover-nos a reconhecermos as Escrituras: mas depois, quando nós mesmos lemos as Escrituras, e as compreende­mos, concebemos uma fé verdadeira...”[16] — isto é, somos convencidos pelo Espírito da sua veracidade e identidade.
As evidências históricas deste reconhecimento do cânon do Novo Testamento pela igreja são abundantes.
Logo no final do primeiro século e início do segundo (até 120 d.C.), boa parte dos livros do Novo Testamento já era conhecida, citada e até reverenciada como autoritativa pelos primeiros escritos cristãos que chegaram até nós. É o caso da Carta de Clemente de Roma aos Coríntios, escrita por volta do ano 95; das cartas de Inácio de Antio­quia da Síria, bispo que morreu martirizado em Roma entre 98 e 117; da Epístola aos Filipenses, de Policarpo, discípulo de João que morreu martirizado, escrita pouco antes do martírio de Inácio; etc. Apenas a segunda e terceira Carta de João e a carta de Judas não são menciona­das nestes escritos mais antigos; obviamente por falta de oportunidade, visto serem muito pequenas.
Na metade do segundo e no terceiro século, quando já há mais abundância de escritos, preservados,[17] todos os livros do NT são citados, e todos, de modo geral, reconhecidos como autoritativos, embora a canonicidade de alguns livros seja colocada em dúvida ou rejeitada por um ou outro autor antigo. Orígenes de Alexandria (185-250) e Eusébio de Cesaréia (265-340), seguindo Orígenes, por exem­plo, parecem lançar dúvidas sobre Hebreus, 2 Pedro, 2 e 3 João, Tiago e Judas. Neste período, o assunto da canonicidade dos livros foi debatido e defendido, tendo em vista as posições heréticas, como as de Marcião e outros representantes do gnosticismo. Em 367, Atanásio apresenta uma lista dos livros canônicos do Novo Testamento, incluindo todos os vinte e sete livros, e apenas estes. Finalmente, em 397, no Concílio de Cartago, a igreja reconheceu oficialmente todos os vinte e sete livros, e só estes, como canônicos. Esta decisão foi ratificada pelo Concílio de Hipona, em 419.

2) ORIGEM APOSTÓLICA

Pelo lado humano, a origem apostólica foi, sem dúvida, o critério mais importante considerado pela igreja, para o reconhecimento da canonicidade do Novo Testamento. Assim como os profetas (no sentido lato) do Antigo Testamento eram a voz autorizada de Deus para o povo — e de algum modo, todos os livros do AT têm origem profética — assim também a origem apostólica autenticava um livro como autoritativo, e conseqüentemente canônico. Os apóstolos eram as testemunhas autorizadas escolhidas por Jesus, como dirigentes da igreja que surgia. Para os pais da igreja este era o critério mais importante. Fosse possível provar que um determinado livro era de origem apostólica, isso seria suficiente para ser reconhecido como canônico. Por outro lado, havendo dúvida quanto à origem apostólica fatalmente haveria relutância — como realmente houve — na aceitação da canonicidade de um livro.
  O fato é que todos os livros aceitos como canônicos eram de autoria apostólica, ou tidos como de origem apostólica. Mesmo Marcos está ligado a Pedro (foi até chamado de Evangelho de Pedro), Lucas e Atos provinham da autoridade de Paulo; e Hebreus era também considerado de Paulo; Tiago e Judas, dos apóstolos que tinham esse nome.

3) O CONTEÚDO DOS LIVROS

O conteúdo dos livros também foi sempre um critério importante no reconhecimento da canonicidade dos livros do NT. Livro algum, em desacordo com o padrão doutrinário e moral, ensinado por Jesus e os apóstolos, seria recebido como autoritativo. Foi assim que muitos escritos heréticos foram repudiados pela igreja. Foi com base nesta regra, também, que muitos livros apócrifos foram rejeitados, visto que em franco desacordo com o caráter, simplicidade, doutrinas e ética dos livros canônicos.

4) AS EVIDÊNCIAS INTERNAS DO NT

Embora os critérios acima tenham sido decisivos, as evidências internas do próprio NT, quanto à inspiração e autoridade de alguns desses livros, revestem-se de especial importância. É claro que não se deve esperar encontrar uma lista completa do cânon do Novo Testamento dentro do próprio Novo Testamento. Não é assim que Deus age. O lado humano da revelação (o instrumento) não é eclipsado pelo divino — não é assim na inspiração (as Escrituras não são pneuma­grafadas), não é assim na preservação (as Escrituras não são pneumapreservadas), e também não é assim no cânon (as Escrituras não são pneumacanonizadas). O elemento  permeia toda a Bíblia, e “a fé é a convicção de fatos que se não vêem”(Hb 11:1).
 Isto, entretanto, não significa de modo algum que os autores dos livros do Novo Testamento e seus primeiros leitores não tivessem consciência da inspiração desses livros. Alguns assim afirmam dizendo que, de início, as cartas e Evangelhos foram escritos e recebidos como cartas e livros comuns, sem pretensão de inspiração ou canonicidade, por parte dos autores e leitores. Contudo tal afirmação não corresponde aos fatos. Há, no prório Novo Testamento, evidências claras da inspiração, autoridade e conseqüente canonicidade desses livros. O apóstolo Paulo não escreve como alguém que aconselha, exorta ou en­si­na de si mesmo, mas com autoridade divina, extraordinária. De onde provém a autoridade de Paulo, ao exortar os Gálatas (1:8), dizendo: “...ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evan­gelho que vá além do que vos tenho pregado, seja anátema”? Ele explica logo a seguir, quando afirma: “...o evangelho por mim anun­ciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo” (Gl 1:11,12).
Que os livros do NT não tinham caráter meramente circuns­tancial, específico e momentâneo é evidente nas exortações no sentido de que fossem lidos publicamente (o que só se fazia com as Escrituras), e em outras igrejas (1 Ts 5:27; Cl 4:16). Paulo afirma que os tessaloni­censes receberam as suas palavras como palavra de Deus; e ele confirma que realmente são:
Outra razão ainda temos nós para incessantemente dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homem, e sim, como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes (1 Ts 2:13).
O apóstolo Pedro também coloca os escritos de Paulo em pé de igualdade com as Escrituras, reconhecendo autoridade igual à do Antigo Testamento:
...e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como de fato costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles (2 Pe 3:15-16).
Em 1 Timóteo 5:18, o texto de Lucas 10:7 é chamado de Escritura, juntamente com Deuteronômio 25:4: “Pois a Escritura declara: Não amordaces o boi, quando pisa o grão (Dt 25:4). E ainda: O trabalhador é digno do seu salário” (Lc 10:7).

Os Livros Disputados

  Como já mencionado, alguns pais da igreja tiveram dúvidas quanto à canonicidade de alguns livros do NT. Enquanto a maioria dos livros praticamente nunca tiveram a sua canonicidade disputada pela igreja, outros sofreram alguma resistência, embora parcial, para serem aceitos como canônicos. Os principais foram: Hebreus, Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse.
  Entretanto, não é difícil compreender as razões desta relutância, pois cada um desses livros apresenta uma ou outra característica que, de certo modo, justificava o zelo por parte da igreja em averiguar mais cuidadosamente a canonicidade deles. Afinal, haviam outros livros cristãos, de conteúdo fiel e ortodoxo, que poderiam ser confundidos, se não houvesse discernimento por parte da igreja; a exemplo do que aconteceu com os apócrifos do Antigo Testamento, pela Igreja Católica.
  Não é muito difícil compreender os motivos que levaram os referidos livros a terem sua canonicidade disputada. No caso de Hebreus, o problema estava na autoria e estilo. A tradição dizia ser de Paulo, mas não há o nome do autor, como é costume de Paulo. O estilo também não é exatamente o mesmo, embora haja muita semelhança. Com relação a Tiago, a aparente discrepância doutrinária com as demais cartas e a possibilidade de haver sido escrita por outro Tiago certamente dificultaram o reconhecimento da sua canonicidade. A segunda carta de Pedro, além de, por razões desconhecidas, provavel­mente haver tido circulação limitada, apresenta alguma diferença de vocabulário e estilo, o que, segundo Jerônimo, foi a causa de alguns pais duvidarem da genuinidade da epístola.[18] Quanto a Judas e 2 e 3 João, o próprio tamanho, importância relativamente menor, e a natureza mais pessoal das duas últimas, certamente dificultaram a circulação e reconhecimento delas no cânon — no caso de Judas, a questão da origem apostólica também pesou. Já o livro de Apocalipse, o qual teve aceitação generalizada no segundo século, teve sua canonicidade posteriormente disputada, provavelmente pela dúvida lançada por Dionísio de Alexandria, seguido por Eusébio de Cesaréia, quanto à origem apostólica do livro, devido ao que consideravam diferenças de estilo entre ele e o Evangelho de João; o que o levou a atribuir o livro a um outro João.
  É claro que estas dificuldades são todas aparentes. Estilo não pode ser determinante, pois a natureza do assunto pode acarretar mudança de estilo. Além disso era comum o uso de amanuenses. Tamanho “também não é documento;” e assuntos relativamente menos importantes tornam-se importantíssimos em determinadas circunstân­cias — a História da Igreja tem comprovado isso. Quantas vezes as cartas de Judas, 2 e 3 João têm sido de valor inestimável para pessoas e igrejas específicas! A “discrepância” doutrinária de Tiago já tem sido suficientemente explicada: é apenas aparente. A relutância por parte de alguns, no terceiro ou quarto séculos em reconhecer a canonicidade desses livros não deve de modo algum ser encarada como necessaria­mente depreciativa. Pelo contrário, por mais que tenham sido submeti­dos a teste, até pelos reformadores, esses livros foram aprova­dos pela História, e encontraram lugar seguro e imbatível no cânon do Novo Testamento.

Conclusão

  Sejam quais forem os critérios que mais influenciaram os pais da igreja no reconhecimento dos livros do Novo Testamento, e apesar da relutância de alguns em aceitar todos os vinte e sete livros, e não obstante o grande número de livros apócrifos que surgiram nos primeiros séculos, o verdadeiro cânon teria que prevalecer. E prevale­ceu. Inspirados que eram, tinham poder espiritual inerente. E este poder manifestou-se de tal modo que todos os ramos do cristianismo alcança­ram unanimidade espantosa, de modo que desde pelo menos Atanásio, o primeiro a apresentar uma lista completa do cânon do NT, até nossos dias, não tem havido nenhuma objeção realmente séria quanto à canonicidade do NT, nos três principais ramos do cristianismo.

* Extraído de Paulo R. B. Anglada, Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras (São Paulo: Editora Os Puritanos, 1998), 33-48.
[1] A. Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo: ASTE, 1968. vol.1.), 29.
[2] Ordem dos escribas que originou-se com Esdras, e que se estendeu até 200 AD, cuja função era preservar puro o texto bíblico.
[3] O que funcionava mais ou menos como os modernos dígitos verificadores usados nos compu­tadores para evitar erros em informações importantes como número de contas bancárias, CPF, CGC, etc.
[4] Ele menciona vinte e dois, ao invés de vinte e quatro, porque com certeza, originalmente, Rute era agrupado com Juízes e Lamentações com Jeremias.
[5] Capítulo primeiro.
[6] Gleason L. Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo: Vida Nova, 1979), 76.
[7] R. L. Harris, Inspiration and Canonicity of the Bible; An Historical and Exegetical Study, 216; Wilbur N. Pickering, The Identity of the New Testament Text, 93-96; e Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento?, 51.
[8] “...é provável que certas porções do Antigo Testamento siríaco, em primeiro lugar o Pentateuco, tenham sido introduzidos naquele reino nos meados do primeiro século de nossa era” (R. A. H. Gunner, Texto e Versões do Antigo Testamento. Versão Siríaca,em J. D. Douglas, ed., O Novo Dicionário da Bíblia. vol. 3, 3 ed. (São Paulo: Vida Nova, 1979): 1598.
[9] Com exceção de Enoque 1:9, aludido em Judas 14-16; contudo, não citado autoritativamente, e sim como qualquer outro autor; assim como Paulo cita Arato em Atos 17:28 e Menander em 1 Coríntios 15:33.
[10] A biblioteca de Alexandria, segundo alguns, chegou a ter cerca de duzentos mil volumes.
[11] R. L. Harris, Inspiration and Canonicity of the BibleAn Historical and Exegetical Study (Grand Rapids: Zondervan, 1957), 192.
[12] Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento?, 80.
[13] Jerônimo foi o primeiro a usar o termo apócrifo.
[14] A. Bentzen, Introdução ao Antigo Testamento, 49
[15] A Epístola aos Gálatas foi escrita por volta de 48/50 e o Livro de Apocalipse entre 81/96.
[16] Citado em Wayne Spear, "The Westminster Confession of Faith and Holy Scripture," Premise 3:4 (1996): 9. 

domingo, 27 de maio de 2012

Nisto Pensai - Por - John Owen ( 1616-1683 )





Estejamos absolutamente certos de que essa glória de Cristo em Suas naturezas divina e humana é o melhor, o mais nobre e o mais útil objeto em que podemos pensar. O apóstolo Paulo afirma que todas as outras coisas são apenas perda e quando comparadas com ela, como estéreo (Filipenses 3:8-10). As Escrituras falam da estultícia das pessoas em gastar "...o dinheiro naquilo que não é pão, e o produto do seu trabalho naquilo que não pode satisfazer" (Isaías 55:2). Eles fixam seus pensamentos em seus prazeres pecaminosos, e se recusam de olhar para a glória de Cristo. Alguns chegam a ter pensamentos mais elevados sobre as obras da criação de Deus e de Sua providência, mas não há glória nessas coisas que se possa comparar com a glória das duas naturezas de Cristo. No Salmo oito, Davi está meditando na grandeza das obras de Deus.
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Isto o faz pensar na pobre e fraca natureza do homem, que parece como nada se comparada àquelas glórias. Então ele começa a admirar a sabedoria, amor e bondade de Deus por exaltar acima de todas as obras da criação a nossa natureza humana que estava em Jesus Cristo. O autor sagrado explica isto em Hebreus 2:5-6.
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Como são agradáveis e desejáveis as coisas deste mundo — esposa, filhos, amigos, posses, poder e honra! Mas a pessoa que tem todas estas coisas e também o conhecimento da glória de Cristo dirá: "A quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti" (Salmo 73:25) pois "Quem no céu se pode igualar ao Senhor? Quem é semelhante ao Senhor entre os filhos dos poderosos?" (Salmo 89:6). Apenas uma olhada na gloriosa beleza de Cristo é suficiente para vencer e capturar os nossos corações. Se não estamos olhando com freqüência para Ele, refletindo sobre a Sua glória, é porque as nossas mentes estão muito cheias de pensamentos terrenos. Desta forma, não estamos nos apossando da promessa de que nossos olhos verão o Rei em Sua beleza.
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Uma das atividades da fé consiste em examinar as Escrituras, porque elas declaram a verdade sobre Cristo (veja João 5:39). Vamos ver a glória de Cristo nas Escrituras de três modos:
i. Por meio de descrições diretas de Sua encarnação e Seu caráter como Deus-homem. Gênesis 3:15; Salmos 2:7-9; 45:2-6; 78:17-18 e 110:1-7; Isaías 6:1-4; 9:6; Zacarias 3:8; João 1:1-3; Filipenses 2:6-8; Hebreus 1:1-3; 2:4-16; Apocalipse 1:17-18.
ii. Mediante numerosas profecias, promessas e outras expressões que nos levam a considerar Sua glória.
iii. Pelos exemplos de adoração divina que Deus instituiu no Velho Testamento e pelo testemunho direto dado a Ele do céu no Novo Testamento. 
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Isaías disse: "Eu vi ao Senhor assentado sobre um alto e sublime trono; e o seu séquito enchia o templo" (Isaías 6:1). Esta visão de Cristo foi tão gloriosa que os serafins (criaturas celestiais que assistem nos céus) tiveram que cobrir as suas faces. Contudo, maior ainda foi a glória revelada abertamente nos dias apostólicos! Pedro nos diz que ele e os outros apóstolos foram testemunhas oculares da majestade do Senhor Jesus Cristo.
"Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda do nosso Senhor Jesus Cristo, segundo fábulas artificialmente compostas: mas nós mesmos vimos a sua majestade. Porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da magnífica glória lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o meu filho amado, em quem me tenho comprazido" (II Pedro 1:16-17). Deveríamos ser como o que procura por todo tipo de pérolas. Quando ele encontra uma de grande preço, vende tudo o que possui para que possa adquiri-la. (Mateus 13:45-46). Cada verdade das Sagradas Escrituras é uma pérola que nos enriquece espiritualmente, mas quando nos deparamos com a glória de Cristo encontramos tanta alegria que nunca mais desejaremos dispor dessa pérola de grande valor.
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O glorioso da Bíblia é que agora ela é a única forma tangível de nos ensinar sobre a glória de Cristo. 3. Devemos meditar freqüentemente sobre o conhecimento da glória de Cristo que obtemos da Bíblia. As nossas mentes devem ser espirituais e santas e libertas de todos os cuidados e afeições terrenos. A pessoa que não medita agora com prazer na glória de Cristo nas Escrituras, não terá nenhum desejo de ver aquela glória nos céus. Que tipo de fé e amor têm as pessoas que acham tempo para meditar sobre muitas outras coisas, mas não têm tempo para meditar neste assunto glorioso?
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Os nossos pensamentos devem se voltar para Cristo sempre que haja uma oportunidade a qualquer hora do dia. Se somos verdadeiros crentes e se a Palavra de Deus está em nossos pensamentos, Cristo está perto de nós (Romanos 10:8). Nós O encontraremos pronto para falar conosco e manter comunhão. Ele diz: "Eis que estou à porta, e bato: se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo" (Apocalipse 3:20). E verdade que há momentos em que Ele Se retira de nós e não podemos ouvir a Sua voz.
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E quando isso acontece, não podemos ficar contentes. Devemos ser como a noiva no Cântico de Salomão 3:1-4: "De noite busquei em minha cama aquele a quem ama a minha alma: busquei-o, e não o achei. Levantar-me-ei, pois e rodearei a cidade; pelas ruas e pelas praças buscarei aquele a quem ama a minha alma; busquei-o, e não o achei. Acharam-me os guardas, que rondavam pela cidade; eu perguntei-lhes: vistes aquele a quem ama a minha alma? Apartando-me eu um pouco deles, logo achei aquele a quem ama a minha alma: detive-o, até que o introduzi em casa de minha mãe, na câmara daquela que me gerou"..
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A experiência da vida espiritual de um cristão é forte em proporção aos seus pensamentos sobre Cristo que nele habita e seu deleite nEle (Gaiatas 2:20). Se tivermos deixado Cristo ausente de nossas mentes por muito tempo, devemos nos censurar por isso..
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Todos os nossos pensamentos sobre Cristo e Sua glória devem ser acompanhados de admiração, adoração e ações de graças. Somos convidados a amar o Senhor com toda a nossa alma, mente e força (Marcos 12:30). Se somos verdadeiros crentes, a graça de Cristo opera em nossas mentes e almas renovadas e nos ajuda a fazer isso. Na vinda de Cristo como juiz no último dia, os crentes ficarão cheios de um tremendo sentimento de admiração por Sua gloriosa aparência — "...quando vier para ser glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável naquele dia em todos os que crêem" (II Tessalonicenses 1:10). Essa admiração se transformará em adoração e ações de graças; um exemplo disso é dado em Apocalipse 5:9-13, onde toda a Igreja dos redimidos canta um novo cântico. "E cantavam um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, e língua, e povo, e nação; e  para o nosso Deus os fizeste reis e sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra.
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E olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais, e dos anciãos; e era o número deles milhares de milhares e milhões de milhões, que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória e ações de graças. E ouvi a toda criatura que está no céu, e na terra, e debaixo da terra, e que está no mar, e a todas as coisas que neles há, dizer: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, sejam dadas ações de graças, e honra, e glória, e poder para todo o sempre".
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Há algumas pessoas que têm esperança de ser salvos por Cristo e de ver a Sua glória num outro mundo, porém não estão interessados em meditar, pela fé naquela glória neste mundo. Elas são semelhantes a Marta, que estava preocupada com muitas coisas e não com Maria, que escolheu a melhor parte, sentando-se aos pés de Cristo (Lucas 10:38-42). Que tais pessoas tomem muito cuidado para que não negligenciem nem desprezem o que deveriam fazer.
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Alguns dizem que têm o desejo de contemplar a glória de Cristo pela fé, mas quando começam a considerar essa glória, eles acham que é coisa muito elevada e difícil. Eles ficam maravilhados, à semelhança dos discípulos no Monte da Transfiguração. Admito que a fraqueza de nossas mentes e a nossa falta de habilidade para entender bem a eterna glória de Cristo nos impede de manter os nossos pensamentos numa meditação firme e constante por muito tempo. Aqueles que não têm a prática e habilidade de uma santa meditação em geral não terão a capacidade de meditar neste mistério em particular. Mas, mesmo assim, quando a fé não consegue mais manter abertos os olhos do nosso entendimento para refletir sobre o Sol da Justiça brilhando em Sua beleza, pelo menos, pela fé ainda podemos descansar em santa admiração e amor.

Fonte: [ O Calvinismo ]

OS 10 MELHORES LIVROS



Seguindo o exemplo de alguns amigos e colegas de ministério, resolvi elencar os dez melhores livros que li durante o ano de 2009. Li muita coisa boa durante o ano que passou, de maneira que, é perfeitamente possível que eu cometa alguma injustiça com alguma excelente obra. No entanto, após examinar a lista composta de sessenta e nove livros, cheguei ao seguinte veredicto:

10º: GALILÉIA – Ronaldo Correia de Brito (Objetiva)
Ronaldo Correia de Brito é um médico cearense (meu conterrâneo!), radicado na capital pernambucana (Recife), colunista semanal na revista Terra Magazine, no portal Terra. Galiléia é um romance denso que conta a estória de três primos (Davi, Adonias e Ismael), que atravessam o sertão dos Inhamuns, no Ceará, para visitar o avô moribundo, em uma fazenda cujo nome é o título da obra. Em Galiléia, os três primos se defrontam com questões difíceis e segredos do passado. Interessante na obra é que quase todos os personagens receberam nomes bíblicos, e.g., Davi, Adonias, Ismael, Tobias, Tio Josafá, Tio Salomão, e etc.

9º: O ROMANCE MORREU – Rubem Fonseca (Companhia das Letras)
Rubem Fonseca é um conhecido escritor do público brasileiro, famoso por várias de suas obras, incluindo alguns romances, contos e crônicas. Em O Romance Morreu, ele apresenta algumas crônicas que retratam situações do seu cotidiano e acontecimentos narrados por ele in loco, como por exemplo, a queda do Muro de Berlin.


8º: PREGAÇÃO E PREGADORES – Martyn Lloyd-Jones (Fiel)
Obra magistral do “Doutor” do País de Gales. Nela, Lloyd-Jones apresenta uma série de preleções a respeito de assuntos que giram em torno da pregação: sua primazia, a diferença entre sermão e pregação, a forma do sermão, questões pertinentes à pessoa do pregador, a estrutura do sermão, o uso de ilustrações, coisas que devem ser evitadas e etc. extraordinária é a exposição de dez argumentos contra o uso de apelos, algo extremamente comum em nossos dias, mas que se configura como banalização da graça e do evangelho.

7º: VENCENDO O MUNDO – Joel Beeke (Fiel)
Joel Beeke, diretor do Puritan Reformed Theological Seminary, é bastante conhecido do público reformado no Brasil. A obra em questão está dividida em três seções: 1) uma exposição de 1 João 5.4,5, onde o autor discorre sobre o mundanismo e a forma de vencê-lo; 2) uma exposição do pensamento de João Calvino a respeito da piedade como instrumento indispensável para se vencer o mundo; e 3) uma exposição de Atos dos Apóstolos 20.28 voltada para os pastores, que também estão sujeitos aos enormes perigos do mundanismo. Numa época em que a cristandade tem se mundanizado cada vez mais, a presente obra é de extrema relevância e urgência para os protestantes reformados brasileiros.

6º: EU DISSE ADEUS AO NAMORO – Joshua Harris (Atos)
Comecei a leitura desse livro “com um pé atrás”, visto que não possuía familiaridade com o autor e o seu pensamento. Entretanto, à medida que me aprofundava na leitura comecei a me entusiasmar com a visão apresentada por Harris a respeito dos malefícios do namoro ocidental. O objetivo do livro é estimular os jovens crentes a buscarem uma vida de pureza nos seus relacionamentos, primando por uma amizade saudável e alicerçada na Palavra de Deus. Que bom seria se nossos jovens se dispusessem a lê-lo. E não apenas isso, que maravilhoso seria se buscassem aplicar os princípios ensinados às suas vidas.


5º: SANTIDADE SEM A QUAL NINGUÉM VERÁ O SENHOR – J. C. Ryle (Fiel)
O livro do bispo de Liverpool aborda um assunto relegado ao “arquivo morto” do evangelicalismo, a santidade. Trata-se de uma obra clássica, um verdadeiro patrimônio teológico-literário do protestantismo mundial. O livro consta de exposições feitas por J. C. Ryle, apresentando os princípios bíblicos a respeito da santidade e aplicando-os à sua época com uma maestria impressionante. Interessantemente, as aplicações feitas por ele não perderam a vitalidade e a relevância. Elas permanecem atuais e urgentes para a geração evangélica pós-moderna, uma geração carente de vida piedosa.

4º: THE WORSHIP OF GOD – Joseph A. Pipa, Org. (Christian Focus Publishing)
Essa obra reúne os ensaios apresentados por estudiosos eruditos na conferência anual Spring Theology Conference, em 2003, no Greenville Presbyterian Theological Seminary. Os capítulos abordam assuntos relacionados ao culto bíblico-reformado, como por exemplo: “The Regulative Principle”, de Terry L. Johnson; “Calvin and the Worship of God”, de W. Robert Godfrey; “The Purpose of Worship”, de Joseph A. Pipa, Jr.; “The History of Worship in Presbyterian Churches”, de Morton H. Smith; “The Psalms and Contemporary Worship”, de W. Robert Godfrey; “Reformed Liturgy”, de Joseph A. Pipa, Jr.; “Worship from the Heart”, de Terry L. Johnson; “The Biblical Case for Exclusive Psalmody”, de Brian Schwertley; “A Defense of Biblical Hymnody”, de Benjamin Shaw; e “The Few on Behalf of the Many”, de Cliff Blair”. Alias, este ultimo capítulo é extraordinário, nele, Cliff Blair faz uma análise bíblica, histórica e teológica acerca da impropriedade da existência de corais no culto protestante reformado. Obra muitíssimo importante!

3º: ATEÍSMO REMIX – R. Albert Mohler Jr. (Fiel) 
Estamos assistindo o irrompimento de uma onda de ataques ao Teísmo de um modo geral, e, de modo mais específico, ao Cristianismo. Homens como Richard Dawkins, Daniel Dennet, Sam Harris e Christopher Hitchens (conhecidos como os “Quatro Cavaleiros do Apocalipse Ateísta”), tentam desacreditar a fé cristã atacando de forma violenta a existência de Deus, as Escrituras, a pessoa de Jesus Cristo e etc. Interessantemente, apesar de sua propaganda anti-religiosa, estes homens acabam empregando argumentos e termos religiosos para defenderem suas idéias. Em Ateísmo Remix, Albert Mohler, faz uma apresentação sucinta do que é o neo-ateísmo, suas alegações e suas inconsistências. O autor faz uma síntese das principais obras de cada um dos quatro estudiosos mencionados, familiarizando o leitor com o pensamento neo-ateísta. Obra relevante para aqueles que desejam defender a fé e encontrar argumentos interessantes contra as alegações céticas.

2º: MEDITA ESTAS COISAS – Richard Baxter (Knox Publicações)Richard Baxter foi um pastor puritano inglês do século XVII. Ele é imensamente conhecido por ser o autor de clássicos como O Pastor Aprovado e O Descanso Eterno dos Santos. Na obra Medita estas Coisas, Baxter faz uma exposição de alguns princípios essenciais para que alguém possa ter certeza acerca da genuinidade da sua conversão. Ele expõe três princípios: 1) ter um correto entendimento da natureza do Cristianismo e do Evangelho; 2) examinar as Escrituras todos os dias para confirmar aquilo que se ouve; e 3) refletir seriamente, em secreto com Deus, acerca das verdades aprendidas. Se todos aqueles que têm ojeriza ao termo “puritano” se dispusessem a ler uma obra como essa, veriam que suas convicções são apenas preconceitos malignos e prejudiciais... para eles mesmos!

1º: O PEREGRINO – John Bunyan (Martin Claret)
O melhor livro do ano de 2009 é o célebre O Peregrino, obra escrita pelo puritano John Bunyan, em 1678, quando estava em cadeias. Além disso, foi lida por Charles Spurgeon mais de cem vezes! Trata-se de um clássico universal, traduzido para quase todas as línguas, e no Ocidente apenas a Bíblia ultrapassa a sua popularidade. O livro é escrito em forma de uma alegoria, apresentando a viagem de um personagem chamado Cristão à Jerusalém Celestial. A associação dos acontecimentos vividos por Cristão com as verdades bíblicas acerca da caminhada cristã é impressionante. Todos aqueles que leem essa obra se veem como o personagem principal, pois suas experiências, talvez com uma pequena diferença de intensidade, são exatamente as mesmas. Os pontos altos do livro são: 1) a chegada de Cristão aos pés da Cruz; e 2) a travessia do rio “da morte”. É quase impossível ler tais passagens e não chorar!

Espero despertar nos leitores do Cristão Reformado o interesse em ler os livros aqui elencados. Acredito piamente que, nossa maior deficiência reside na falta do hábito da leitura. Acredito também que, a explicação de tanta debilidade nos púlpitos de hoje é a recusa de muitos líderes de se dedicarem ao estudo, tanto das Sagradas Escrituras quanto de outros livros!

Kyrie Eleison