A
discórdia insuperável entre arminianos e calvinistas diz respeito a dois pontos
sobre a redenção: sua eficácia e sua extensão. Uma redenção feita em favor de
todos que seja objetivamente eficaz, resultaria em universalismo, hipótese
rejeitada por ambos os grupos. Para evitá-lo, deve limitar a extensão da
expiação ou considerá-la como provida, mas não realizada na cruz. A questão
então é: Jesus realizou a redenção na cruz ou apenas a tornou possível? O
significado do termo redenção e seu uso no Novo Testamento nos dá uma boa pista
para resolver o dilema.
Em
português o termo redenção ocorre 11 vezes na versão Revista e Corrigida (Lc
2:38; 21:28; Rm 3:24; 8:23; 1Co 1:30; Ef 1:7; 1:14; 4:30; Cl 1:14; 1Tm 2:6; Hb
9:12). A Revista e Atualizada substitui “redenção” por “resgate” em Ef 1:14 e
1Tm 2:6. A NVI acrescenta à lista Lc 24:21 (onde a RC traz “remisse” e a RA
“redimisse” e também traz “resgate” em 1Tm 2:6. O Moderno Dicionário Michaelis
de Língua Portuguesa define redenção como sendo o “ato ou efeito de remir;
resgate”, acrescentando que na antiguidade referia-se a “esmolas que se davam
para remir os cativos”. Quanto ao termo resgate, diz que é tanto a “ação ou
efeito de resgatar” como “aquilo que se paga para libertar um cativo, um
prisioneiro, etc.”. Outras definições apresentadas são “pagamento de uma
dívida” e “o lugar onde, por dinheiro, se fazia a libertação de cativos ou
mercadorias”.
No Novo
Testamento, redenção é a tradução de dois termos gregos: lutrosis (Lc 2:38; Hb
9:15) e apolutrōsis (Lc 21:28; Rm 3:24; 8:23; 1Co 1:30; Ef 1:7; 1:14; 4:30; Cl
1:14; Hb 9:15). Fazem parte do grupo de palavras baseadas em lutron, que são
formadas especificamente para transmitir a ideia de pagamento de resgate. Sendo
assim, o significado básico de redenção é a libertação mediante pagamento.
Tanto o pagamento do resgate como a libertação de fato estão incluídos no
significado.
A
implicação desse conceito em nossa salvação é bastante forte. Jesus não nos
salvou pelo exercício de Seu poder. Não nos libertou pela Sua doutrina, nem
pelo Seu exemplo. Não nos reconciliou com Deus ignorando nossos pecados. Ele
satisfez plenamente a justiça de Deus, libertando-nos mediante o pagamento de
um resgate, a redenção em Seu sangue. Não resta dúvida, portanto, que o preço
do resgate foi plenamente pago por Jesus, não sendo cabível nenhum complemento
ao que ele realizou na cruz, tampouco sendo possível pensar que alguém por quem
Ele pagou tão alto preço quedará, ao final, sem ser libertado.
O Novo
Testamento declara que Jesus “pelo seu próprio sangue, entrou no Santo dos
Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção” (Hb 9:12). “Tendo obtido”
é um particípio aoristo, que expressa uma ação simples, sem indicar por si
mesmo o tempo da ação. Porém, quando encontra-se numa relação com o verbo
principal, o particípio aoristo indica uma ação anterior a ele. No caso, a ação
principal é “entrou no Santo dos Santos”. Quando Jesus entrou no Santíssimo
lugar, já havia realizado uma “eterna redenção”. Logo adiante, diz-se que
“intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira
aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados”
(Hb 9:15). Desta vez, os objetos da “eterna herança”, ou seja os beneficiários
da redenção são indicados: “aqueles que tem sido chamados”. No conjunto, Hb
9:12,15 afirma a redenção objetiva e realizada em favor de um grupo específico
de pessoas.
Ao
morrer na cruz, Jesus “se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção” (1Co 1:30), “no qual temos a redenção, pelo seu
sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça” (Ef 1:7). Escrevendo
aos Colossenses, Paulo assim se expressa a respeito do que Cristo realizou na
cruz: “tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava
de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o
na cruz” (Cl 2.14).
Mas
seria possível que o resgate fosse pago, mas a libertação não ocorresse? Se o
pagamento fosse feito ao Diabo, enganador e mentiroso desde o princípio, então
até se poderia esperar que ele recebesse o pagamento exigido e não libertasse a
vítima. Porém, o pagamento foi feito a Deus, que o recebeu de Seu Filho. Pensar
que uma só pessoa, por quem Cristo pagou todo preço devido e de quem Deus
recebeu o pagamento, venha a se perder, é ultrajante à justiça divina. Assim,
posto que ninguém em favor de quem Cristo morreu irá se perder, temos ou o
universalismo, ou a expiação limitada em sua extensão.
Soli Deo
Gloria