"O que absolve o ímpio, e o que condena
o justo, são ambos abomináveis ao Senhor". Provérbios 17.15
Introdução
A pena capital, ou pena de morte, é
um assunto atual. A sua validade tem sido discutida em todos os setores
da sociedade. À medida em que aumenta a incidência dos crimes violentos
observamos muitos movimentando-se para que a pena capital seja instaurada em
nosso sistema judiciário. [1] As revistas semanais
têm trazido reportagens constantes sobre a violência, relatando uma pressão
cada vez maior das pessoas para a aplicação de punições mais severas. Uma
dessas reportagens fala sobre a insegurança assustadora e relata: "Assassinatos
brutais, estupradores frios e estatísticas assombrosas transformam a violência
no maior temor do brasileiro". Indicando que o número de assassinatos
ocorrentes em nossa sociedade "são de uma guerra civil", a reportagem
mostra que o crescimento nos últimos 7 anos (97%) é espantoso. Atualmente, mais
de 50.000 pessoas são assassinadas por ano em nosso país. "É uma
estatística demoníaca", diz a revista. [2] Outra publicação, relata a
reinstalação da pena de morte nos Estados Unidos, em 1976, indicando as
discussões e estatísticas conflitantes existentes em relação à questão. [3] Já um ensaio publicado na
revista Veja, faz troça com os que oram e lêem as Escrituras todos os dias e
têm "Jesus sempre no coração", mas favorecem a pena de morte. [4]
Os evangélicos estão perplexos e divididos.
Sabem que a violência tem raízes no pecado. Reconhecem a necessidade de que
algo deve ser feito. Observam a lentidão e falta de resposta adequada da
justiça e o seu afastamento dos princípios bíblicos. Por outro lado, verificam
que muitos sentimentos dos que são a favor da pena de morte, na sociedade
secular, são incompatíveis com a postura do cristão. Avaliam que não existe
verdadeira "sede de justiça", mas um desejo baixo de vingança, ou de
causar um mal maior ao criminoso do que o que foi feito à vítima. Outros, estão
conscientes de suas obrigações na pregação do evangelho da vida, mas não
separam as extensas responsabilidades do governo, perante Deus, das nossas
obrigações individuais. Confundem a missão pessoal dos cristãos (de ir e pregar)
com as atividades do governo (reconhecer os que praticam o bem e punir os que
praticam o mal " Rm 13). Passam, portanto, a defender, para as
instituições, determinações bíblicas que foram prescritas para as pessoas, para
o indivíduo, não para os governos e governantes. Via de regra, extraem desse
dilema um entendimento que não é coerente com os princípios de justiça
estabelecidos por Deus para as nações, nem com o apreço e seriedade que as
Escrituras dão à vida humana. Assim fazendo, alinham-se, em sua grande maioria,
com os oponentes da pena capital.
A Posição de muitos Evangélicos
"Alicerçada na Palavra"?
Um documento da Associação Evangélica
Brasileira, de 1993, exemplifica a posição sobre a pena de morte que
normalmente encontramos no meio evangélico. A AEvB emitiu e distribuiu à nação
e aos cristãos esse "manifesto", contra um projeto que, na época,
tramitava na Câmara dos Deputados visando a instituição da pena de morte no
país. O "manifesto", escrito em linguagem persuasiva, mas sem conter
uma única citação das Escrituras, se propunha a indicar a visão cristã do
assunto, colocando-se frontalmente contra a pena de morte. Conclamava, ele, o
povo, os deputados [5] e a nação "à pena de
Vida", para que a "sociedade brasileira não precisasse cogitar
executar os seus filhos".
Algumas das reproduções desse
documento trazem a citação de João 10.10 "Eu vim para que tenham vida e a
tenham em abundância", [6] mas o manifesto em si, é
silente com relação a qualquer fundamentação de seus argumentos na Palavra de
Deus. As razões do "manifesto" contra a pena de morte, são: (1) A
pena já existiu e foi abolida no Brasil, em 1855, em função de erros
judiciários; (2) A pena de morte não resolve a causa da violência; (3)
Existem muitas desigualdades sociais no Brasil e muitos privilégios que
promovem injustiça; (4) Nossa sociedade tem muitos males próprios; (5) Os
evangélicos devem insistir na esperança, no perdão, na restauração da vida; (6)
Uma visão positiva da sociedade, sem injustiça e desigualdades sociais e com um
sistema penitenciário reformulado fará com que ela não tenha que "executar
seus filhos". No final do "manifesto", aqueles que forem a favor
da pena capital são rotulados de "os que decidem sobre a morte",
enquanto que os que são contrários, como a AEvB, são os que "se mobilizam
pela vida".
Se a persuasão ética e teológica do povo de
Deus fosse formada através da dialética e síntese de posições contraditórias;
se ela fosse um mero reflexo da posição da maioria " ou de organizações de
peso, como a OAB [7] " ; ou se fosse
meramente baseada em trocadilhos inteligentes; [8] não precisaríamos dar mais
um passo. A questão já estaria resolvida com o "manifesto" "
deveríamos todos fazer oposição fechada contra a pena capital. Ocorre que os
cristãos necessitam alicerçar suas convicções na Palavra de Deus. Não pode ser
a "voz corrente da sociedade" que vem ditar o nosso testemunho, nem o
fazer coro com uma visão humanista da vida que determina o que devemos ou não
acreditar.
Em 1996, após realizar algumas palestras
sobre a pena capital, fui procurado por uma jornalista da Revista Vinde, que
iria publicar um artigo sobre o tema. Durante a entrevista, pela condução das
perguntas, ficou clara a sua persuasão contra a pena de morte. Insensível aos
argumentos bíblicos que eu apresentava, ela retrucava: "...a maioria dos
países está deixando a aplicação da pena de morte..". Por mais veraz que
seja a constatação ela não é suficiente para estabelecer novos padrões de
justiça, nem para firmar uma posição evangélica sobre a questão. Certamente a
maioria dos países não abandona a pena de morte por estar abraçando a "lei
maior do amor", no sentido bíblico. Constatamos, também que a maioria dos
países abriga a pornografia, aceita cada vez mais o divórcio e a dissolução
familiar como normal, o casamento entre homossexuais, e por aí vai. Nada disso
significa que estas coisas sejam certas em si-elas foram erradas e continuam
erradas. Os evangélicos não podem firmar suas posições éticas com base nessas
argumentações.
A reportagem realmente refletiu as
pressuposições da repórter e da linha editorial da revista. Sob o título "A
pena de morte no Banco dos Réus", trazia o subtítulo: Discussão sobre
a adoção da sentença capital divide opiniões até entre os crentes. [9] Ela traz exemplos de
criminosos convertidos e declarações e argumentos não bíblicos, ou falaciosos,
de várias personalidades, tais como: Antônio Carlos Berenhauser, presidente da
Comissão dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro ("... a pena de morte
seria um retrocesso... ela não faz justiça); do pastor Martinho Monteiro, da
Assembléia de Deus ("... o criminoso deve pagar sendo útil à sociedade
" doando órgãos... a pena de morte é uma maneira muito rápida de se
resolver um problema"); da pastora Regina Célia, da Comunidade evangélica
Agápe ("... só Deus é o Senhor da vida e da morte..".); do deputado
federal, líder da bancada evangélica, Salatiel Carvalho ("... a vida
pertence a Deus e só ele pode tomá-la... a sentença capital não ajudaria a
diminuir os índices de criminalidade e nos países onde ela existe, não ocorreu
a redução esperada"); do diretor da Anistia Internacional no Brasil,
Carlos Idoeta ("... o homicídio estatal... desvaloriza a vida"). São
citadas apenas duas vozes a favor da pena de morte, no campo evangélico, e o
comentário, com relação às citações à favor: "... há quem discorde
deles". Estatísticas que pretendem demonstrar que a maioria dos países
rejeita a pena de morte, e alguns números, meio duvidosos, relatando uma
enormidade de execuções de "inocentes", nos Estados Unidos, completam
o quadro apresentado pela reportagem, refletindo o posicionamento evangélico,
contrário à pena capital.
Não obstante um eventual consenso da maioria,
muito mais importante do que o que a voz corrente do povo está propagando, é
irmos até a Palavra e verificarmos quais os padrões de Deus que nos são
ensinados e como aplicá-los aos nossos dias. Não podemos superar a sabedoria e
determinações de Deus. O que é requerido de nós é que nos acheguemos aos seus
preceitos, com contrição, humildade e predisposição de aceitá-los, mesmo que
estejam contra nossas convicções anteriores. Ele sabe o que é melhor para nós
e, em seu tempo determinado, nos dará toda paz de espírito e confiança em seus
caminhos.
A grande pergunta é, portanto, o que diz a
Bíblia sobre este tema? Qual deve ser a posição do servo de Deus, perante
este assunto? Gostaríamos de que o leitor caminhasse conosco, em oração, nessa
estrada do exame desapaixonado de pontos essenciais contidos na palavra de
Deus, sobre assu