Muitas referências atuais à Reforma do Século 16 distorcem o que realmente ocorreu naquela ocasião. Os livros de história contemporâneos, por exemplo, introjetam anacronicamente uma linguagem marxista ultrapassada para descrever os acontecimentos da época. Para esses autores, o que houve foi uma luta econômica da burguesia contra os senhores feudais. O trabalho de Calvino é apresentado como sendo uma valorização sócio-econômica de alguns, que seriam definidos como "os predestinados". Para outros, a revolta de Lutero foi uma questão meramente pessoal, contra os líderes da época; ou, no máximo, uma cruzada contra a corrupção. |
Não podemos compreender a Reforma assimilando esse revisionismo
histórico. A ação de Lutero foi uma revolta contra uma estrutura errada e uma
doutrina errada de uma igreja que distorcia a Salvação. Não foi um movimento
sociológico, apesar de ter tido consequências sociológicas. Lutero não
pretendia ensinar a salvação do homem pela reforma da sociedade, mas
compreendia que a sociedade era reformada pelas ações do homem resgatado por
Deus. Na realidade, a Reforma do Século XVI foi um grande reavivamento
espiritual, operado por Deus, que começou com a experiência pessoal de
conversão de Lutero.
Nunca é demais frisar que Lutero não formulou novas doutrinas, ou novas verdades, mas apenas redescobriu a Bíblia em sua pureza e singularidade. As 95 Teses, pregadas na porta da catedral de Wittenberg, em 31.10.1517, representam coragem, desprendimento e uma preocupação legítima com o estado decadente da igreja e com a procura dos verdadeiros ensinamentos da Palavra. É, portanto, um erro acharmos que a Reforma marca a aparição de várias doutrinas nunca dantes formuladas. A Palavra de Deus, cujas doutrinas estavam soterradas sob o entulho da tradição, é que foi resgatada.
Uma das características comuns das seitas é a apresentação de supostas verdades que nunca haviam sido compreendidas, até a aparição ou revelação destas a algum líder. Estas “verdades” passam a ser determinantes da interpretação das demais e ponto central dos ensinamentos empreendidos. A Reforma coloca-se em completa oposição a esta característica. Nenhum dos reformadores declarou ter “descoberto” qualquer verdade oculta, mas tão somente apresentou em toda singeleza os ensinamentos das Escrituras. Seus comentários e controvérsias versaram sempre sobre a clara exposição da Palavra de Deus, abstraindo dela os ensinamentos meramente humanos.
O grande escritor Martin Lloyd-Jones nos indica “que a maior lição que a
Reforma Protestante tem a nos ensinar é justamente que o segredo do sucesso, na
esfera da Igreja e das coisas do Espírito é olhar para trás” (Rememorando a
Reforma, p. 8). Lutero e Calvino, diz ele no mesmo local, “foram
descobrindo que estiveram redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e
que eles tinham esquecido”.
Assim, as mensagens proclamadas pela Reforma continuam sendo pertinentes aos nossos dias. Da mesma forma como a Palavra de Deus sempre é atual e representa a Sua vontade ao homem, em todas as ocasiões, a Reforma do Século 16, com a doutrina proclamada extraída e baseada nesta Palavra, transborda em atualidade à cena contemporânea da igreja evangélica, quando nela ocorrem tantas distorções e tantos ensinamentos meramente humanos. Celebremos os feitos de Deus na história e, neste 31 de outubro, vamos dar graças a ele por ter levantado homens valorosos que não tiveram receio de se colocar ao lado da Sua Palavra.
[Este artigo é de autoria do Solano Portela, que
está em Manaus, sem internet - publico aqui a pedido dele]