Apesar da Bíblia nos ensinar que Deus é imutável --
Ele é o mesmo hoje, ontem e para sempre -- não podemos perder de vista o fato
de que as Escrituras nos ensinam que Deus nem sempre age da mesma forma em
todas as épocas. Este é o problema com muitas pessoas. Elas pensam que Deus
deve agir hoje exatamente como agiu no período bíblico pois Ele é o mesmo,
sempre. Mas, será que a imutabilidade de Deus é uma espécie de promessa de que
ele sempre agirá da mesma forma na história dos homens?
Todos concordamos, por exemplo, que Deus é capaz de
criar outra vez mundos, sóis e estrelas; entretanto, segundo as Escrituras, ele
já cessou da sua obra de criação. Todos concordamos que Deus poderia hoje
criar mundos do nada exatamente como fez no princípio, mas nenhum de nós espera realmente
que ele faça isso e nem ora por isso. O fato de que nosso Deus é o mesmo hoje,
ontem e para sempre não significa que ele sempre terá de criar mundos. A
criação do mundo é um exemplo de uma manifestação sobrenatural do poder divino
que não se repete na História. Essa constatação é, no mínimo, um precedentepara
considerarmos a possibilidade de que Deus pode cessar de agir de determinadas
formas na história.
Há outros precedentes na Bíblia de atividades
sobrenaturais que cessaram. Um deles é o dos profetas do Antigo Testamento. O
Senhor Jesus afirmou que João foi o maior e último deles (Mt 11.13; Lc 16.16).
Os profetas do Antigo Testamento são encarados pelos escritores do Novo como um
grupo definido e fechado, freqüentemente referidos como “os profetas” (ver Mt
11.13; 23.29; 1Ts 2.15; Hb 11.32; Tg 5.10; 1Pe 1.10-12), cujos escritos são
mencionados ao lado da Lei, escrita por Moisés. O autor de Hebreus declara que
a atividade dos profetas do Antigo Testamento já havia cessado, fazendo parte
do modo antigo de Deus se revelar ao seu povo, sendo substituída por uma
revelação maior e mais excelente, que foi aquela através de Cristo (Hb 1.1-2).
Os profetas antigos são considerados, já no tempo do Novo Testamento, como
homens santos, inspirados por Deus, a quem foi revelado o mistério de Cristo,
revelação essa que ganhou forma escrita (2Pd 1.20-21).
Semelhantemente, não temos mais homens com os poderes concedidos aos apóstolos, os legítimos sucessores dos antigos profetas, de inspiração e infalibilidade, de realizar curas tão extraordinárias. O ofício apostólico, restrito aos Doze e à Paulo, cessou quando eles morreram. A igreja não nomeou ou elegeu outros apóstolos para substituir os que iam morrendo. E com os apóstolos parece haver cessado aqueles dons relacionados com o ofício apostólico, como por exemplo, o dom de curar.
Todos nós cremos que Deus poderia hoje levantar
pessoas assim, outra vez e inspirá-los de modo a escreverem de
forma inerrante a sua revelação ao povo, mas todos nós entendemos claramente
pelas próprias Escrituras que essa atividade sobrenatural cessou.
As Escrituras já estão completas. Não esperamos que hoje novas Escrituras sejam
produzidas. Assim, a inspiração dos profetas antigos – e semelhantemente, a dos
apóstolos – é mais um exemplo de atividade sobrenatural que ocorreu num
determinado período da história da salvação e que, havendo cumprido seu
propósito, encerrou-se. É mais um precedente em favor do que estamos
argumentando, que Deus não age sempre do mesmo modo.
Ninguém hoje espera mais que Deus chame uma pessoa
e lhe faça as mesmas promessas que fez a Abraão, de que o Salvador do mundo
nasceria de sua semente. Ninguém espera hoje que o Filho de Deus, outra vez, se
faça homem no ventre de uma virgem e que morra outra vez na cruz pelos pecados
do seu povo. Teoricamente, Deus, que é o mesmo ontem, hoje e para sempre,
poderia fazer todas estas coisas acontecerem outra vez, mas certamente não as
fará mais. Elas aconteceram de uma vez para sempre, cumprindo um propósito
único e definido na história da redenção.
Da mesma forma, Deus não parece estar disposto a
realizar, outra vez, os grandes milagres do passado, que se encontram
registrados no Antigo Testamento. Não esperamos como uma possibilidade, mesmo
que remota, que Deus hoje abra mares, à vista de todo um exército de
incrédulos, para seu povo passar, num momento de crise. É claro que elepoderia fazê-lo,
mas não temos qualquer garantia ou promessa que ele o fará. Ou ainda, esperamos
realmente que Deus hoje sustente um povo por 40 anos com pão do céu e água da
rocha e com sandálias que não se acabam no deserto? Ou que faça o sol parar no
firmamento por um dia inteiro? Ou levantar líderes dotados de força física
sobrenatural como Sansão? Não há nenhuma promessa de que Deus fará isso sempre
– ou, outra vez. E de fato, até onde sei, não há registro na História de que
esses fatos aconteceram outra vez. Tais eventos miraculosos foram realizados
num determinado período da História e com um propósito definido, que já se
concretizou. Não é uma questão de termos fé ou de orarmos por estas coisas. Deus
simplesmente não nos promete que as fará outra vez. Entretanto, ele permanece
sendo o Deus onipotente e Todo-Poderoso de sempre. Apenas, em sua sabedoria,
ele tem formas diferentes de agir em épocas diferentes.
Portanto, o argumento de que Deus hoje age
exatamente da mesma forma como agiu no período bíblico carece de fundamentação
exegética e ignora a evidência bíblica de que o Senhor age de acordo com um
plano, cujas etapas se completam dentro de períodos definidos da História.
Precisamos ter cuidado antes de dizer que tudo o que ocorria no culto das
igrejas do período apostólico deverá ocorrer hoje, se tão somente estivermos
abertos, buscando com fé. Não podemos deixar o propósito de Deus fora da
questão.