O Ensino
de Calvino sobre a causa dos males sociais - Por Pr J Miranda
Fundamental
para entendermos o pensamento de Calvino nesta área é termos em mente que para
ele as causas da pobreza, miséria e a opressão, bem como da perversão e da
corrupção da sociedade humana, estavam enraizadas na natureza decaída do homem,
que por sua vez, remonta-se à Queda no Éden. Este princípio é crucial no
entendimento de Calvino. Para ele, o pecado do homem havia trazido toda sorte
de transtorno à ordem social: Pela queda do homem foi demolida toda ordem
social, e em Adão tudo foi amaldiçoado por Deus, como está escrito em Romanos
8.20-23, onde Paulo afirma que a criação de Deus está em cativeiro imposto pelo
pecado do homem.
A queda
do homem introduziu perturbações profundas na sociedade humana, incluindo
distúrbios na vida conjugal e familiar. Para Calvino, o caos econômico é
causado pela ganância dos homens, e pela incredulidade de que Deus haverá de
nos suprir as necessidades básicas, conforme Cristo nos promete em Mateus 6.
Calvino
denuncia neste contexto pecados sociais como: estocagem de alimentos (trigo),
monopólios, e a especulação financeira, como tendo origem no egoísmo e na
avareza do homem. Ele denunciava aqueles que preferiam deixar deteriorar-se o
trigo em seus celeiros, para que ali fosse devorado por bichos, e apodrecesse,
ao invés de ser vendido, quando a necessidade do povo se fazia sentir.
Por
identificar biblicamente a raiz dos transtornos sociais, Calvino estava em
posição de elaborar uma solução que atingisse o problema em seus fundamentos.
O
Senhorio de Cristo
Um segundo
princípio que norteava a teologia social de Calvino era que o Cristo vivo e
exaltado é Senhor de todo o universo. Os milagres que Ele exerceu sobre a ordem
natural (acalmar a tempestade, por exemplo; ou tirar uma moeda da boca do
peixe) demonstram esta realidade, diz Calvino.
Portanto,
a obra de restauração realizada por Cristo não se limita apenas à nova vida
dada ao indivíduo, mas abrange a restauração de todo o universo – o que inclui
a ordem social e econômica. Desta forma, a atenção de Calvino como pastor e
mestre, se estendeu para além das questões individuais e “espirituais”. Se
Cristo era o Senhor de toda a existência humana, era dever da Igreja dar
atenção às questões sociais e políticas.
A
Restauração da Sociedade
Para
Calvino, a restauração inaugurada por Cristo ocorre inicialmente no seio da
Igreja. É na Igreja que a ordem primitiva da sociedade, tal qual Deus havia
estabelecido, tende a ser restaurada. Na Igreja, as diferenças exacerbadas
entre as classes sociais, econômicas e raciais, bem como os preconceitos delas
procedentes, desaparecem, pois Cristo de todos faz um único povo (Gl 3.28; Ef
2.14).
Não que
Calvino cresse na total abolição destas classes. Ele concebia a coexistência
harmônica entre a Igreja e instituições como o Estado, a sociedade e a família,
com as suas respectivas estruturas e funcionamento. É na Igreja, porém, que as
relações sociais de trabalho sofrem profundas alterações, ensina o reformador.
Os patrões continuam patrões, mas aprendem a exercer sua autoridade sem
opressão, ao passo que os empregados (que continuam empregados) aprendem a
serem subordinados sem recriminação. Na Igreja, diz Calvino, Jesus Cristo
estabelece entre os cristãos a justa redistribuição dos bens destinados a
todos. Isto se dava através da atividade diaconal, trazendo alívio para as
necessidades dos pobres e oprimidos, com recursos vindos dos ricos e abastados.
Devemos
nos lembrar aqui que na época de Calvino todos os cidadãos de Genebra faziam
parte da Igreja, e haviam, pelo menos teoricamente, abraçado o Evangelho.
Evidentemente que Calvino fazia distinção entre os verdadeiros cristãos e os
hipócritas. Mas em tese a Igreja em Genebra era tão extensa quanto os limites
da cidade e o número de seus cidadãos. Quando Calvino falava em restauração
social, ele tinha em mente uma sociedade civil governada por cristãos
reformados, que aplicassem os princípios bíblicos às questões sociais,
políticas e econômicas. Ou seja, um Estado que fosse orientado pela Igreja no
exercício de suas funções.
É também
importante notar que para Calvino a reforma da sociedade não é completa nem
perfeita, visto que os efeitos do pecado não são de todo eliminados na presente
época. É uma restauração parcial, portanto. Ela não consegue estabelecer
plenamente a justiça no mundo presente. Ao mesmo tempo, ela não abole
determinados aspectos da ordem social: permanece a hierarquia determinada por
Deus entre o homem e a mulher, o patrão e o empregado, os pais e seus filhos.
A plena
abolição dos distúrbios agora presentes da ordem social (as injustiças, a
opressão, a corrupção, por exemplo) só se efetuará plenamente no Reino de Deus,
no fim dos tempos, para o qual marcha toda a história dos homens e do universo.
Sua vinda será precedida por convulsões cósmicas. Então, Jesus Cristo
regressará em glória, e o príncipe deste mundo será aniquilado. Assim, será
então estabelecido o novo céu e a nova terra, onde habitam plenamente a justiça
(2 Pe 3.13; cf. Is 65.17; 66.22; Ap 21.1).
Dessa
forma, para Calvino, a Igreja é uma antecipação do reino de justiça a ser
introduzido por Cristo em sua vinda. Como tal, ela funciona no presente como
uma sociedade provisória, governada pelas leis de Cristo. Embora já refletindo
estes ideais, a Igreja ainda não o faz de forma perfeita, o que ocorrerá apenas
no fim dos tempos.
Fonte: teleologia dos reformadores.
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