sexta-feira, 31 de maio de 2013

Milagres Satânicos - R. C. Sproul



"... A questão continua: E os milagres de Satanás? A Bíblia não ensina que Satanás, o Grande Enganador, também pode realizar milagres? Observemos alguns dos textos relevantes da Bíblia que levantam esta questão:

Quando profeta ou sonhador de sonhos se levantar no meio de ti, e te der um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio, de que te houver falado, dizendo: Vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los; não ouvirás as palavras daquele profeta ou sonhador de sonhos; porquanto o Senhor vosso Deus vos prova, para saber se amais o Senhor vosso Deus com todo o vosso coração, e com toda a vossa alma (Dt 13.1-3).

Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade (Mt 7.22,23).

Então, se alguém vos disser: Eis que o Cristo está aqui, ou ali, não lhe deis crédito; porque surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos. Eis que eu vo-lo tenho predito. Portanto, se vos disserem: Eis que ele está no deserto, não saiais; eis que ele está no interior da casa, não acrediteis (Mt 24.23-26).

A esse cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder, e sinais e prodígios de mentira, e com todo o engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E por isso Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira; para que sejam julgados todos os que não creram na verdade, antes tiveram prazer na iniqüidade (2Ts 2.9-12).

Esta amostra de textos bíblicos chama a atenção para a sóbria admoestação acerca dos poderes e do engano de Satanás. Sua primeira aparição como serpente no Éden foi marcada pela malícia e astúcia, e ele continua a ser um adversário formidável para o povo de Deus. Como Lutero disse: “astuto e mui rebelde” e, uma vez que está unido ao “ânimo cruel”, ele se torna ainda mais perigoso. Satanás é tão habilidoso na arte de enganar que ele é capaz de nos aparecer sub species boni , ou sob os auspícios do bem. Ele pode se transformar em anjo de luz, e ele busca enganar até “os escolhidos” (Mt 24.24 e Mc 13.22).

As Escrituras retratam Satanás como um ser superior a nós. Ele é um ser angelical, embora seja um anjo caído. Como tal, estritamente falando, ele não é um ser sobrenatural. Ele pode ser superior ao que esperamos ver na “natureza” comum, mas ele ainda pertence à ordem natural no sentido de que ele é uma criatura e parte da ordem de criaturas da natureza. Ele não está no nível de Deus e não possui atributos divinos incomunicáveis. Ele é um ser espiritual, porém um espírito finito. Ele não é infinito, eterno, imutável, onisciente ou onipresente. Ele pode ter mais conhecimento do que temos e um poder maior, mas ele não tem o poder divino.

Quando a Bíblia fala de pretensos “milagres” de Satanás, suas obras são chamadas de “sinais e prodígios de mentira” (2Ts 2.9). A questão é a seguinte: o que quer dizer o termo mentira? Isto significa que Satanás pode realizar milagres verdadeiros em favor de uma causa mentirosa? Ou significa que os sinais e prodígios que ele realiza são mentiras na medida em que são truques fraudulentos e não milagres verdadeiros? Os teólogos se dividem nesta questão.

Alguns crêem que Satanás pode realizar milagres verdadeiros no sentido de que ele pode fazer obras que são contra naturam, e alegam que essas obras não são contra peccatum , ou “contra o pecado”. Esta distinção técnica tem o objetivo de mostrar que, embora Satanás possa agir contra a natureza, ele nunca pode, ou pelo menos não poderá, agir contra seus próprios propósitos do mal, que são “a favor do pecado” em vez de “contra o pecado” . O raciocínio é que uma casa dividida contra si mesma não permanece e Satanás nunca agirá contra seus próprios objetivos fazendo milagres. Seus milagres sempre são direcionados contra o bem e a verdade de Cristo. Sabemos, por defensores dessa opinião, que podemos discernir a diferença entre os milagres de Satanás e os milagres de Deus, sujeitando-os à prova da Escritura.
Esse argumento sofre de uma falácia fatal, a falácia do raciocínio circular. Antes de podermos testar os milagres de Satanás pelo contexto da Escritura, devemos, primeiro, ter uma Escritura pela qual testá-los. Lembramos que a Escritura é atestada pelos milagres realizados pelos agentes da revelação que certificam que são porta-vozes de Deus. Contudo, como sabemos que os milagres que os atestaram não foram satânicos? Talvez Nicodemos devesse ter corrigido sua afirmação para, “Bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus ou de Satanás; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele”. Na verdade, foi essa a acusação que os fariseus fizeram contra Jesus, que ele estava realizando milagres pelo poder de Satanás. Neste ponto, sua teologia foi inferior àquela de Nicodemos, que foi mais restritiva na sua visão de milagre.

O mesmo problema que encontramos com a questão dos milagres realizados por não-agentes da revelação está exagerado pelo problema dos milagres satânicos. Se Satanás pode realizar milagres verdadeiros, então o apelo bíblico aos milagres como certificação de que os operadores de milagres vêm de Deus é um apelo ilegítimo.

Penso que faz mais sentido concluir que a “mentira” que descreve os sinais e prodígios de Satanás não só descreve seu objetivo, mas seu caráter. Eles são sinais mentirosos por serem fraudulentos e falsos. Seus sinais se assemelham aos truques espantosos realizados pelos magos do Egito que buscavam ter os mesmos poderes de Moisés:

E o Senhor falou a Moisés e a Arão, dizendo: Quando Faraó vos falar, dizendo: Fazei por vós algum milagre; dirás a Arão: Toma a tua vara, e lança-a diante de Faraó, e se tornará em serpente. Então Moises e Arão entraram a Faraó, e fizeram assim como o Senhor ordenara; e lançou Arão e sua vara diante de Faraó, e diante dos seus servos, e tornou-se em serpente. E Faraó também chamou os sábios e encantadores e os magos do Egito fizeram também o mesmo com os seus encantamentos. Porque cada um lançou sua vara, e tornaram-se em serpentes; mas a vara de Arão tragou as varas deles (Êx 7.8-12).

Os magos do Egito não tinham mais mágicas do que os mágicos têm hoje. A diferença é que a maioria dos mágicos modernos no mundo ocidental realmente não declara fazer mágica, contudo, está muito disposta a se chamar de “ilusionista”, ou mestre do truque de mão. Existem muitas lojas de magia onde aqueles interessados nessa forma moderna de entretenimento podem aprender muitos truques da arte. Certa vez, tive um vizinho que era marceneiro. Sua especialidade era fazer gabinetes especiais para a realização de mágicas. Eles tinham mecanismos inteligentes de dobradiças, fundos falsos, painéis secretos e freqüentemente espelhos. Os mágicos de hoje não têm problemas para esconder um coelho em uma cartola ou mesmo uma cobra em um tubo desmontável. Quando Moisés e Arão realizaram seus milagres, os magos do Egito acharam que podiam fazer igual. Contudo, não só suas serpentes foram tragadas no processo, eles ficaram aflitos quando logo se esgotou seu saco de truques e não puderam realizar os feitos dos verdadeiros operadores de milagres.

Alguns dos truques realizados pelos mágicos modernos são verdadeiramente espantosos para aqueles que os assistem. A ironia é que, embora muitos deles exijam grande habilidade e anos de uma cuidadosa prática, alguns dos feitos mais magníficos que eles realizam são, ao mesmo tempo, alguns dos mais simples de se executar.

Lou Costello ganhava muito dinheiro em apostas quando mostrava uma pilha normal de cartas e pedia a um “trouxa” para selecionar qualquer carta do monte. Então, Lou lhe dizia que conhecia alguém em uma cidade distante que era um confiável telepata. Lou apostava que se o homem ligasse para o telepata e pedisse para falar com o mago, esse mago lhe contaria, por meio de telepatia, qual carta ele tinha selecionado. Quando o tolo fazia a aposta (como Jackie Gleason admitiu ter feito uma vez), ele discava o número e chamava o mago. O mago pedia que o homem pensasse na carta que tinha selecionado e, então, prontamente, lhe dizia a carta pelo telefone… Este truque funcionava todas as vezes.

Como Costello ou o mago faziam isso? Era um trambique simples. Costello tinha cinqüenta e dois “magos” espalhados por todo o país. Cada um era responsável por uma carta em particular. Costello memorizava o mago e seu número de telefone para todas as cinqüentas e duas cartas do monte. Quando o trouxa escolhia uma carta, Costello simplesmente lhe dava o nome do mago responsável pela carta em questão. Toda vez que aquela pessoa recebia um telefonema de alguém pedindo um mago, ela sabia qual era a carta que devia identificar.

Os truques de Satanás são bem mais sofisticados do que isso, contudo não deixam de ser truques. Seu ilusionismo pode exceder o de Houdini, mas de maneira alguma se aproxima do poder miraculoso de Deus, que sozinho pode tirar algo do nada e a vida da morte.

Os agentes de Satanás perderam a disputa com Moisés e Arão. Eles foram derrotados por Elias no monte Carmelo. E eles não foram páreo para Cristo no deserto ou durante seu ministério na terra. Satanás buscou induzir Jesus a usar seu verdadeiro poder miraculoso a serviço de Satanás, um poder que Satanás cobiçava. Simão, o mágico, buscou em vão comprar o poder do Espírito Santo (At 8.9).

A providência de Deus é servida pelo poder de Deus. Os milagres são parte do governo soberano de Deus sobre a criação e sobre a história. Sua Palavra é soberanamente autenticada por aquele poder que ele não está disposto a conceder aos poderes das trevas. Os truques de Satanás são expostos pela Palavra, cuja verdade foi confirmada e comprovada pelo testemunho miraculoso de Deus.

A Igreja atual enfrenta uma grave ameaça daqueles que querem reivindicar o poder e a autoridade apostólicos. Neste aspecto, o cristão deve estar sempre vigilante e fugir daqueles que têm tais pretensões."

Fonte: Extraído de A Mão Invisível – Todas as Coisas Realmente Cooperam para o Bem?, R.C. Sproul. 1ª Edição, Editora Bompastor, 2001. São Paulo, SP. 237-262.


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Vivendo "já" com vista ao "ainda não" - por Rev. Heber Carlos de Campos Junior.








O cenário brasileiro tem experimentado um influxo impressionante de livros que abordam o tema da cosmovisão. Simplificando um assunto bastante complexo, cosmovisão diz respeito a pressuposições que todo o ser humano possui (esteja ele consciente ou não) que residem em nosso mais interior (coração) formando assim uma orientação de vida, um comprometimento com verdades pelas quais você vive e morre. Trata-se de um conjunto de motivações, crenças, certezas, valores e ideais que formam o instrumento interpretativo da realidade, além de ser a base de nossas ações e decisões.

Devido à tradição reformada refletir sobre esse assunto há mais tempo do que qualquer outro segmento da cristandade (com nomes como James Orr, Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd, Francis Schaeffer, etc.), os autores modernos tratam de certos marcos históricos do cristianismo como fundamentos da cosmovisão reformada: criação, queda e redenção. Esse tripé tem sido uma das características mais comuns entre os livros que tratam de cosmovisão. Não que outros cristãos não afirmem tais acontecimentos na história da humanidade, mas são os reformados que costumam enfatizar com maior frequência a importância de considerar a praticidade desses eventos para o nosso dia a dia.

Esses pilares históricos não devem ser vistos como meros conceitos ou categorias intelectuais. Não se tratam de proposições atemporais. A cosmovisão é uma história, a história da humanidade, a nossa história. Esse elemento existencial não pode ser esquecido no estudo de cosmovisões. Sendo assim, é quando encarnamos as verdades dessa história, e vivemos conscientes dessa história, que nossa cosmovisão se coaduna com a revelação bíblica. Viver à luz da criação significa, por exemplo, relacionar-se com as pessoas mais complicadas à luz do fato de ainda serem imagem e semelhança de Deus. Viver à luz da queda implica em não nutrir sonhos utópicos resultantes do esforço humano para construir uma sociedade melhor. Viver à luz da redenção envolve a noção de uma redenção tão abrangente que afeta pessoas não só em sua espiritualidade, mas em todas as áreas de sua vida, inclusive o seu habitat.

Na área da redenção é que calvinistas têm o perigo de comunicar uma mensagem indevida. Se por um lado, atacam corretamente o pessimismo do mundo evangélico em não integrar a fé às várias áreas de nossa atuação secular, por outro lado, correm o risco de criarem uma falsa expectativa de nossa atuação no reino de Deus. Desde a célebre obra de H. Richard Niebuhr,Cristo e Cultura, os calvinistas têm sido descritos como possuindo uma visão transformacionista da cultura. De acordo com Niebuhr, os calvinistas não são essencialmente contra a cultura, nem a recebem indiscriminadamente, não colocam a fé em um patamar acima da vida comum, nem mantém a fé e a vida comum em constante tensão. Eles se colocam como agentes transformadores da cultura. Autores modernos têm perpetuado essa leitura de Niebuhr e falado da importância de uma fé holítisca no engajamento cultural. Os proponentes dessa visão falam de ir além de envolvimento cultural. [1] Os cristãos devem trazer os efeitos da obra redentora de Cristo para as várias esferas da vida.

Precisamos de cautela para não sermos nem pessimistas demais, nem otimistas demais. Aos cristãos cabe o redirecionamento da cultura numa direção redentiva que a restaure, o máximo possível, dos efeitos do pecado. Isto não significa que nossa postura é de "transformação", uma palavra otimista demais. Nossa atitude é de Reforma, participando dos movimentos de Deus em restaurar certas áreas da sociedade inclinada ao mal. Podemos ser instrumentos de Deus para frear a derrocada moral e espiritual como foram os reis de Judá que operaram Reforma após períodos de grande incredulidade e vileza (Ex: Asa, Ezequias, Josias). A Reforma Protestante do século 16, o Grande Despertamento na América colonial e Inglaterra do século 18, foram movimentos em que Deus freou a decadência de um povo e permitiu que certas áreas da sociedade fossem reformuladas segundo o padrão bíblico. A linguagem de Reforma impede que sejamos pessimistas quanto ao que Deus pode fazer neste mundo antes da segunda vinda de Jesus.

Todavia, para que não sejamos otimistas demais, faz-se necessário acrescentar ao tripé reformado um quarto pilar: o da consumação. Tal inclusão ajuda-nos a separar o "já" e o "ainda-não" da história da redenção. Isto é, a consumação é o completar da redenção, mas não é para esta vida e não é operada pela igreja. Se, por um lado, somos e devemos ser "sal da terra" (Mt 5.13) no sentido de contribuir para o retardamento da putrefação de nossa sociedade – esse aspecto está de acordo com a visão transformacionista –, por outro lado, a parábola do joio (Mt 13.24-30, 36-43) é uma demonstração de que a construção de uma sociedade com a consequente retirada do mal no mundo será uma realização de Deus por intermédio dos seus anjos (isto é, sem a participação do ser humano) e não ocorrerá nesta vida (como é o anseio de muitos seres humanos).

David VanDrunnen faz uma ressalva à visão transformacionista de representantes modernos como Henry R. Van Til (O Conceito Calvinista de Cultura), Cornelius Plantinga (O Crente no Mundo de Deus) e Albert M. Wolters (A Criação Restaurada). Ele chama atenção para um elemento preocupante da escatologia dos transformacionistas:

"Os autores transformacionistas tendem a colocar muita ênfase no caráter já manifesto do reino escatológico. Embora eles obviamente reconheçam que Cristo está voltando e que somente então é que todas as coisas serão perfeitamente restauradas, é curioso que a sua comum divisão tripartida da história em criação, queda, e redenção não inclua a quarta categoria de consumação. Lendo nas entrelinhas, eu sugiro que o relacionamento muito solto entre a transformação da cultura agora e a transformação final a ser realizada no retorno de Cristo contribua substancialmente para a ausência dessa quarta categoria... [Para eles] A obra de trazer a realização perfeita do reino escatológico na presente terra começa já nos esforços culturais do cristão aqui e agora. Consumação parece ser o clímax de um processo de redenção que já está a caminho ao invés de um evento único e radical na história." [2]

VanDrunnen acertadamente nos lembra do aspecto radical e único da consumação. Cristo não irá só completar o que começou. Ele irá mudar tudo radicalmente. Após o amor esfriar, a apostasia se alastrar, e este mundo ser permeado por um governo maligno, Deus irá eliminar todo o mal com fogo (2 Pe 3.10-13) e para o fogo (Ap 21.10) a fim de criar Novo Céu e Nova Terra.

A ênfase no envolvimento com a cultura, por parte dos transformacionistas, é positiva. Afinal, não fomos remidos para vivermos em um gueto cristão, nos relacionando somente com crentes, realizando tarefas eclesiásticas, criando uma cultura separatista. Porém, nós não fomos chamados para remir a cultura que, de acordo com a Escritura, tende a piorar devido à apostasia. Somos instrumentos para remir pessoas, isso sim. A mensagem de Paulo no Areópago não transformou a cultura de Atenas, mas alcançou pessoas. Só Deus, e isto na consumação, é que promoverá a extinção das culturas pecaminosas e a santificação dos costumes e do conhecimento humano. Só Deus conseguirá plena redenção da cultura.

Kevin DeYoung, avaliando a perspectiva missiológica da igreja moderna, afirma que o que "está faltando na maioria das conversas sobre o reino é alguma doutrina de conversão ou regeneração. O reino de Deus não é essencialmente uma nova ordem da sociedade. Isso era o que pensavam os judeus nos dias de Jesus... Creio que entendo o que as pessoas querem dizer quando falam sobre redimir a cultura ou ser parceiras de Deus na redenção do mundo, mas o fato é que precisamos encontrar outra palavra. A redenção já foi realizada na cruz. Não somos parceiros na redenção de nada. Somos chamados a servir, dar testemunho, proclamar, amar, fazer o bem a todos e embelezar o evangelho com boas obras, mas não somos parceiros de Deus na obra da redenção. De modo similar, não há um texto nas Escrituras que fale que os cristãos constroem o reino. Ao falar sobre o reino, o Novo Testamento usa verbos como entrar, buscar, anunciar, ver, receber, olhar e herdar... no Novo Testamento nunca somos aqueles que trazem o reino." [3]

Essa observação é muito perspicaz. O problema fundamental dessa tendência, de acordo com DeYoung, é que eles "estão repletos de 'já' e carentes de 'ainda não' em sua escatologia." [4]

Creio que o equilíbrio foi estabelecido pelo nosso Salvador nas parábolas do reino em Mateus 13. Se por um lado a parábola do joio nos apresenta uma redenção completada pelo Salvador sem a nossa participação, por outro lado temos as parábolas do grão de mostarda e do fermento (Mt 13.31-33) que falam do crescimento e da influência dos princípios do reino na sociedade. Não podemos ser extremados em nosso entendimento escatológico. Toda escatologia que enfatiza só o que Deus já fez, e está fazendo, produz uma cosmovisão ufanista demais. Toda escatologia que destaca o que Deus irá fazer na segunda vinda de seu Filho, sem levar em conta a redenção que se iniciou na primeira vinda, gera uma visão pessimista do crente no mundo. Precisamos de equilíbrio em nos sa cosmovisão. Precisamos viver o "já" com vistas ao "ainda não".

quarta-feira, 29 de maio de 2013

A família sob ataque - Por Rev. Hernandes Dias Lopes





A família brasileira está encurralada por crises medonhas. Há uma orquestração perversa contra essa vetusta instituição divina, com o propósito de solapar seus alicerces e desconstruir seus valores. Abordaremos, aqui, quatro forças poderosas que se voltam contra a família nos dias presentâneo.

1. A mídia televisiva. A televisão é ainda o mais poderoso instrumento de comunicação de massa em nossa nação. É considerada o quarto poder. A televisão brasileira é conhecida em todo o mundo pela sua descompostura moral. As telenovelas brasileiras são as mais imorais do mundo. Talvez nunhum fenômeno exerça mais influência sobre a família brasileira do que as telenovelas da Rede Globo. O argumento usado para essa prática é que a televisão apenas retrata a realidade. Ledo engano. A televisão induz a opinião pública. Ela não informa, mas deforma. Não esclarece, mas deturpa. Agora, de forma desavergonhada a televisão brasileira abraçou a causa homossexual com o propósito de induzir a sociedade a aceitar como opção legítima a relação homoafetiva. Não se trata de um esclarecimento ao povo sobre o referido assunto, mas uma indução tendenciosa. Os programas que tratam da matéria são feitos com a intenção de escarnecer dos valores morais que sempre regeram a família e exaltar a prática homossexual, que a Escritura chama de um erro, uma torpeza, uma abominação, uma disposição mental reprovável, uma paixão infame, algo contrário à natureza (Rm 1.24-28).

2. A Suprema Corte. A suprema corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, legitimou os direitos da relação homoafetiva. A nação brasileira já colocou o pé na estrada do relativismo moral, da absolutização do erro, do desbarrancamento da virtude, da conspiração irremediável contra a família. Os juízes de escol da nossa nação reconheceram como legal e moral a relação de um homem com um homem e de uma mulher com uma mulher. Precisaremos, portanto, redefinir o verbete casamento e criar um novo conceito para família. Estamos colocando os valores morais de ponta cabeça. Estamos desmoronando o que Deus edificou. Estamos nos insurgindo não apenas contra a família, mas contra o próprio Deus que instituiu o casamento e estabeleceu a família. Desta forma, julgamo-nos sábios, tornamo-nos loucos, pois ninguém pode desfazer o que Deus faz e ninguém pode insurgir-se contra Deus e prevalecer.

3. O Ministério da Educação. Com os recursos suados dos trabalhadores brasileiros que, com dignidade lutam para o progresso da nação, o ministério da educação está lançando um kit gay, para ser distribuído nas escolas públicas, cuja finalidade, mais uma vez, não é esclarecer crianças e adolescentes sobre a sexualidade, mas induzi-los à prática homossexual. Querem tirar das famílias o privilégio de orientar seus filhos. Querem domesticar a consciência das nossas crianças, induzindo-as a essa prática que avilta o ser humano, escarnece da família e afronta ao criador. É preciso tocar a trombeta aos ouvidos da sociedade, para repudiar essa iniciativa infeliz do ministério da educação, que em vez de sair em defesa da família, e promover a educação, lança sobre ela seus dardos mais mortíferos. Em virtude da pressão da bancada evangélica e não por dever de consciência, nestes últimos dias, a presidente mandou suspender o referido kit.

4. O Congresso Nacional. Está na pauta do congresso nacional um projeto de lei que visa criminalizar aqueles que se manifestarem contra a prática homossexual, contrariando, assim, a constituição federal, que nos faculta a liberdade de consciência e de expressão. Contrariando, outrossim, os preceitos da Palavra de Deus que, considera a relação homossexual como algo contrário à natureza e uma abominação para Deus (Lv 18.22; Rm 1.24-28; 1Co 6.9-11). Essa lei visa não apenas legitimar o ilegítimo, tornar moral o imoral, mas também, punir com os rigores da lei, aqueles que, por dever de consciência, não podem se curvar ao erro. Povo de Deus, não podemos nos calar diante dessas ameaças!

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segunda-feira, 27 de maio de 2013

O que fazer quando a Palavra não te impacta mais? Por David Murray





“O que você faz quando a pregação da Palavra não te impacta mais como antigamente?”

Essa é a pergunta que me foi feita recentemente por um jovem sincero que aparenta estar buscando honestamente ao Senhor.

Muitos de nós conseguem se identificar com essa questão por já terem estado nessa situação. Nos lembramos do impacto que os sermões tinham sobre nós no passado – impressões fortes, convicções intensas, ilustrações poderosas – mas agora, nos sentimos como estátuas frias e inanimadas enquanto escutamos aos mesmos pregadores pregando os mesmos sermões. O que deu errado? Isso pode variar para pessoas diferentes, mas deixe-me sugerir algumas possibilidades.

1. Cansaço

A principal causa para uma escuta improdutiva da Palavra é a fadiga e, até mesmo, a exaustão. Trabalhamos muito e por muito tempo durante a semana. Nos sentamos e nos aquietamos pela primeira vez no Domingo pela manhã e, surpresa, nossas pálpebras começam a pesar como chumbo e nossos corpos começam a escorregar no banco da igreja. Uma hora extra de sono a cada noite pode reviver nossas almas.

2. Distração 

Sábado à tarde e à noite são bons momentos para resolver pendências da semana e se preparar para a Segunda. Se não fazemos isso no sábado, estaremos fazendo pelo Domingo, mesmo que mentalmente, na igreja.

3. Indisciplina

Se nós não estamos lendo as nossas bíblias e orando de forma regular e disciplinada durante a semana, não podemos realmente esperar que estejamos espiritualmente sintonizados e sensíveis no domingo.

4. Pecado

Como pecados impenitentes formam uma barreira entre nós e Deus, precisamos nos certificar de que não há nada importante em nossas vidas bloqueando a bênção de Deus.

5. O pregador

Pode ser que o pregador esteja pregando uma série de sermões em um livro ou assunto que não se encaixa com as suas necessidades espirituais do momento. Apesar disso testar a nossa paciência, considerar o longo prazo pode mitigar nossa frustração. Não, você não precisa tanto dessas verdades/dessa série agora, mas pode guardar isso na sua mente e coração para quando precisar no futuro. Talvez nós possamos mortificar o nosso egoísmo orando: “Senhor, eu não estou absorvendo nada desse sermões mas estou grato por outros estarem e oro pela sua bênção sobre eles”.

6. Soberania

Deus pode estar testando a nossa fé ao nos deixar experimentar um período de frieza para com a Palavra. Nós andaremos pela fé até mesmo quando não há sentimentos nos ajudando no percurso? Nós escutaremos, confiaremos e obedeceremos mesmo quando não estamos sendo inspirados e movidos pela pregação?

7. Humildade

Deus também pode usar esses períodos para humilhar os nossos corações e nos mostrar quanta dureza ainda há em nós. “Estou ouvindo as mais belas verdades e isso me deixa frio como pedra. O pregador está derramando o seu coração nisso e eu nem posso ter certeza de que tenho um coração”. Essas experiências dolorosas revelam como ainda precisamos trabalhar a santificação dos nossos corações.

8. Encorajamento

O fato de estarmos incomodados com a nossa frieza espiritual é um sinal tranquilizador. Se estamos indiferentes sobre estarmos indiferentes, despreocupados com a nossa falta de preocupação, isso é, de fato, preocupante. Entretanto, o próprio fato de sentirmos e lamentarmos isso no mostra que Deus tem trabalhado em nossos corações. Podemos nos lembrar de quando olhávamos para a Palavra sem um mínimo de vida espiritual e isso não nos incomodava nem um pouco. Que isso nos incomoda agora e nos faz orar por uma transformação de coração revela um coração que já foi soberanamente transformado.

Traduzido por Kimberly Anastacio | iPródigo.com | Original aqui

domingo, 26 de maio de 2013

O que é sabedoria? Por André R. Fonseca





É muito comum confundirmos sabedoria com inteligência ou até mesmo com formação acadêmica. Uma pessoa muito estudiosa não é necessariamente sábia. Alguém pode tomar decisões erradas na vida ainda que seja muito inteligente. A sabedoria é própria dos anciãos, aqueles velhinhos que sabem viver bem a vida mesmo sem terem frequentado a escola, geralmente dizemos que foram educados pela escola da vida. Pensamos assim porque essa definição de sabedoria como o saber viver bem a vida é nossa herança da filosofia grega.

Quando olhamos para o emprego da palavra sabedoria no Novo Testamento, podemos notar claramente essa concepção grega de sabedoria como o saber viver em muitos versículos. Vejamos alguns deles: 

1. Cl 4:5 - "Andai em sabedoria para com os que estão de fora, usando bem cada oportunidade." (ARA) - "Sejam sábios na sua maneira de agir com os que não creem e aproveitem bem o tempo que passarem com eles." (NTLH) 

2. Tg 3:13 - "Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom procedimento as suas obras em mansidão de sabedoria." (ARA) - "Existe entre vocês alguém que seja sábio e inteligente? Pois então que prove isso pelo seu bom comportamento e pelas suas ações, praticadas com humildade e sabedoria." (NTLH) - Nos dois versículos subsequentes, Tiago afirma que amargo ciúme e sentimento faccioso é fruto de uma sabedoria terrena, animal e diabólica. O que ele chama de sabedoria nada tem que ver com inteligência, mas com o saber viver, com o comportamento das pessoas. 

3. Rm 16:19 - "Pois a vossa obediência é conhecida de todos. Comprazo-me, portanto, em vós; e quero que sejais sábios para o bem, mas simples para o mal." 

4. Ef 5:15 - "Portanto, vede diligentemente como andais, não como néscios, mas como sábios."

Precisamos também notar que a palavra sabedoria ganha um novo significado quando lemos o Antigo Testamento, porque a concepção de sabedoria para os Hebreus é bem diferente! Para eles, os judeus do Antigo Testamento, sabedoria significava saber fazer algum coisa. 

Quando Salomão pede a Deus sabedoria, ele quer de Deus o saber governar para ser um bom rei[1]. Quem aumenta a sabedoria aumenta o enfado[2], porque se sabedoria significa saber fazer alguma coisa, trabalharemos mais como consequência de saber fazer mais coisas. 

Agora que sabemos o que significa sabedoria no contexto bíblico, podemos confiantes pedir a Deus a sabedoria vinda do alto, e Ele não nos dá essa sabedoria por medida![3] Mas se carecemos de desenvolvimento intelectual ou alguma formação acadêmica, precisaremos pagar o preço dos estudos – investimento de tempo e dinheiro. Não tem outro jeito!

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A Idéia Bíblica de Santidade e Santificação – Louis Berkhof




1. NO ANTIGO TESTAMENTO. Na Escritura, a qualidade da santidade aplica-se primeira¬mente a Deus, e, aplicada a ele, sua idéia fundamental é a de inacessibilidade. Esta se baseia no fato de que Deus é divino e, portanto, absolutamente distinto das criaturas. Neste sentido, a santidade não é apenas um atributo em coordenação com os demais em Deus. Ele é santo em sua graça bem como em sua justiça, em seu amor bem como em sua ira. Estritamente falando, a santidade só vem a ser um atributo no sentido ético posterior da palavra. O sentido ético do termo desenvolveu-se do sentido de majestade.

Este desenvolvimento parte da idéia de que um ser pecador está mais agudamente cônscio da majestade de Deus, do que um ser sem pecado. O pecador fica ciente da sua impureza quando esta é contrastada com a majestosa pureza de Deus, cf. Is 6. Otto  fala da santidade no sentido original, como numinosa,  e se propõe denominar a reação típica a isto "sentimento de criaturidade, ou consciência de ser criatura", uma desvalorização do ego, reduzindo-o à nulidade, ao passo que fala da reação à santidade no sentido ético derivado como um "sentimento de profanidade". Assim é que se desenvolve a idéia da santidade como pureza majestosa ou sublimidade ética. Esta pureza é um princípio ativo em Deus, que necessariamente se afirma a si próprio e defende a sua honra. Isto explica o fato de que a santidade é apresentada na Escritura também como a luz da glória divina transformada num fogo devorador, Is 5.24; 10.17; 33.14,15.

Em contraste com a santidade de Deus, o homem se sente não meramente insignificante, mas positivamente impuro e pecaminoso, e, como tal, como objeto da ira de Deus. Deus revelou no Antigo Testamento a sua santidade de várias maneiras. Ele o fez com terríveis juízos sobre os inimigos de Israel, Ex 15.11,12. Também o fez separando para si um povo, que ele retirou do mundo, Êx 19.4-6; Ez 20.39-44. Tomando e retirando este povo do mundo impuro e ímpio, ele protestou contra esse mundo e seu pecado. Além disso, ele o fez repetidamente, poupando o seu povo infiel, porque não queria que o mundo não santo se regozijasse com aquilo que poderia considerar fracasso em sua obra, Os 11.9.

Num sentido derivado, a idéia de santidade também é aplicada a coisas e pessoas que são colocadas numa relação especial com Deus. A terra de Canaã, a cidade de Jerusalém, o monte-templo, o tabernáculo e o templo, os sábados e as festas solenes de Israel - todas estas coisas são chamadas santas, visto serem consagradas a Deus e introduzidas no resplendor da sua augusta santidade. Similarmente, os profetas, os levitas e os sacerdotes são chamados santos na qualidade de pessoas que foram separadas para o serviço especial do Senhor. Israel tinha os seus lugares sagrados, as suas épocas sagradas, os seus ritos sagrados e as suas pessoas sagradas. Contudo, esta ainda não é a idéia ética da santidade. Uma pessoa podia ser sagrada e, todavia, estar inteiramente vazia da graça de Deus em seu coração. Na antiga dispensação, como também na nova, a santidade ética resulta da influência renovadora e santificante do Espírito Santo. Deve-se lembrar, porém, que mesmo quando a concepção de santidade é completamente espiritualizada, sempre expressa uma relação. Nunca a idéia de santidade é a de bondade moral, considerada em si mesma, mas sempre é a idéia de bondade ética vista em relação com Deus.
2. NO NOVO TESTAMENTO. Ao passarmos do Antigo Testamento para o Novo, damo-nos conta de uma notável diferença. Enquanto no Antigo Testamento não há nem um só atributo de Deus que sequer lembre alguma semelhança com a proeminência dada a sua santidade, no Novo Testamento raramente se atribui santidade a Deus. Exceto nalgumas citações do Antigo Testamento, somente nos escritos de João a santidade é atribuída a Deus, Jo 17.11; lJo 2.20; Ap 6.10. Com toda a probabilidade, a explicação para isso está no fato de que a santidade, no Novo Testamento, projeta-se como a característica especial do Espírito Santo, por quem os crentes são santificados, são qualificados para o serviço e são conduzidos ao seu destino eterno, 2Ts 2.13; Tt 3.5.

A palavra hagios é empregada em conexão com o Espírito de Deus cerca de cem vezes. Contudo, a concepção de santidade e de santificação no Novo Testamento não é diferente da que se vê no Antigo Testamento. Tanto naquele como neste a santidade, num sentido derivado, é atribuída ao homem. Num e no outro a santidade ética não é mera retidão moral, e nunca a santificação é mero melhoramento moral. Há confusão destas duas coisas atualmente, quando falam em salvação pelo caráter. Um homem pode gabar-se de um grande melhoramento moral, e, todavia, não ter nenhuma experiência da santificação. A Bíblia não insiste no progresso moral puro e simples, mas no progresso moral em relação com Deus, em atenção a Deus e com vistas ao serviço de Deus. Ela insiste na santificação. Justamente neste ponto, muita pregação ética dos dias atuais é completamente enganosa; e o corretivo para isto está na apresentação da verdadeira doutrina da santificação. Pode-se definir a santificação como a graciosa e contínua operação do Espírito Santo pela qual ele liberta o pecador justificado da corrupção do pecado, renova toda a sua natureza à imagem de Deus, e o capacita a praticar boas obras.


quinta-feira, 23 de maio de 2013

Quero trazer à memória -Por Norma Braga





Há muito do velho paganismo em nós. Mesmo o mais racionalista dos seres pode manifestar uma ponta de irracionalismo quando, por exemplo, adia ad infinitum a visita ao dentista esperando inconfessadamente que o problema se resolva por si.

Mas, ao contrário do racionalista que às vezes se comporta de modo irracional, tenho uma personalidade naturalmente inclinada para o irracionalismo. Foi o que me levou a buscar Deus nos meios esotéricos, por exemplo, antes de me converter. Uma das manifestações mais dolorosas dessa inclinação é a presença de medos obscuros e inconfessáveis cuja irrealidade só é percebida com muito custo.

Cito alguns. Um pavor antigo, desde criança, era a possibilidade de ficar louca do nada, ou de bater a cabeça no chão em algum acidente e perder as faculdades mentais mais básicas. Derivava de uma pregação comum no esoterismo: a mente podia transformar os pensamentos em realidade. Uma vez convencido disso, tente dormir à noite enquanto seu cérebro fabrica os acontecimentos mais indesejados de sua vida.

Boa parte disso foi debelada com o trabalho do Espírito Santo em mim. Com poucos anos de conversão, pude identificar de imediato um inacreditável twist argumentativo em uma irmã que citou Jó para confirmar o ensinamento esotérico: “Aquilo que temo me sobrevém, e o que receio me acontece” (Jó 3.25) – um desabafo evidentemente descritivo. Se Deus não tivesse me transformado, sabe-se lá que tipo de síntese mística eu teria feito com o cristianismo.

Deus continua debelando em mim os medos mais tenazes. O processo de cura, como descobri, é exemplificado em Lamentações 3: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança” (Lm 3.21). Assim como o versículo de Jó, essa frase tem sido retirada de seu contexto para justificar uma esperança mundana, baseada na lembrança de “tempos melhores”. Mas relembrar o passado feliz em um contexto infeliz, além de nada garantir para o futuro, é uma verdadeira tortura autoinfligida. E pior: às vezes não há o que lembrar. Uma infância infeliz, uma cadeia de insucessos amorosos, o cotidiano de pobreza que atravessa gerações... Nesses casos, como o versículo se aplicaria? Percebe-se então que a ênfase do texto não pode estar nos fatos da vida. Mas onde estará?

Vejamos. Jeremias relembra o passado, mas um passado nada glorioso: “Eu sou o homem que viu a aflição pela vara do furor de Deus” (Lm 3.1), resume ele seus infortúnios. Todo o livro é uma grande lista de infortúnios, resultantes dos contínuos pecados do povo de Israel. Até que o versículo 21 do capítulo 3 inaugura a mudança de foco:

"Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se a a cada manhã. Grande é a tua fidelidade. A minha porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto, esperarei nele."

Onde Jeremias foi buscar esperança? Nenhum acontecimento pessoal é evocado, mas sim essa característica divina: o Deus de Israel é misericordioso. Caso haja arrependimento, Sua ira não dura para sempre. Jeremias sabia disso a partir do registro de tudo o que havia sido feito a seu povo até então. Hoje, também sabemos disso, primordialmente, pelo registro bíblico de tudo o que Deus fez nas vidas de Abraão, Moisés, Josué, Isaías, Paulo e de todos aqueles que, tendo sido alvo da grande misericórdia do Senhor, andaram com Ele. Assim como somos “enxertados” na família da fé (Rm 11), também ocorre conosco essa apropriação da vivência de outros: todo novo cristão, inicialmente sem referenciais para pensar e enxergar Deus, apropria-se das maravilhas do passado e as integra a seu horizonte. Quando não há lembrança pessoal dos feitos de Deus, a fé inaugura o processo e a Palavra entra como experiência adquirida.

Nova convertida, eu não tinha acesso à experiência direta com a cura divina de meus temores. Foi trazendo à memória o caráter de Deus, com o poder do Espírito Santo, que meu coração foi orientado para a segurança da onipotência do Pai sempre que pseudoverdades, tais como a do pensamento mágico e do poder da mente, ameaçavam me submergir. Em um processo longo, que durou anos (e ainda continua em alguma medida), grandes medos foram vencidos com a lembrança – em meio a grande choro e oração – de que toda a realidade está nas mãos dele. Diante de pecados recém-descobertos, é a partir da experiência adquirida biblicamente que precisamos clamar: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança.” Não algum ponto de nosso passado, que no caso sequer existe, mas o foco no contínuo educar da mente para pensar toda a realidade – inclusive a realidade mais apavorante dos medos obscuros – segundo os conteúdos expressos em Sua Palavra: o que pode – é capaz – de nos dar esperança é o maravilhoso caráter de nosso Deus, atestado nos relatos de nossa fé e posteriormente, se o provamos (Sl 34.8), na nossa vida.

Racionalista ou irracionalista, sejam quais forem os males que o assediam, você deve se apropriar conscientemente dessa Palavra que agora, por causa do nosso enxerto na família de Deus, pertence-nos por completo, como parte da própria seiva que nos alimenta como galhos enxertados. Se não o fizer, sua esperança será puro saudosismo, sem apoio consistente algum.

Oro para que você faça isso, aplicando-a contra todos os seus pecados e em todas as suas aflições.