quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Aprendo com Lutero que a oração é uma linda aventura! ( I )


(Do 1º ao 5º Mandamento)
Lutero: Sempre oro sobre os Dez Mandamentos. Pego um ponto depois do outro, para que fique inteiramente livre para a oração (o quanto isso for possível), fazendo de cada mandamento um quádruplo, ou uma coroa torcida quatro vezes, ou seja: Tomo cada mandamento primeiro como um ensinamento, como ele na realidade o é em si mesmo, e reflito o que nosso Senhor Deus nele exige de mim com tanta seriedade; por outro, faço dele uma ação de graça; em terceiro lugar, uma confissão, e em quarto, uma oração, a saber, da seguinte maneira, com pensamentos e palavras deste tipo:
O Primeiro mandamento:
“Eu sou o Senhor teu Deus”, etc. “Não terás outros deuses além de mim”, etc.
Aqui penso em primeiro lugar que Deus exige de mim e me ensina a confiar nele de coração em todas as coisas, e que ele, muito seriamente, deseja ser meu Deus. E como tal devo considerá-lo, sob pena de perder a eterna bem-aventurança. E meu coração em nada mais deve basear-se ou confiar, seja em algum bem, honra, sabedoria, poder, santidade ou qualquer criatura.
Em segundo lugar, sou grato à sua insondável misericórdia, por se voltar tão paternalmente para mim, homem perdido, oferecendo-se a si mesmo sem ser solicitado nem procurado e sem qualquer merecimento meu, para ser meu Deus, aceitar-me, e por querer ele ser meu consolo, proteção, auxilio e força em todas as aflições. Isso que nós pobres e cegos seres humanos temos procurado diversos deuses e ainda os procuraríamos, caso ele mesmo não se fizesse ouvir de forma tão manifesta e se nos não oferecesse em nossa linguagem humana, querendo ser nosso Deus. Quem, por tudo isso, lhe pode agradecer o bastante para sempre e eternamente?
Em terceiro lugar, confesso e professo meu grande pecado e ingratidão, de ter desprezado, de maneira tão vergonhosa, doutrina tão bela e dádiva tão valiosa por toda minha vida, e de ter provocado sua ira de forma tão horrível com inúmeras idolatrias; isso me dói e peço misericórdia. Em quarto lugar, peço e falo: Deus meu e Senhor, ajuda-me por tua graça que eu, a cada dia, consiga aprender e compreender melhor este teu mandamento e possa em confiança sincera, agir de acordo. Protege meu coração, para que não me torne tão esquecido e ingrato, não procure outros deuses nem consolo em quaisquer criaturas, mas permaneça de todo o coração unicamente contigo, meu único Senhor. Amém, querido Senhor Deus e Pai, amém.
O segundo mandamento:
“Não abusarás do nome do Senhor teu Deus”, etc.
Primeiro aprendo daí que devo manter glorioso, santo e belo o nome de Deus, e, por meio dele, não jurar, imprecar, mentir; não ser presunçoso nem procurar a própria dignidade ou nome, mas, em humildade invocar, adorar, exaltar e glorificar o seu nome. E deixo que toda minha honra e glória esteja no fato de ele ser meu Deus e de eu ser sua pobre criatura e servo indigno.
Por outro lado, agradeço pela dádiva maravilhosa que ele me concedeu: De me ter revelado e concedido seu nome; de eu poder me gabar do seu nome e me deixar chamar de servo e criatura de Deus, etc.; e de seu nome ser meu refúgio como um castelo forte (conforme diz Salomão), no qual o justo se refugia e é protegido (Provérbios 18.10).
Em terceiro lugar, confesso e professo meu vergonhoso e grave pecado que cometi contra este mandamento em minha vida: Não só deixei de invocar, de exaltar e de glorificar o seu santo nome, mas também me mostrei ingrato por essa dádiva, dela abusando para toda sorte de infâmia e pecado, jurando, mentindo, enganando, etc. Disso me arrependo e imploro misericórdia e perdão, etc.
Em quarto lugar, suplico auxílio e força, para doravante poder aprender bem esse mandamento. Peço que me guarde dessa vergonhosa ingratidão, o abuso e pecado contra seu nome, e, ao invés, seja achado agradecido e no devido temor e glorificação de seu nome. E como disse acima com referência ao pai-nosso, da mesma forma recomendo mais uma vez: Caso o Espírito Santo intervier nesses pensamentos e começar a pregar em eu coração com ricos e iluminados pensamentos, dê-lhe a honra, então, e deixe de lado esses pensamentos preconcebidos; fique quieto e escute aquele que o sabe fazer melhor do que você; e o que ele pregar, isso grave e tome nota. E haverá de contemplar maravilhas na lei de Deus (como diz Davi, Salmo 119.18).
O terceiro mandamento:
“Lembra-te de santificar o dia de descanso”
Aqui tomo conhecimento, em primeiro lugar, de que o dia de descanso é uma lei, destinado não para o ócio nem para o prazer carnal, mas para ser por nós santificado. Mas não é por nossa obra e atuação que ele é santificado; porque nossas obras não são santas; é santificado pela palavra de Deus, pois só ela é pura e santa, e santifica a tudo que com ela está em contato, seja tempo, lugar, pessoa, trabalho, descanso, etc. Pois através da palavra também as nossas obras se tornam santas, conforme diz S. Paulo em 1 Timóteo 4.4s: Toda criatura é santificada através da palavra e da oração.

Por esse motivo vejo nisso que no dia de descanso eu devo, em primeiro lugar, ouvir e refletir sobre a palavra de Deus, e na mesma palavra então agradecer e louvar a Deus por todas as suas bênçãos, bem como orar por mim e por todo mundo. Quem assim procede no dia de descanso, esse o santifica. Quem não o faz, age pior do que aqueles que nele trabalham.
Em segundo lugar, agradeço nesse mandamento pela grande e bela bênção e graça de Deus de nos ter concedido sua palavra e pregação, mandando-nos praticá-las em especial no dia de descanso. Esse tesouro, não há coração humano que o possa valorizar o bastante, pois sua palavra é a única luz nas trevas desta vida, e é uma palavra da vida, de consolo e de toda bem-aventurança. E onde não estiver presente a querida e salutar palavra, ali há só terrível e assustadora escuridão, engano, sectarismo, morte, toda sorte de infelicidade e tirania do diabo, como todos os dias vemos diante dos nossos olhos.
Em terceiro lugar, confesso e professo meu grande pecado e vergonhosa ingratidão de ter passado os dias de descanso de forma tão infame em minha vida, desprezando de maneira tão lastimável sua palavra cara e preciosa; de ter sido preguiçoso, indisposto e enfastiado de ouvi-la, isto para não falar de que jamais a procurei de coração nem por ela agradeci. Deixei, portanto, que meu Deus em vão pregasse para mim e desprezei o tesouro precioso, pisando-o com os pés. E ele o tolerou de minha parte por exclusiva bondade divina, e nem por isso deixou de continuar a pregar para mim e de me chamar para a bem-aventurança de minha alma, com todo amor e toda a fidelidade paterna e divina; por isso lamento e peço misericórdia e perdão.
Em quarto lugar, rogo por mim e por todo mundo que o Pai amado nos queira conservar junto à sua santa palavra, não a tire de nós por causa do nosso pecado, de nossa ingratidão e negligência; queira ele proteger-nos contra espíritos sectários e falsos mestres, e nos enviar bons e fiéis obreiros para a sua seara, isto é, pastores e pregadores leais e devotos; ele também nos dê a graça de, em humildade, ouvirmos, aceitarmos e fazermos jus a essa palavra que é sua própria palavra, e de agradecermos e louvarmos de coração por isso; e assim por diante.

O quarto mandamento:
“Honrarás a teu pai e tua mãe”
Primeiramente, aprendo aqui a reconhecer em Deus o meu Criador e como me criou de forma tão maravilhosa com corpo e alma; que dos meus pais me deu a vida, e lhes deu o coração de me servirem como fruto do seu corpo na medida em que lhes foi possível, que me alimentaram, conservaram, cuidaram e educaram com muito zelo, preocupação, risco, esforço e trabalho. E até este momento ele me guardou e muitas vezes também ajudou como sua criatura, em corpo e alma, contra inúmeros perigos e dificuldades, como se a cada momento me criasse de novo. Pois o diabo nem por um momento sequer deixa de nos invejar a vida.
Por outro lado, agradeço ao rico e bondoso Criador, por mim e todo o mundo, por ter, com esse mandamento, instituído e preservado o crescimento e a conservação do gênero humano — a vida familiar e a vida pública. Pois sem essas duas instituições ou regimes o mundo não poderia persistir nem por um ano, porque sem o regime secular não há paz; e onde não há paz, não pode haver vida familiar; onde não há vida familiar, não podem ser gerados nem educados filhos, e paternidade e maternidade teriam que acabar completamente. Mas para isso está aí esse mandamento, mantendo e guardando a ambos, vida familiar e vida política, determinando obediência para filhos e súditos, cuidando também para que ela realmente seja prestada. Ou então, onde isso não acontecer, ele não o deixa impune. Caso contrário, os filhos há muito que teriam solapado toda a vida familiar com sua desobediência, e os súditos teriam acabado com a vida política através de tumultos, porque seu número é muito maior que o de pais e regentes. Por essa razão também essa bênção é inestimável.
Em terceiro lugar, confesso e professo minha lastimável desobediência e pecado pelo fato de ter infringido esse mandamento do meu Deus: Não honrei meus pais, nem fui obediente; indignei e ofendi-os com freqüência; aceitei seu castigo paternal com impaciência e resmunguei contra eles; desconsiderei sua leal admoestação, preferindo o convívio irresponsável de malandros perversos. Isto que Deus mesmo não permite que esses filhos desobedientes escapem e tenham vida longa, como, pois, muitos há que por causa disso morrem e sucumbem de modo vergonhoso antes de alcançarem idade adulta. Pois quem não obedece a pai e mãe, tem que obedecer ao carrasco ou senão perder cruelmente sua vida pela ira de Deus, etc. Por tudo isto lamento e peço misericórdia e perdão.
Em quarto lugar, rogo por mim e por todo mundo que Deus nos queira conceder sua graça e derramar ricamente sua bênção sobre a vida familiar e vida política; que doravante nos tornemos devotos, honremos os pais, sejamos obedientes às autoridades, resistamos ao diabo e não sigamos sua incitação à desobediência e tumulto; que, portanto, ajudemos ativamente a melhorar o lar e o país, e manter a paz, em honra e louvor a Deus, para o nosso próprio proveito e todo bem; e que reconheçamos essas suas dádivas e sejamos gratos por elas. Aqui deve acompanhar também a intercessão pelos pais e autoridades: Que Deus lhes conceda entendimento e sabedoria de nos liderarem e governarem de forma pacífica e venturosa. Ele os guarde da tirania, de excessos e de fúrias desenfreadas. Que os livre disso, para que honrem a palavra de Deus, não provoquem perseguições nem causem injustiça a alguém, porque essas dádivas elevadas se têm que alcançar através da oração, como o ensina S. Paulo em Colossenses 4.2. Senão o diabo acaba tomando conta e atua de modo perverso e desenfreado.
E se você também for pai ou mãe, então agora é a ocasião de não se esquecer de si mesmo, nem dos seus filhos e da sua criadagem. Peça com seriedade que o querido Pai o colocou na dignidade do seu nome e ofício e quer que você também seja chamado e honrado como pai. Peça-lhe, pois, com seriedade que lhe conceda a graça e a bênção de dirigir e alimentar sua mulher, seus filhos e sua criadagem de forma divina e cristã; que lhe dê sabedoria e força de bem educá-los; e a eles, um bom coração e boa vontade de seguirem seus ensinamentos e de lhe obedecerem. Pois tanto as próprias crianças como o seu desenvolvimento são dádivas divinas, tanto que saiam bem e permaneçam bem. Caso contrário um lar nada será senão um chiqueiro, sim, uma escola de malandros, como se observa entre a gente ímpia e devassa.

O quinto mandamento:
“Não matarás”
Aqui aprendo, em primeiro lugar, que Deus deseja de mim que eu ame meu próximo, de forma que não lhe cause nenhum dano em seu corpo, seja em palavras, seja em atos; não me vingue nem o prejudique com minha raiva, impaciência, inveja, ódio ou qualquer malevolência, mas saiba que tenho a obrigação de ajudá-lo e dar-lhe conselho adequado em todas as suas necessidades físicas. Pois com esse mandamento Deus me incumbiu da guarda do corpo do meu próximo, e determinou, por sua vez, a meu próximo que guarde o meu corpo, como fala Siraque: A cada um de nós ele confiou o seu próximo.
Por outro lado, agradeço aqui por este indizível amor, providência e fidelidade para comigo: por ter levantado esta tão grande e forte guarda e muralha ao redor do meu corpo, fazendo com que todas as pessoas tenham a obrigação de me poupar e me proteger, assim como também eu tenho esta mesma obrigação para com todas as demais pessoas. Ele também cuida de sua observância, e onde ela não se realiza, Deus estabeleceu a espada para castigo daqueles que não o cumprem. Caso contrário, não existisse esse seu mandamento e instituição, o diabo haveria de perpetrar tamanho morticínio entre nós pessoas humanas, que ninguém poderia viver em segurança por uma hora sequer, como de fato acontece quando Deus se indigna e pune o mundo desobediente e ingrato.
Em terceiro lugar, confesso e lastimo aqui a maldade minha e do mundo: Não só a terrível ingratidão por este seu paternal amor e cuidado para conosco, mas — e isto é o mais vergonhoso — o fato de não conhecermos tal mandamento e ensino, tampouco dele querermos tomar conhecimento; desprezamo-lo, como se nada tivesse a ver conosco ou como se dele nenhum proveito pudéssemos ter. E ainda andamos despreocupados, e nem sequer deixamos que nossa consciência se impressione com o fato de, à revelia deste mandamento, desprezarmos, abandonarmos, sim, perseguirmos e lesarmos o nosso próximo, ou até o matarmos em nosso coração, agindo conforme a nossa ira, raiva e toda maldade, como se estivéssemos agindo bem e corretamente.
A verdade é que está na hora da lamentação e do clamor sobre nós facínoras malvados e gente cega, selvagem e má, que nos pisamos, batemos, esfolamos, mutilamos, mordemos e devoramos mutuamente como animais enfurecidos, e não nos deixamos intimidar o mínimo por esse sério mandamento de Deus; e assim por diante.
Em quarto lugar, peço que o Pai amado nos queira ensinar a reconhecer esse seu santo mandamento e ajudar com que também procedamos e vivamos de acordo: Que nos proteja a todos daquele homicida que é o mestre e exemplo de todo morticínio e dano (João 8.44). Que conceda sua graça abundante para que as pessoas (e nós com elas) sejam amáveis, mansas e bondosas entre si, perdoem-se sinceramente e cada um suporte a falha e defeito do outro de forma cristã e fraternal. E assim vivam em boa paz e união, como no-lo ensina e de nós exige esse mandamento.