segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A Oração e o Retrato do Caráter - Por Ricardo Barbosa de Sousa



A Oração e o Retrato do Caráter Ricardo Barbosa de Sousa Tenho visto, com muita freqüência, crentes orando por vagas em estacionamento, de preferência uma bem em frente à loja que precisam ir, ou clamando fervorosamente para que não chova no dia do casamento ou aniversário planejado para acontecer num espaço aberto. Ouço pais pedindo oração para que Deus dê uma força para que o filho que nunca foi de estudar muito passe no vestibular ou num concurso público; ouço também crentes expressando sua gratidão a Deus por terem conseguido furar uma fila, ou vender um carro batido sem que o comprador percebesse. Orações assim são comuns em nossas igrejas. Contudo, quando reconhecemos que a oração é um meio de relacionamento, ela nos oferece um duplo retrato: de Deus e de quem ora. A oração tem um papel importante no relacionamento entre o homem e Deus, pintando tanto o caráter humano como o divino. O que falamos para Deus (súplica, gratidão, louvor, desejos e situações da vida) revelam nossas motivações, nossa moral e nosso caráter. Da mesma forma, algumas afirmações que fazemos sobre Deus na oração (amoroso, justo, misericordioso, soberano) revelam convicções sobre a natureza divina. Nem sempre nossa compreensão sobre quem é Deus revela a verdadeira natureza divina. Por exemplo, Deus se revela como um Deus justo e reto e nós o experimentamos como um Deus caprichoso e vingativo; Deus se revela como um Deus sempre presente mesmo em meio ao sofrimento, e nós o experimentamos como um Deus ausente ou distante. O retrato que fazemos de Deus certamente não é mais importante do que o retrato que Deus faz de si mesmo. A percepção humana de Deus precisa sempre ser corrigida e transformada pela auto-revelação de Deus nas Escrituras. E nossas orações quase sempre revelam também a natureza de nosso caráter. Por isso a oração é não apenas um meio de relacionamento, mas também um caminho de transformação. Elias foi reconhecido como um homem de Deus e Ezequias, como um rei fiel. O caráter de ambos foi afirmado pela oração e pela confiança em Deus em momentos de crise. Em cada caso, suas orações foram apresentadas de acordo com a situação vivida, e deram uma definição do caráter deles. Eles oravam da forma como agiam, seus atos não contradiziam suas palavras. Da mesma forma, as orações de Paulo que encontramos em suas cartas, também revelam seu caráter e sua teologia. Basta um olhar atencioso para vermos em Paulo um coração pastoral, comunitário, resignado e entregue a Deus e ao seu povo, bem como um Deus que é o Soberano Senhor, que se revela a nós por meio do seu Filho e que voltará em glória e majestade. A oração pinta um retrato de Deus e de quem ora. Se prestarmos atenção na forma e conteúdo da oração, seja aquela que fazemos na igreja, publicamente ou em grupo, ou a que fazemos sozinhos no quarto, teremos um retrato muito fiel e real da igreja, nosso e daquilo que pensamos sobre Deus e sobre seu propósito para a igreja e o mundo. Provavelmente os pais que oram para que Deus dê uma mãozinha para que o filho preguiçoso passe no vestibular negam em suas orações o caráter justo de Deus, e se revelam também como pessoas que pouco se importam com a justiça. Tornam-se capazes de atribuir a Deus a “bênção” de um negócio ilícito. E orações suplicando a Deus para que não chova apenas para não estragar a festa ou o penteado, as férias na praia ou o churrasco no sábado, revelam o caráter egoísta de quem ora e a concepção de um Deus que não passa de um mágico cósmico. Se queremos saber quem somos, o que pensamos sobre Deus, quais são nossas motivações primárias e a raiz do nosso caráter, basta um olhar honesto para a nossa vida de oração, que revela tanto a teologia como a antropologia. Porém, a oração não apenas revela as distorções antropológicas e teológicas, mas também é a forma e o caminho para corrigir essas distorções. Pior do que orar errado é não orar. Enquanto permanecemos orando, temos a chance de ver nossa compreensão de Deus e de nós mesmos sendo transformadas. Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração. Fonte: Revista Ultimato, Edição 304, Janeiro-Fevereiro 2007.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Deus não é o autor do pecado - Wilhemus à Brakel


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Esta ideia pode nos ocorrer como consequência de que tal cooperação [Deus e homem] se daria na seguinte forma: há apenas uma causa para todos os movimentos e atividades. Sendo assim, Deus seria o único agente ativo, ao passo que o homem e todas as demais criaturas seriam inteiramente passivas, sendo colocados em movimento como as cordas de um instrumento musical, que são inteiramente passivas e cujo movimento é causado somente pelo músico.

Minha resposta a isto é: “De modo nenhum!” Pois ainda que as criaturas atuem como meios em relação umas às outras, quando Deus as utiliza na execução de Sua obra e propósitos, não obstante elas são a causa primária de seus movimentos e atividades. Isso não quer dizer que, com relação a Deus, fossem independentes dEle, mas, sim, com relação a outras causas subordinadas, bem como às consequências de suas atividades. Não há inconsistência no fato de que duas causas de uma ordem diferente possuem o mesmo resultado, especialmente visto que o resultado é o mesmo, procedendo de ambas as fontes de um modo diferente.

A designação de Deus como a única causa de todos os movimentos, fatos e atividades, e a proposição de que o homem é consequentemente passivo e inativo é o resultado da cegueira e ignorância concernente ao poder e sabedoria de Deus. É um erro refutado tanto pelas Escrituras quanto pela natureza.

Primeiro, uma vez que Deus impôs uma lei sobre o homem, a qual apresenta tanto promessas quanto ameaças, o homem não é, portanto, passivo, mas é, em si mesmo, a causa movente de seus atos. Deus não pode impor uma lei sobre Si mesmo, nem fazer promessas a Si mesmo, nem ameaçar a Sua própria pessoa. Visto que a lei com suas promessas e ameaças foi dada ao homem para o propósito de reger sua conduta, o homem, por conseguinte, deve ser o elemento ativo para, então, receber as promessas ou ameaças.

Em segundo lugar, se o homem fosse meramente passivo em todos os seus movimentos, ele não poderia ser sujeito à punição, pois esta é a execução da justiça, em resposta à transgressão da lei. Se o homem não tivesse infringido nada, mas fosse simplesmente um objeto passivo da atividade de Deus, ele não teria cometido mal algum, e, portanto, com base na justiça, não poderia ser punido ou condenado.

Em terceiro lugar, se o homem fosse unicamente passivo e Deus fosse o único agente ativo em seus movimentos e atos, todos eles – tanto naturais quanto os pecaminosos (longe de nós esta afirmação de que Deus cometeria iniquidade) – teriam sido cometidos por Deus e seriam, pois, atribuídos a Ele. Então seria Deus, e não o homem, quem estaria andando, falando, escrevendo ou lendo. Destarte, o homem não oraria nem teria fé, mas Deus estaria orando para Si mesmo, e crendo em Si mesmo por meio de Jesus Cristo. O homem não seria culpado de forjar ídolos; o homem não usaria o nome de Deus em vão; não transgrediria o Sábado; o homem não desobedeceria aos seus pais; não seria culpado de ódio, ira, porfia com relação ao seu próximo, etc. Não odiaria a Deus, dado que seria apenas passivo e, assim, inativo. Tudo isto seria atribuído a Deus – o que seria a blasfêmia, em seu último grau.  

Em quarto lugar, as Escrituras claramente afirmam que o homem anda, vê, escuta, fala, crê e ora. Semelhantemente afirma que o ser humano peca e está sujeito, com justiça, à condenação. Não é necessário citar todos os textos que mencionam isso. Paulo observa: “porque somos cooperadores de Deus” (1 Co 3:9). Tal verdade é corroborada também quando ele afirma: “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fp 2:12-13). Deus é a causa eficiente desta atividade, mas o homem é a causa subjetiva dessa mesma obra (a salvação), produzindo essas atividades a partir do interior de si mesmo. Essas atividades devem, portanto, ser atribuídas ao homem de acordo com este princípio: O nome é atribuído à causa formal. Em Filipenses 2:12-13, o homem é exortado a ser ativo com relação à sua salvação, sendo convencido e incentivado com respeito ao seu dever. Entretanto, ele é simultaneamente instruído acerca de sua pecaminosidade e incapacidade espiritual, para que não venha a entreter nenhuma noção de bondade de sua vontade, nem ser encorajado a ser ativo na salvação pautando-se em sua própria força. Por outro lado, não deve ser desencorajado quando percebe sua fraqueza, pelo contrário, deve ser exortado pelo fato de que Deus o auxilia, sendo Ele o iniciador de sua (do homem) ação, trabalhando poderosamente nele para que tome posse desse poder e aja em virtude dele.

Objeção #1: Tal cooperação faz de Deus o autor do pecado?

Resposta: De modo nenhum! É preciso distinguir entre a atividade em si, tal como o entender, o desejar, o ver, escutar, falar, trabalhar, e o contexto no qual essa atividade necessariamente se dá: isto é, a lei de Deus. A atividade em si mesma é natural e não é boa nem má; contudo, quando vista dentro do contexto da lei, de acordo com o qual deve ser julgada, na medida em que o sujeito, o tempo e a modo estão relacionados, essa atividade se torna boa ou má. Quando discutimos a cooperação de Deus, compreendo que ela se refere às dimensões naturais dessas atividades ou movimentos em si mesmos. Todavia, não é verdade no que se refere ao mau uso dessa atividade, à falta de conformidade com a lei, nem ao mal porventura realizado nela. Um indivíduo pode ser a acusa de atividade em outra pessoa, mas não do mal que a acompanha. O governo é a causa do carrasco açoitar o prisioneiro, mas não é a causa do modo cruel com o qual o algoz aplica o castigo. Um músico é a causa da corda do instrumento produzir o som, mas não a dissonância, que procede da corda. Um condutor pode conduzir seu cavalo e assim avançar. Eis o nosso caso em questão. A atividade em si procede de Deus, mas o homem a corrompe devido à sua corrupção interna. Consequentemente, não é Deus – mas o homem – a causa do pecado.

Objeção #2: Essa cooperação inicial e definitiva de Deus não elimina a vontade humana?

Resposta: De modo nenhum! A liberdade da vontade não é uma liberdade da neutralidade; isto é, da indiferença quanto a realizar ou não algo, mas, sim, de consequência necessária, vindo à tona a partir da própria escolha, inclinação ou prazer do indivíduo em fazer ou não determinada coisa. A cooperação de Deus permite o homem ser ativo em harmonia com sua natureza, isto é, mediante o exercício de sua vontade. Há, pois, harmonia entre a cooperação de Deus e a vontade humana. Deus ativa a vontade, e o homem, então, a exerce.   

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Seja fiel, a tua aliança principal é com Deus!


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O texto em Malaquias 2.10-16 apresenta a terceira resposta de Deus para a pergunta: “Em que desprezamos o teu nome?”, feita em Malaquias 1.6. O problema central deste texto é a deslealdade do povo. O termos hebraico para deslealdade é “בגד” (bagad) e ele aparece 5 vezes nesses versículos, sendo traduzido, às vezes, como desleal e, às vezes, como infiel. O problema é apresentado no versículo 10 e desenvolvido em duas áreas distintas nos demais versículos:

Não temos nós todos o mesmo Pai? Não nos criou o mesmo Deus? Por que seremos desleais uns para com os outros, profanando a aliança de nossos pais?” (Malaquias 2.10)

Com essas perguntas retóricas, Malaquias (O Mensageiro de Yahweh) relembra o povo de Israel que Deus era o seu pai e criador e por decisão de Deus (ainda que eles não tivessem mérito nisso). Deus também havia entrado em uma aliança de amor com Israel. Vemos essa decisão de Deus, por exemplo:

Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel.” (Êxodo 19.5)

Mas a vós outros vos tenho dito: em herança possuireis a sua terra, e eu vo-la darei para a possuirdes, terra que mana leite e mel. Eu sou o SENHOR, vosso Deus, que vos separei dos povos. Ser-me-eis santos, porque eu, o SENHOR, sou santo e separei-vos dos povos, para serdes meus.” (Levítico 20.24 e 26)

Quando o SENHOR, teu Deus, te introduzir na terra a qual passas a possuir, e tiver lançado muitas nações de diante de ti, os heteus, e os girgaseus, e os amorreus, e os cananeus, e os ferezeus, e os heveus, e os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; e o SENHOR, teu Deus, as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirás; não farás com elas aliança, nem terás piedade delas; nem contrairás matrimônio com os filhos dessas nações; não darás tuas filhas a seus filhos, nem tomarás suas filhas para teus filhos…” (Deuteronômio 7.1-3)

Esse texto mostra que a aliança de Deus estava sendo profanada pelos judeus daquela época em duas áreas específicas, nos casamentos mistos e na infidelidade conjugal:

1 – Profanação da Aliança no Casamento Misto (11-12)

Judá tem sido desleal, e abominação se tem cometido em Israel e em Jerusalém; porque Judá profanou o santuário do SENHOR, o qual ele ama, e se casou com adoradora de deus estranho. O SENHOR eliminará das tendas de Jacó o homem que fizer tal, seja quem for, e o que apresenta ofertas ao SENHOR dos Exércitos. (Malaquias 2.11-12)

O casamento de um judeu com alguém de fora de Israel era proibido por Deus, não por uma questão racial, mas por causa da desobediência e idolatria que vinham em consequência dos casamentos mistos. Deus advertiu sobre isso em textos como Êxodo 34.16 e Deuteronômio 7.4

e tomes mulheres das suas filhas para os teus filhos, e suas filhas, prostituindo-se com seus deuses, façam que também os teus filhos se prostituam com seus deuses. (Êxodo 34.16)

…nem contrairás matrimônio com os filhos dessas nações; não darás tuas filhas a seus filhos, nem tomarás suas filhas para teus filhos pois elas fariam desviar teus filhos de mim, para que servissem a outros deuses; e a ira do SENHOR se acenderia contra vós outros e depressa vos destruiria.” (Deuteronômio 7.3-4 )

Infelizmente, o povo que voltou do exílio não observou esse mandamento de Deus, o que vemos na época de Neemias e Esdras:

Então, Secanias, filho de Jeiel, um dos filhos de Elão, tomou a palavra e disse a Esdras: Nós temos transgredido contra o nosso Deus, casando com mulheres estrangeiras, dos povos de outras terras, mas, no tocante a isto, ainda há esperança para Israel. Agora, pois, façamos aliança com o nosso Deus, de que despediremos todas as mulheres e os seus filhos, segundo o conselho do Senhor e o dos que tremem ao mandado do nosso Deus; e faça-se segundo a Lei.” (Esdras 10.2-3)

Vi também, naqueles dias, que judeus haviam casado com mulheres asdoditas, amonitas e moabitas. Seus filhos falavam meio asdodita e não sabiam falar judaico, mas a língua de seu respectivo povo. Contendi com eles, e os amaldiçoei, e espanquei alguns deles, e lhes arranquei os cabelos, e os conjurei por Deus, dizendo: Não dareis mais vossas filhas a seus filhos e não tomareis mais suas filhas, nem para vossos filhos nem para vós mesmos.” (Neemias 13.23-25)

Malaquias é mais ou menos contemporâneo de Esdras e Neemias e lida com o mesmo problema: a deslealdade do povo contra Deus ao se casarem com pessoas que não eram do povo de Deus e que, consequentemente, levavam o povo para longe do Senhor.

Mas havia um segundo problema: a infidelidade dos casados.

2 – Profanação da Aliança no Adultério (13-16)

Ainda fazeis isto: cobris o altar do SENHOR de lágrimas, de choro e de gemidos, de sorte que ele já não olha para a oferta, nem a aceita com prazer da vossa mão. E perguntais: Por quê? Porque o SENHOR foi testemunha da aliança entre ti e a mulher da tua mocidade, com a qual tu foste desleal, sendo ela a tua companheira e a mulher da tua aliança. Não fez o SENHOR um, mesmo que havendo nele um pouco de espírito? E por que somente um? Ele buscava a descendência que prometera. Portanto, cuidai de vós mesmos, e ninguém seja infiel para com a mulher da sua mocidade. Porque o SENHOR, Deus de Israel, diz que odeia o repúdio e também aquele que cobre de violência as suas vestes, diz o SENHOR dos Exércitos; portanto, cuidai de vós mesmos e não sejais infiéis.” (Malaquias 2.13-16)

Em todo o livro de Malaquias, fica claro que o povo não estava vivendo uma rebeldia declarada contra o Senhor, pelo contrário, as aparências eram de um povo muito fiel a Deus. Eles continuavam prestando culto, dando ofertas, orando e se derramando em lágrimas diante de Deus. As atitudes externas de religiosidade eram muito boas, mas o problema estava no coração.

Nesse trecho Deus começa dizendo que não iria aceitar as ofertas deles e nem as suas orações chorosas. Por que? Deus reponde, porque vocês estão sendo infiéis no casamento de vocês. Essa infidelidade se mostrava em infidelidade conjugal, divórcios e violência dentro do casamento. Então, Deus apresenta 5 argumentos pelos quais eles não deveriam continuar sendo infiéis: (1) Eu, Yahweh, fui testemunha da aliança entre você e seu cônjuge; (2) A tua esposa é a mulher da tua mocidade, a tua companheira, a mulher da tua aliança; (3) eu, Yahweh, é quem uni vocês dois em um só e meu Espírito atuou nessa união; (4) meu objetivo, diz Deus, é levantar uma descendência abençoada por meio das famílias da aliança. (5) O quinto argumento é uma espécie de conclusão para todo o trecho: “Porque o SENHOR, Deus de Israel, diz que odeia o repúdio e também aquele que cobre de violência as suas vestes, diz o SENHOR dos Exércitos; portanto, cuidai de vós mesmos e não sejais infiéis.

Nesse texto Deus afirma que odeia o divórcio e coloca no mesmo nível a violência dentro do casamento. Cometer esses atos, portanto, é desafiar a Deus, aquele com quem temos a nossa principal aliança. Assim, Não adianta tentar manter a vida ‘espiritual’ em ordem se não estou sendo leal para com meu cônjuge. Deus não aceita sacrifícios de cônjuges que estão em pecado no casamento.

Maridos, vós, igualmente, vivei a vida comum do lar, com discernimento; e, tendo consideração para com a vossa mulher como parte mais frágil, tratai-a com dignidade, porque sois, juntamente, herdeiros da mesma graça de vida, para que não se interrompam as vossas orações.” (1 Pedro 3.7)

Conclusão


Deus está intimamente interessado em nossa vida matrimonial! A aliança entre um homem e uma mulher cristãos é, necessariamente, uma aliança diante de Deus e com o próprio Deus. A decisão de se casar, não pode ser irresponsável, como se Deus não se importasse com quem eu me caso. A principal aliança entre um homem e uma mulher, tem que ser feita dentro dos padrões da aliança espiritual que os cristãos tem com o Senhor. Assim, se você é um cristão solteiro, você não pode considerar a possibilidade de se casar com alguém que não ame a Jesus Cristo. Se você é um cristão casado, lembre-se que o mesmo Deus que foi testemunha do seu casamento, está avaliando como está o seu desempenho como cônjuge. E aqueles cristãos que, hoje, estão casados com alguém que não teme ao Senhor? A Bíblia fala que o bom procedimento do cristão santifica e pode até mesmo salvar aquele que não teme ao Senhor. Continue firme em oração e prática cristã (Leia 1 Coríntios 7)!

Solteiro(a), peça a graça de Deus para te ajudar a somente namorar e casar com alguém que seja fiel a Jesus Cristo e aja neste sentido. Casado(a), peça a graça de Deus para seu fiel a Ele como cônjuge e aja neste sentido. Se é pelo Senhor, o teu amado, qualquer sacrifício vale a pena.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Tiago e Paulo Sobre a Justificação - Por David N. Steele & Curtis C. Thomas



Através da história da Igreja houve dois pontos de vista opostos quanto ao modo em que os pecadores são justificados, isto é, como são feitos justos diante de Deus e, portanto, declarados aceitos por Ele.

Um dos pontos de vista ensina que a justificação é pela fé somente, sem as obras da lei. Os pecadores são declarados justos e, portanto, justificados, somente em relação com a justiça de Cristo, a qual lhes é imputada no momento em que creem nele. A salvação é pela graça, mediante a fé, e em nenhum sentido pode ser o resultado ou depender das boas obras do pecador. Os atos de obediência pessoais não garantem, nem acrescentam nada à justificação, pois esta se baseia unicamente na justiça que Deus outorga livremente a todo aquele que crê.

O outro ponto de vista ensina que os pecadores, para serem justificados, devem fazer algo mais do que crer em Cristo, devem prestar obediência pessoal a lei de Deus. Assim, é declarado que a justificação é pela fé mais as obras. O pecador se faz aceito por Deus sobre a base de que o que ele crê equivale ao que ele faz, e não sobre a única base do que Cristo fez em seu favor. Unicamente pode beneficiar-se da obra salvadora de Cristo crendo no Evangelho e obedecendo a lei de Cristo. Um sem o outro não vale para fazer o pecador aceito por Deus. Deus requer ambas as coisas, fé e obra, daquele a quem justifica.

Os advogados destas duas escolas de pensamento apelam para as Escrituras para sustentar os seus pontos de vista. Os primeiros fazem suas as palavras de Paulo, em Rm 3:28, como exposição de sua opinião: “concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei.” Os segundos citam as palavras de Tiago como prova de sua doutrina da justificação pela fé mais as obras: “verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente” (Tg 2:24). À primeira vista estas duas declarações parecemser contraditórias. Devemos dar razão a Tiago e rejeitar Paulo, ou o inverso? Ou podem ser reconciliadas ambas as declarações?

O propósito deste apêndice é mostrar que este conflito é apenas aparente e não real. Quando os dois versículos (Rm 3:28 e Tg 2:24) são lidos em seu próprio significado, de fato, apresentam-se como complemento um do outro, em lugar de contradizer-se. Ambas as declarações são corretas quando compreendidas no sentido em que os seus autores desejaram que fossem entendidas. O pecador é justificado pela fé, sem as obras da lei, como Paulo afirma e, todavia, o pecador salvo é justificado pelas obras, e não pela fé somente, como disse Tiago. Para compreendermos como isto pode ser possível, devemos examinar os dois versículos em seu contexto.

O propósito de Paulo em Rm 3:9-5:21 é mostrar que o pecador culpado, que não possui justiça própria, todavia, pode obtê-la por meio da fé, em Jesus Cristo. No momento em que o pecador crê, lhe é outorgado a justiça de Cristo, e consequentemente, é declarado justo (é justificado) por Deus. A base da justificação do pecador diante de Deus é a justiça de Cristo que lhe é imputada, e o meio pelo qual esta justiça é recebida, é a fé somente. O ponto que Paulo deseja estabelecer é que os pecadores são aceitos por Deus, pela fé em Cristo, aparte de todo mérito pessoal. As obras do homem não têm nada a ver com a sua justificação diante de Deus. É neste contexto que o apóstolo declara: “concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei” (Rm 3:28).

O objetivo de Tiago é completamente diferente. O propósito de sua carta é mostrar como deve viver o cristão diante dos homens. Deve ser praticante da Palavra, e não apenas ouvinte, para que não engane a si mesmo (1:22-25). Este é o tema que é enfatizado no decorrer de toda a epístola. Em 2:14-26, Tiago demonstra que a fé que não produz obras é morta e não pode salvar.

Ninguém pode pretender que tem fé se ela não pode ser provada com evidências. Em 2:14 pergunta: “de que aproveitará se alguém disser que tem fé, e não tem obras?Poderá semelhante fé salva-lo?” A resposta, naturalmente, é não! Observe a afirmação que Tiago faz em 2:18: “mostra-me a tua fé sem obras, e eu te mostrarei a minha fé por meio das minhas obras”. Ele deseja que os seus leitores vejam que uma fé não pode serjustificada (provar a sua genuinidade por seus frutos) ante os homens, é falsa, não podendo ser real; é uma mera profissão sem valor algum. É neste contexto que a declaração de Tiago se refere à necessidade das obras em relação à justificação. “Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente” (2:24). Está falando de um Cristianismo justificado diante dos homens por meio de suas obras, enquanto Paulo em Rm 3:28 se refere ao pecador que é justificado diante de Deus aparte de suas obras. Calvino expressou ambas as ideias quando escreveu: “é a fé somente que justifica, mas a fé que justifica nunca pode vir só.”[1] Paulo se ocupa com a primeira destas duas ideias em Rm 3:28, enquanto Tiago da segunda, em 2:24, mas uma não contradiz a outra.

J.I. Packer acerca dos vários usos bíblicos da palavra “justificar” disse que “em Tiago 2:21, 24-25 faz referência a prova da aceitação do homem por parte de Deus, a qual é outorgada quando as suas ações mostram que leva a classe de vida que resulta da fé que opera, a qual Deus imputa justiça.”

“A declaração de Tiago de que o cristão, que semelhante a Abraão, que foi justificado pelas obras (vs. 24), não é contrária a insistência de Paulo de que o cristão, e que semelhante a Abraão, é justificado pela fé (Rm 3:28; 4:1-5), mas que se complementa. O mesmo Tiago cita Gênesis 15:6 exatamente com o mesmo propósito que o faz Paulo: mostrar que foi a fé que fez Abraão justo (vs. 23; cf. Rm 4:3ss., e Gl 3:6ss.). A justificação que concerne a Tiago não é a aceitação original ou primária do crente por parte de Deus, mas a subsequente reivindicação de sua profissão de fé por seu modo de viver. Assim pois, não é em conceito, mas na conclusão que Tiago difere de Paulo.”[2]

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Bibliografia sobre a Justificação:
  1. Berkhof, L., Teologia Sistemática, Editora Cultura Cristã, 2004.
  2. Berkouwer, G.C., Faith & Justification, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1954.
  3. Buchanan, J., The Doctrine of Justification, Grand Rapids, Baker, 1955.
  4. Calvin, John, Institutes of the Christian Religion, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1953.
  5. Cunningham, Wm., Historical Theology, London, The Banner of Truth, 1960.
  6. Hodge, Charles, Systematic Theology, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1952.
  7. Morris, Leon, The Apostolic Preaching of the Cross, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1956.
  8. Owen, John, The Doctrine of Justification by Faith, Evansville, Sovereign Grace Publishers, 1959.
  9. Packer, J.I., “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictionary of Theology, Grand Rapids, Baker House, 1960.
  10. Packer, J.I., “Justification”, The New Bible Dcitionary, Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1962.
Extraído de Romanos un Bosquejo Explicativo, TELL, 1967, pp. 163-166.
Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
[1] Bispo Moule, The Epistle of Paul to the Romans, p. 137.
[2] Packer, “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictionary of Theology, p. 304.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

“Lições Do Casamento De Um Pastor: Charles e Susannah Spurgeon – Parte 1” por Dr. Gerald Bilkes


Charles-Susannah-Spurgeon2“Se é verdadeiro de uma maneira geral que ‘O que acha uma esposa acha o bem e alcançou a benevolência do SENHOR’, quanto mais no caso dos ministros que são encorajados e auxiliados por suas parceiras na vida. Os membros das igrejas cristãs pouco sabem o quanto eles devem às esposas de seus pastores…”  Charles Ray, autor da biografia de Spurgeon.
Você provavelmente não precisa de muita introdução a respeito de Charles Spurgeon, um pastor inglês batista do século 19 que continua sendo influente no meio cristão até hoje e que recebeu o apelido de “ Príncipe dos Pregadores.” É difícil sumarizar como foi a vida de um homem como esse, mas aqui estão alguns rápidos fatos sobre ele:
– Ele tanto foi convertido quanto começou a pregar ainda adolescente.
– Ele era o pastor da congregação New Park Street Chapel (posteriormente chamada de Metropolitan Tabernacle) em Londres por 38 anos.
– Durante sua vida, Spurgeon pregou para aproximadamente 10 milhões de pessoas, frequentemente pregando até 10 vezes por semana em diferentes locais. A maior multidão para a qual ele pregou foi de 23,654 pessoas (isso foi antes da época dos amplificadores!).
– No ápice de seu ministério, seus sermões eram publicados diariamente em jornais tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos.
– Ele era um orador tão talentosos que encantava  multidões de ouvintes, e era um produtivo autor de diversos tipos livros- sermões, uma autobiografia, comentários, livros de oração, devocionais, revistas, poesia, hinos e outros. Seus sermões eram uma obra de arte em “pensamento penetrante e precisa exposição”. Suas mensagens têm sido consideradas dentre as melhores na literatura cristã.
– Ele foi uma pessoa importante na tradição Batista Reformada, defendendo a Igreja de acordo com a Confissão de Fé Batista de Londres de 1689, se opondo às tendências liberais e pragmáticas de sua época. Foi altamente criticado. Ele estava envolvido em diversas controvérsias com a União Batista da Grã-Bretanha, e eventualmente teve que sair da denominação.
– Ele também é lembrado pelas suas obras de caridade – por exemplo, começou com uma organização chamada “Spurgeon’s”, que atualmente é um ministério global, e também fundou a “ Universidade Spurgeon” , a qual recebeu o seu nome após a sua morte.
Mas a esposa de Spurgeon, Susannah, é menos conhecida.
Eu gostaria de começar dando a vocês um breve histórico da vida em comum deles, e depois vou preenchendo as lacunas à medida que damos uma olhada com mais atenção em diversas áreas do casamento que eu acredito que existem lições a serem aprendidas.
Uma Breve Biografia Do Casamento Deles
Em um certo domingo em Dezembro de 1853, Charles Haddon Spurgeon, que na época tinha apenas 19 anos, estava pregando na New Park Street Chapel em Londres .  Susannah Thompson não tinha comparecido ao culto da manhã, mas ouviu falar muito bem dos seus amigos sobre o pregador. Para agradá-los e por curiosidade, ela aceitou assistir ao culto vespertino. Na verdade, ela não ficou muito impressionada com o Pastor Spurgeon, achando que ele parecia um pouco fora de moda com seus cabelos longos e mal cortados, seu enorme terno preto de cetim e um lenço azul e branco. Ela comentou, “então essa é a sua famosa eloquência! Não me impressiona. Que maneiras rústicas! Será que ele algum dia vai parar de brincar com esse horrível lenço azul de seda? E o cabelo dele!…” Porém, mais tarde, eis o que ela disse sobre esse dia:
“Eu considerei comigo mesma quão pouco meus olhos contemplaram a ele que viria a ser o amado da minha vida; Quão pouco eu sonhei sobre a honra que Deus estava preparando para mim no futuro próximo! É apenas por misericórdia que nossas vidas não são deixadas para nós mesmos planejarmos, mas que o nosso Pai escolhe para nós; do contrário nós poderíamos virar as costas para as maiores bênçãos, e afastar de nós os melhores e mais amorosos dons da Sua providência… Oh, como meu coração é vão e tolo! Eu não tive uma mente suficientemente espiritual para compreender sua sincera apresentação do Evangelho e seu poderoso apelo aos pecadores.”
Spurgeon eventualmente aceitou o pastorado dessa Igreja, e Susannah o encontrou novamente. Porém nenhum dos dois lembrava-se com detalhes da primeira vez que se viram. Aparentemente Susannah logo superou seus preconceitos e frequentemente ouvia as pregações de Spurgeon. Não foi muito depois dos seus fervorosos chamados ao arrependimento que ela despertou, e atentou para o fato de que o seu próprio estado espiritual estava longe de ser o que deveria. Ela já havia se convertido antes disso, mas então ela percebeu quão relaxada ela havia se tornado. O Senhor Spurgeon deu a ela uma cópia do Peregrino para ajudá-la e também a aconselhou espiritualmente. Ela disse: “eu disse a ele do meu estado diante de Deus e ele gentilmente me guiou, pelas suas pregações, conversas, pelo poder do Espirito Santo para a Cruz de Cristo, para a paz e perdão que a minha alma tanto buscava.” A amizade entre Spurgeon e Susannah cresceu e eventualmente, em Junho de 1854, Charles lhe revelou os seus sentimentos. Em menos de dois meses ele a pediu em casamento. Eles se casaram em Janeiro de 1856 e quase no fim daquele ano vieram os gêmeos. Eles seriam os únicos filhos de Spurgeon.
Logo após o nascimento dos meninos, um dos eventos mais traumáticos do casamento deles ocorreu. Num certo domingo à noite, enquanto a Senhora Spurgeon estava em casa com as crianças, Chales saiu para pregar num casa lotada no Salão de Música. Durante o sermão, alguém gritou, ”Fogo!”. No pânico e tumulto que se seguiu, várias pessoas foram mortas. Spurgeon estava tão emocionalmente devastado com esse evento que ele ficou sem condições de pregar por um tempo. Para piorar, isso trouxe um criticismo público a Spurgeon. Ele selecionou comentários e críticas dos jornais, algo que continuou fazendo durante sua carreira. A família foi embora por um tempo até que ele se recuperasse e conseguisse voltar ao trabalho. Esse evento teve um impacto por toda a vida em Spurgeon.
Os primeiros anos de suas vidas juntos foram felizes e relativamente livres de preocupações. Susannah alegremente passava seu tempo ao lado de seu marido, o acompanhando em muitas de suas viagens para pregar. Mas após 10 anos de casamento, a senhora Spurgeon ficou cronicamente doente e acamada por boa parte do tempo. Ela estava frequentemente tão doente que não conseguia sair de casa para ouvi-lo pregar. Ela fez o melhor que pôde para encorajá-lo e suportá-lo em seu ministério apesar de sua fraqueza, e seguiu adiante criando seus filhos como uma esposa piedosa. Os dois meninos professaram conversão ainda jovens rapazes e foram batizados por seu pai na Igreja Metropolitana Tabernáculo em 1874. Esse comentário de Spugeon é certamente o sentimento de muitos de vocês, que tiveram o privilégio de ver seus filhos serem convertidos: “Nós não tivemos nem a metade da alegria com o nascimento deles quando comparamos com a alegria que tivemos com o novo nascimento deles.”
É impressionante pensar na carga de trabalho que Spurgeon tinha. Uma semana comum para ele incluía escrever, pregar e publicar um sermão semanal; tomar conta de um orfanato, um seminário para pastores, uma casa de misericórdia, nos quais ele estava envolvido em fundar; ler e responder a aproximadamente 500 cartas, e pregar até umas 10 vezes em igrejas que ele ajudou a plantar.
Charles mesmo se tornou muito doente mais tarde. Ele sofreu de gota, o que as vezes era muito doloroso, por mais de 20 anos, mais ou menos a partir dos seus 35 anos. Mais tarde ele foi afastado por semanas ou até meses todos os anos em razão de diversas doenças. E também sofreu períodos de depressão. Spurgeon faleceu relativamente cedo, aos 57 anos, em 1892, após 40 anos de pregação. Susannah ficou viúva por aproximadamente 12 anos, morrendo em 1903.

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Do Magistrado Civil e a Igreja - Confissão de Fé de - Por G.I. Williamson




Aqui deixamos uma vez mais a ordem da Confissão de Fé para considerar juntas certas seções da Confissão que são difíceis de considerar em relação umas com as outras. Estes capítulos e estas seções são: o capítulo XXIII, 3 e o capítulo XXXI, 1, 2. A dificuldade consiste em definir qual é o poder do magistrado civil com respeito aos assuntos eclesiásticos. A partir deste ponto, primeiro, procederemos discutindo as seções do capítulo XXIII que não são problemáticas; e segundo, as seções dos capítulos XXIII e XXXI que apresentam o problema e terceiro, as porções que ficaram do capítulo XXXI, ou seja, as seções 3, 4, e 5. 

1. Deus o supremo Senhor e Rei de todo o mundo, institui os magistrados civis, para estar abaixo dele e sobre o seu povo, para sua própria gloria e para o bem público; para cujo fim lhes deu autoridade da espada, para defender e estimulo dos bons, e para castigo dos maus.

2. É licito que os cristãos aceitem e desempenhem o oficio de magistrado quando para isso forem vocacionado por Ele. Na administração deste ofício os cristãos devem manter especialmente a piedade, a justiça e a paz de acordo com as leis saudáveis de cada estado. Para tal fim, podem legalmente a luz do NT, fazer guerra em ocasiões justas e necessárias.

3. O povo tem o dever de orar pelos magistrados, honrar suas pessoas, pagar tributos e outros direitos, obedecer aos seus mandamentos legítimos, e estar sujeitos a sua autoridade por causa de sua consciência. A infidelidade, ou a diferença de religião não invalida a justa e legítima autoridade do magistrado, nem exime do povo a devida obediência a ele, do qual as pessoas eclesiásticas não estão excluídas, e muito menos tem o papa poder de jurisdição alguma sobre os magistrados, sobre seus domínios, ou sobre algum de seu povo; e muito menos para priva-los de seu domínio, suas vidas, sejam porque os julguem que são hereges, ou por qualquer outro pretexto.

XXIII, 1,2,3

Estas seções da Confissão de Fé nos ensinam:

1) Que Deus estabeleceu o governo civil sobre a terra.
2) Que seu propósito e sua glória e o nosso bem.
3) Que nos deu os oficiais civis e o poder da espada.
4) Que os cristãos podem de forma lícita ter cargos civis e exercer o poder da espada em ocasiões necessárias e justas.
5) Que Deus requer que os cristãos exerçam o mandato, orem, se submetam aos que licitamente utilizam o seu cargo no governo civil.
6) Que esta responsabilidade não deixa de existir por causa das diferenças religiosas, e
7) Que o papa de Roma não tem nenhum direito sobre o poder civil.

A passagem clássica das Escrituras que trata do estabelecimento do governo civil é:

Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a devida condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra” (Rm 13:1-7).

Nesta passagem clássica das Escrituras se estabelece os ensinos desta seção da Confissão. “Todos devem se sujeitar as autoridades publicas” disse o apóstolo. Sem dúvida se requer do cristão que se submetam aos que estão como autoridades pela vontade de Deus. “Porque não há autoridade que não proceda de Deus, e as autoridades que existem foram por ele instituídas.” A. A. Hodge bem disse: “alguns imaginam que o direito e a autoridade legítima do governo humano tem seu fundamento final na aprovação dos governados,” bem como “na vontade da maioria”, ou, em algum pacto social imaginário feito pelos antepassados da raça na origem da vida social. Mas as Escrituras nos ensinam que o governo civil vem de Deus, e que tem sua autoridade pela vontade de Deus, e assim aprovação dos governos. Isto implica claramente que o cristão deve considerar o governo de fato, de qualquer país particular no qual pode residir como jure. Nenhuma forma de governo civil está designada nas Escrituras. O cristão não tem a liberdade de obedecer ou não dependendo do tipo de governo que exista. “Os poderes que existem foram estabelecidos por Deus”, disse Paulo. E se referia ao governo totalitário do Império Romano. Se Paulo e Jesus ensinaram que deveriam se sujeitar a Cesar, é difícil pensar em algum tipo de governo civil que não deveria ser obedecido pelos cristãos em assuntos civis. A luz deste contexto do período apostólico (quando o governo civil era totalitário), não cremos que os cristãos tivessem o direito de apoiar, ou, de participar na derrota violenta de uma autoridade civil, ou, seja uma monarquia ou democracia (ver Rm 13:2, I Pd 2:13-14, Tt 3:1 etc). Se todo o governo de fato é estabelecido por Deus, e a resistência é uma resistência diante do mandato de Deus então, não existe nenhuma outra conclusão.

No entanto, afirmar que a autoridade civil é de origem divina não é dizer que a mesma não tenha limites. Toda a autoridade divinamente estabelecida, em assuntos humanos, está limitada pelo decreto divino. O magistrado civil é estabelecido por Deus como “ministro” o servo de Deus “para o bem”. A sua responsabilidade é levar a espada do poder físico como terror contra as obras do mal. A sua responsabilidade é como vingador que demonstra a ira de Deus sobre quem fez o mal. Enquanto o governo civil se contenta restringindo e castigando o crime e a violência, proteger o bem e castigar o mal, o cristão deve apoiar, orar e honrar por esse governo. Mas quando esse governo castiga aos retos e recompensa ao malfeitor, tornando-se agressivo militarista, é a responsabilidade do cristão resistir esse poder porque subverte o mandato de Deus. Em muitos casos é sem dúvida, difícil determinar precisamente quando, até que ponto um cristão deve resistir a um governo civil em particular. Não é nossa intenção fazer que esta decisão pareça fácil. Mas certos princípios são muito claros, e se aplicados corretamente, tornará possível para que o indivíduo tome a decisão correta em seu caso particular.

1. Devemos sempre obedecer aos “mandatos legítimos” de nosso governo. Em todas e cada uma das instâncias devemos estar “prontos a fazer toda boa obra” (Tt 3:1).

2. Sempre devemos obedecer a Deus antes que ao homem quando existe um conflito entre os dois. “É necessário obedecer a Deus antes que os homens” (At 5:29).

3. Podemos resistir, tanto ativa como passivamente, se for necessário, para obedecer a Deus. Quando uma autoridade civil se mostra um terror quanto às boas obras e não quanto o mal, cremos que os cristãos tem o direito de defender–se ativamente. Tanto a “sua vida como a sua propriedade” conforme determina a lei “Salmo 82:4, Provérbios 24:11-12, etc.”. Assim “o fim imediato para o qual Deus instituiu os magistrados é o bem público e o fim último a manifestação de sua própria glória.”

Mas, consideremos atentamente certos erros modernos que ganharam um amplo apoio, e que confunde a mente de muitos cristãos.

1. O primeiro que consideraremos é a intenção modernista de descontinuar a prática da pena de morte. Em nossa nação hoje em dia existe uma corrente cada vez mais forte a favor de abolir a pena de morte. E muitos grupos protestantes liberais aprovam esta mudança dizendo que não beneficia a sociedade, não reforma o criminoso nem reflete os ensinos humanitários do Novo Testamento. É dizer, por várias razões, que é muito popular hoje em dia negar ao governo o poder da espada para castigar o mal. Tal posição enquanto autoridade civil está ao menos completamente contra ao ensinamento bíblico. Não pensemos que se possa provar que a pena de morte não seja um benefício para a sociedade. Cremos que seja, embora a única razão seja que a Escritura declara que o cumprimento fiel da justiça é uma punição para o mal e um alento para o bem. Pode ser possível que a pena de morte não reforme o criminoso. Mas, também é possível que a falta de punição contra a maldade também reforme o criminoso. Mas estamos convencidos de que ela promove a maldade. Sobretudo, nos opomos à ideia de que o poder e a autoridade civil devam refletir as ideias modernas de ensino humanitário do “Novo Testamento”. A justiça não é mais “humanitária” no Novo Testamento que no Antigo Testamento. E a instituição do governo civil não foi estabelecida para ensinar o Novo Testamento: é para castigar o crime e proteger os que fazem o bem. Sem motivos duvidamos que o esquema dos liberais que promovem abolição da pena de morte seja “humanitária”. Cremos que muitos dos crimes da atualidade se devem ao fato de que existe demasiada preocupação não bíblica pelo malfeitor e bem pouca preocupação bíblica pelos justos. 

2. Outro ataque moderno contra a instituição do governo civil pode-se observar por aqueles que promovem a corrente pacifista. Os concílios da igreja modernista têm defendido tais coisas:

2.1. O completo desarmamento de nossa nação.
2.2. O desarmamento unilateral [ou seja, somente do cidadão de bem].
2.3. A negociação em vez da defesa armada ao serem confrontados com agressão criminosa. 
2.4. O reconhecimento dos que são agressores sem nenhum tipo de castigo justo.

A Confissão de Fé insiste que os magistrados civis (ainda que sejam pessoas cristãs) “podem legitimamente, conforme o Novo Testamento, fazer atualmente guerra em ocasiões justas e necessárias. Os que apoiam a política que basicamente exige que nosso governo nacional renuncie o poder da espada e renuncie os esforços para ser um punidor dos malfeitores, e que renuncie a execução de vingança sobre eles, pedem nada menos que destruição do mandato de Deus em Romanos 13:1-5. É precisamente porque “se opõem a autoridade” então “se rebelam contra o que Deus instituiu”. Este pecado deve ser denunciado como ele realmente é. É um pecado contra Deus, é um pecado contra o nosso governo.

A última parte da seção número 4 deste capítulo trata dos males históricos associados com a Igreja Católica Romana.

3. O primeiro destes males é que lhes outorga um status privilegiado aos oficiais da igreja em assuntos civis. Existem em alguns países que são dominados pela Igreja Romana nos quais os sacerdotes não podem ser julgados nas cortes civis por seus crimes. Existe talvez um pouco de humor nos relatos tradicionais da vergonha da polícia irlandesa quando se deu conta de que havia prendido um sacerdote por excesso de velocidade. No entanto, as Escrituras ensinam que os cristãos, sejam oficiais da igreja ou não, não devem se considerar acima do poder civil. Cremos que a Confissão de Fé concorda com a Escritura quando diz que “as pessoas eclesiásticas não estão excluídas desta autoridade”. E a infidelidade, ou diferença de religião entre os cidadãos cristãos e o governo civil “não invalida a justa e legítima autoridade do magistrado”.

4. O outro mal que outorga autoridade ao Papa de Roma. Este foi e continua sendo uma reivindicação do Pontífice Romano, ele insiste que exerce tanto a espada espiritual como a temporal do poder e a autoridade. “Segundo a posição ultramontana estritamente lógica, sendo toda nação, em todos seus membros, uma porção da igreja universal, a organização civil está compreendida dentro da igreja para certos fins subordinados para o grande fim para o qual existe a igreja e assim, portanto, finalmente responsável diante dela para execução da autoridade delegada. Quando enfim o Papa se coloca na condição de exigir a sua autoridade, pondo o reino debaixo de edito emitido aos súditos exigindo o seu voto de fidelidade (civil), e demonstrando aos soberanos, baseando-se na suposta heresia da insubordinação dos líderes civis no país”. (A A. Hodge, Ibid., p. 276). A Escritura anunciou o que a história demonstrou, ou seja, que tal usurpação resulta na perseguição aos verdadeiros crentes (Ap 13; 18:24).

Perguntas para estudo

1. Qual o fundamento da autoridade do governo civil? Prove biblicamente.
2. Que tipo de governo vem da autoridade divina?
3. Deve um cristão promover a derrota violenta de um governo civil?
4. Deve um cristão resistir licitamente ao governo?
5. Quando é que os cristãos devem obedecer ao seu governo?
6. Quando é que os cristãos devem desobedecer ao seu governo?
7. Enumere os erros modernos promovidos por cristãos liberais que estão contra a instituição divina do governo civil?
8. Por que estes estão contra a instituição divina do governo civil?
9. Quais são os erros refutados na seção número 4 da Confissão de Fé?

Fonte: G.I. Williamson, La Confesión de Fe de Westminster (Carlisle, El Estandarte de la Verdad, 2003), pp. 355-360.
Tradução: Rev. Gaspar de Souza
Revisão: Rev. Ewerton B. Tokashiki