O esmerado estudo da Escritura mostra que Deus não somente dirige para as
boas ações e para a vida as boas vontades dos homens, que ele torna boas,
embora sejam más, como também mantém sob o seu poder todas as vontades em
geral. Ele as inclina como quer e quando quer, seja para prestar favores a uns,
seja para infligir castigos a outros, de acordo com Sua vontade, obedecendo a
desígnios que são certamente ocultos, mas sempre justos.
Deparamos, por exemplo, com alguns pecados que são castigados de outros
pecados, como os vasos de ira, prontos para a perdição, como diz Paulo
(Romanos 9.22). Assim foi o endurecimento do Faraó, cuja razção foi a
necessidade de o Senhor manifestar-lhe seu poder (Êxodo 7.3; 10.1). Assim foi a
fuga dos israelitas na presença de seus inimigos da cidade de Hai; foram tomados
pelo medo e fugiram. Isto lhes aconteceu como vingança do pecado com as
circusntâncias com que merecia ser vingado. Refletem o fato as palavras do
Senhor a Josué: Israel não poderá ter-se diante de seus inimigos (Josué 7.4-12). O
que significa: não poderá ter-se? Por que não puderam resistir pela força do livrearbítrio
e, com a vontade enfraquecida, fugiram tomados de medo? Não seria
porque Deus domina até as vontades humanas e deixa serem invadidos pelo
temor aqueles que Ele assim quer quando cheio de ira? Os inimigos de Israel não
lutaram por vontade própria contra o povo de Deus conduzido por Josué? No
entanto, diz a Escritura: Porque tinha sido desígnio do Senhor que os seus
corações se endurecessem e combatessem contra Israel, e que fossem derrotados
(Josué 11.28).
Aquele malvado filho de Jêmini não maldizia o rei Davi por sua própria vontade?
Contudo, o que disse Davi, cheio de verdadeira, sublime e piedosa sabedoria?
Que importa a mim e a vós, filhos de Sárvia? Deixai que amaldiçoe, porque o
Senhor lhe permitiu que amaldiçoasse Davi, e quem se atreverá a dizer: Por que
ele fez assim? Em seguida, a Escritura, elogiando o sentimento do rei e como que
repetindo desde o princípio, diz: E o rei disse a Abisaí e a todos os seus servos:
eis que meu filho, que eu gerei das minhas entranhas, procura tirar-me a vida;
quanto mais agora um filho de Benjamin! Deixai-o maldizer, conforme a
permissão do Senhor; talvez o Senhor olhe para a minha aflição, e me dê bens
pelas maldições deste dia (2 Samuel 16.5-12).
Qual a pessoa inteligente que chegue a entender como o Senhor disse a esse
homem que amaldiçoasse Davi? Não o disse mandando, caso em que deveríamos
louvar-lhe a obediência. Mas porque Deus, por um desígnio oculto e justo
inclinou Sua vontade já dotada de maldade, está escrito: O Senhor lhe permitiu.
Se Deus tivesse mandado e ele tivesse obedecido, mereceria louvor e não castigo, o qual, conforme sabemos, sobreveio-lhe posteriormente. E sabemos também a
causa de o Senhor que maldicesse Davi, isto é, a causa de tê-lo feito cair nesse
pecado: Talvez o Senhor olhe para a minha aflição e me dê bens pelas maldições
desse dia.
O episódio revela que Deus se serve dos corações dos maus para louvor e ajuda
aos bons. Assim procedeu ao servir-se de Judas para trair a Cristo, e dos judeus,
para a sua crucificação. Qtod bens proporcionou desse modo aos povos fiéis! E
se utiliza também do próprio demônio, mas para o bem, a fim de exercitar e
provar a fé e a piedade dos bons. Esse proceder em nada favorece o Senhor, que
tudo conhece de antemão, mas a nós necessitados de que essas coisas
aconteçam.
Absalão não escolheu livremente o conselho que não o favoreceu? Mas ele o fez
porque o Senhor ouvira a oração de seu pai, que assim suplicara. Por isso diz a
Escritura: Por disposição do Senhor foi abandonado o útil conselho de Aquitofel,
para que o Senhor fizesse cair o mal sobre Absalão (2 Samuel 17.14). Disse
conselho útil, porque no momento favorecia a causa, ou seja, a luta contra o pai,
contra o qual se rebelara. Seguindo o conselho de Aquitofel, conseguiria
exterminar o pai, se Deus não o tivesse inutilizado, atuando no coração de
Absalão para rejeitar tal conselho e preferisse outro que não o favorecia.
sábado, 28 de fevereiro de 2015
Deus Governa os Corações dos Maus Para a Ação em Favor dos Bons por Agostinho
O 'Mundo' de João 3:16 não significa todos os homens sem exceção
Agora é comum entre pessoas reformadas que, quando se confessa a eleição de Deus de alguns para a salvação, o amor especial de Deus pelos eleitos e o desejo exclusivo de Deus de salvar os eleitos, a confissão é imediatamente contestada por um apelo a João 3:16:
"Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que n'Ele crê não pereça, mas tenha a vida eterna."
Na verdade, essa é quase a regra. Aquele que assim apela a João 3:16 tem a intenção de afirmar que Deus ama todos os homens, sem exceção, e que Deus deseja salvar todos os homens, sem exceção. O pressuposto básico subjacente a este apelo a João 3:16, como um argumento contra a eleição, é que a palavra, mundo, em João 3:16 significa "todos os homens, sem exceção".
Nós anunciamos, declaramos e proclamamos aqui que essa suposição é falsa. É antibíblica. E ela leva a um ensino que fundamentalmente se desvia do Evangelho.
A palavra "mundo", em João 3:16 não significa "todos os homens, sem exceção".
Rogamos a nossos irmãos e irmãs reformados que insistem em conceber "mundo" em João 3:16 como "todos os homens, sem exceção", e utilizam este texto contra a confissão do amor particular de Deus pelo eleito, a enfrentarem a posição doutrinária que têm tomado. Esta é a posição deles:
Deus ama todos os homens, sem exceção, com um amor que dá o seu Filho unigênito para a salvação, isto é, com um amor (salvífico) que deseja que eles sejam salvos do pecado e tenham a vida eterna no céu.
Deus deu o seu Filho unigênito por todos os homens, sem exceção, ou seja, Jesus morreu por todos os homens, sem exceção.
No entanto, muitas pessoas que Deus ama, que Deus deseja salvar, e por quem Jesus morreu, perecem no inferno, não salvas.
Portanto:
1 - muitas pessoas estão separadas do amor de Deus; 2 - o desejo de Deus de salvar é frustrado no caso de muitas pessoas; 3 - a morte de Jesus não conseguiu salvar muitos por quem o Filho de Deus, de fato, morreu.
A razão para este triste estado das coisas é que tais pessoas se recusaram a crer em Jesus, embora eles fossem capazes de fazêlo em virtude de seu livre arbítrio.
Por outro lado, a razão pela qual os outros são salvos não é porque Deus os amou, desejou a sua salvação, e deu Seu Filho para morrer por eles (pois Ele também amou os que perecem, desejou a salvação deles, e deu Seu Filho por eles), mas que, por meio de seu livre arbítrio, escolheram crer.
Concluindo, a condenação dos ímpios é a derrota e decepção de Deus, ao passo que a salvação dos crentes é a própria obra deles.
Quando homens defensores de "todos os homens, sem exceção" citam João 3:16, esta é a forma como eles estão lendo:
"Porque Deus amou todos os homens, sem exceção, que deu o seu Filho unigênito para morrer por todos os homens, sem exceção, com o desejo de que todos os homens, sem exceção, sejam salvos, para que todo aquele que crê, por seu livre arbítrio, não pereça, mas tenha a vida eterna."
Sempre que alguém desafia a confissão do amor particular e exclusivo de Deus pelos Seus eleitos, citando João 3:16, devemos concluir com pesar que ele defende a posição doutrinária estabelecida acima e deseja confessá-la publicamente, a fim de, assim, derrubar a doutrina reformada da predestinação, expiação limitada, depravação total, graça eficaz e a preservação dos santos (o que é apenas uma forma elaborada de dizer, a salvação pela graça somente o Evangelho).
A palavra mundo no Evangelho de João não significa "todos os homens, sem exceção" . Comprove:
João 1:29: "Vejam! É o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!". Por acaso Cristo por meio de Sua morte tirou o pecado de todos os homens, sem exceção? Se ele tirou, todos os homens, sem exceção, serão salvos.
João 6:33. "Pois o pão de Deus é aquele que desceu do céu e dá vida ao mundo". Por acaso Jesus dá vida (não, inutilmente oferece vida, mas eficazmente dá vida) a todos os homens, sem exceção? Se ele dá, todos os homens, sem exceção, têm a vida eterna.
João 17:9: "Eu [Jesus] não estou rogando pelo mundo". Jesus se recusa a orar por todos os homens, sem exceção?
Este último texto aponta que a palavra, mundo, no Evangelho de João, nem sempre têm o mesmo significado. Em João 3:16, o mundo é amado por Deus, com um amor que dá o Filho de Deus por sua causa; em João 17:9, o Filho de Deus se recusa a rogar pelo mundo. Os santos não devem chegar a um entendimento do mundode João 3:16 por meio de uma suposição rápida, mas pela interpretação cuidadosa da passagem à luz do resto da Escritura.
Qual é então a verdade sobre o mundo de João 3:16?
Amado por Deus com um amor divino, todo poderoso, eficaz, fiel e eterno, o mundo é salvo. Todo ele! Todos eles!
Redimidos pela preciosa, digna, poderosa e eficaz morte do Filho de Deus, o mundo é salvo. Todo ele! Todos eles!
A salvação de todas as pessoas incluídas no mundo de João 3:16 é devido unicamente ao amor eficaz de Deus e a morte redentora de Cristo por eles; enquanto que aqueles que perecem nunca foram amados por Deus, nem redimidos por Cristo, ou seja, eles não fazem parte do mundo de João 3:16.
O mundo de João 3:16 [2] é a criação feita por Deus no princípio (agora desordenado por causa do pecado) juntamente com os eleitos de todas as nações (agora por natureza filhos da ira tanto quanto os outros) como sendo o cerne do mesmo. Com respeito às pessoas dele, o mundo de João 3:16 é a nova humanidade em Jesus Cristo, o último Adão (Cf. 1Co 15:45). João chama esta nova raça humana"o mundo", a fim de mostrar e enfatizar, não só o povo judeu, mas todas as nações e povos (Cf. Ap 7:9). As pessoas que compõem o mundo de João 3:16 são todos aqueles, e só aqueles, que se tornarão crentes aquele que crê; e é o eleito que crê (Cf. At 13:48).
Esta explicação de João 3:16 não é uma nova interpretação estranha sonhada por hipercalvinistas contemporâneos, mas a explicação que foi dada no passado pelos defensores da fé que chamamos reformada, ou seja, por aqueles que confessavam a graça soberana de Deus na salvação dos pecadores.
Esta foi a explicação dada por Francis Turretin[3]:
"O amor tratado em João 3:16 [...] não pode ser universal para todos e para qualquer um, mas especial para alguns [...] porque a finalidade do amor de Deus é a salvação daqueles a quem Ele busca com tal amor [...] Portanto, se Deus enviou Cristo para esse fim, que por meio d'Ele o mundo fosse salvo, Ele necessariamente ou falhou em Seu objetivo, ou o mundo precisa ser salvo, de fato. Mas é certo que não é o mundo inteiro, mas somente aqueles escolhidos do mundo que são salvos; logo, a menção deste amor é devidamente aos escolhidos [...]
Por que então o mundo não deveria ser entendido aqui, não como universal para indivíduos, mas indefinidamente para qualquer um, tanto judeus quanto gentios, sem distinção de nação, língua ou posição social, para que se possa dizer que Ele amou a raça humana; enquanto que Ele não desejava destruí-la completamente, mas decretou salvar certas pessoas, não somente de um povo como anteriormente, mas de todos os povos indiscriminadamente, embora os efeitos desse amor não seja estendido a cada indivíduo, mas apenas para algumas, ou seja, os escolhidos do mundo?"[4]
Sobre a palavra, mundo, na Escritura, Abraham Kuyper escreveu:
"Porque, se há alguma coisa que é certa a partir de uma leitura um pouco mais atenta da Sagrada Escritura, e que pode ser defendida como firmemente estabelecida, é, realmente, o fato irrefutável, que a palavra mundo na Sagrada Escritura apenas significa 'todos os homens' em raríssimas exceções, e quase sempre significa algo completamente diferente.
Em uma explanação, mais específica, sobre o "mundo" de João 3:16, Kuyper chegou a dizer que a menção é ao "próprio cerne" da criação, o povo eleito de Deus, "o qual Jesus arrebata de Satanás".
"[...] a partir deste cerne, desta congregação, deste povo, um 'novo mundo', uma 'nova terra e novo céu', um dia surgirão, por uma obra maravilhosa de Deus. A terra não serve apenas para permitir com que os eleitos sejam salvos, para em seguida, desaparecer. Não, os eleitos são homens; esses homens formam um todo, um acervo, um organismo; esse organismo está fundamentado na criação; e porque esta criação é agora o reflexo da sabedoria de Deus e da obra de suas mãos, a administração dela por Deus não pode se tonar em nada, mas no Grande Dia a vontade de Deus para esta criação será perfeitamente realizada."[5]
Essencialmente, esta é a mesma interpretação de Arthur W. Pink[6]:
"Passando agora para João 3:16, deveria ser evidente, a partir das passagens que acabamos de citar, que este versículo não vai suportar a construção que é costumeiramente colocada sobre ele. 'Porque Deus amou o mundo de tal maneira'. Muitos supõem que isto significa, toda a raça humana. Mas 'toda a raça humana' inclui toda a humanidade, desde Adão até o fim da história da Terra: alcança o passado bem como o futuro! Considere, então, a história da humanidade antes de Cristo nascer. Incontáveis milhões de pessoas viveram e morreram antes do Salvador ter vindo à terra, viveram aqui 'não tendo esperança e sem Deus no mundo', e, portanto, foram para uma eternidade de aflição. Se Deus os 'amou', onde se encontra uma prova, a menor prova que seja, disso?"
"A Escritura declara: 'No passado [a partir da torre de Babel até depois do Pentecostes] Ele [Deus] permitiu que todas as nações seguissem os seus próprios caminhos' At 14:16. A Escritura declara que 'Visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam'. Rm 1:28. Para Israel Deus disse: 'Escolhi apenas vocês de todas as famílias da terra' Am 3:2. Levando em conta estas claras passagens, quem será tão tolo a ponto de insistir que Deus no passado amou toda a humanidade?! O mesmo se aplica com igual força para o futuro [...] Mas o objetor volta para João 3:16 e diz: 'Mundo significa mundo'. É verdade, mas nós mostramos que 'o mundo' não significa toda a família humana. O fato é que 'o mundo' é usado de maneira geral [...]."
"Agora, a primeira coisa a se observar em conexão com João 3:16 é que nosso Senhor estava falando ali com Nicodemos, um homem que acreditava que as misericórdias de Deus eram restritas à sua própria nação. Cristo ali anunciou que o amor de Deus em dar o Seu filho tinha um objeto maior em vista, que fluía além do limite da Palestina, chegando aos 'confins da terra'. Em outras palavras, este foi o anúncio de Cristo que Deus tinha um propósito de graça para com os gentios bem como para com os judeus. Portanto, 'Porque Deus amou o mundo de tal maneira', significa que o amor de Deus é internacional em seu escopo."
"Mas isso significa que Deus ama cada indivíduo entre os gentios? Não necessariamente, pois, como vimos, o termo 'mundo' é geral e não específico, relativo e não absoluto [...] o 'mundo' em João 3:16, em última análise, refere-se necessariamente ao mundo do povo de Deus. Somos obrigados a dizê-lo, pois não há nenhuma outra solução alternativa. Não pode significar toda a raça humana, pois metade da raça já estava no inferno quando Cristo veio à Terra. É injusto insistir que significa cada ser humano que está vivendo agora, pois todas as outras passagens no Novo Testamento, onde o amor de Deus é mencionado, é limitado a Seu próprio povo pesquise e veja!"
"Os objetos do amor de Deus em João 3:16 são, precisamente, os mesmos objetos do amor de Cristo em João 13:1: 'Um pouco antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que havia chegado o tempo em que deixaria este mundo e iria para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim'. Podemos admitir que a nossa interpretação de João 3:16 não é um romance inventado por nós, mas um que nos foi dado, quase uniformemente, pelos reformadores e puritanos, e muitos outros depois deles.[7]"
Nós apenas podemos estranhar que os reformados tenham tão rapidamente se afastado da verdade do soberano, particular e eletivo amor de Deus em Jesus Cristo; verdade a qual não foi só confessada "pelos reformadores e puritanos" antes deles, mas também tem sido confessada pela própria igreja reformada em seu credo, os Cânones de Dort.
Quem os enfeitiçou?
Quanto a nós, estamos determinados, por causa do amor à verdade, a se opor à mentira sobre o amor de Deus em Jesus Cristo por todos os homens, sem exceção; a tentar resgatar aqueles que tem sido levados cativos por esta doutrina; e a pregar e testemunhar, perto e longe, a tempo e fora de tempo, o amor de Deus pelomundo que salva o mundo, a morte do Filho de Deus que redimiu o mundo, o propósito de Deus para a salvação de pecadores a qual está consumada, e a salvação dos pecadores escravizados por meio do soberano poder da graça de Deus somente, para o conforto de todo cristão e para a glória de Deus.
_____________________________
Notas:
[2] Em grego: cosmos, de onde vem a nossa palavra no inglês, cosmos, refere-se ao nosso"ordenado, harmonioso e sistemático universo".
[3] Francois Turretin (1623-1687) um teólogo reformado de Genebra.
[4] Theological Institutes.
[5] [Dat De Genade Particulier Is (That Grace is Particular). My translation of the Dutch.]
[6] Arthur W. Pink (1886-1952).
[7] A Soberania de Deus - A. W. Pink
***
Fonte: "Deus Amou o Mundo de Tal Maneira Que Deu Seu Filho..." - Homer Hoeksema (Apêndice)
.
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
Objeções às Doutrinas dos Decretos e da Predestinação de Deus 1/2
A doutrina dos decretos de Deus e especialmente a da predestinação têm enfrentado muitas objeções. Vamos considerar as mais importantes.
1. A primeira e mais importante objeção contra estas doutrinas é a que se refere à harmonia entre a soberania de Deus e o livre arbítrio ou livre agência do homem.
Antes de prosseguir, é necessário definirmos o sentido de liberdade. De acordo com o ponto de vista arminiano ou indeterminista, liberdade significa a capacidade de escolha contrária. Os arminianos ensinam que, para ser responsável como ser moral, o homem precisa ser livre em suas decisões. Ensinam, igualmente, que, por causa do pecado, o homem precisa do auxílio da graça divina, para levá-lo a aceitar a Deus, porém até neste caso Ele tem o poder de dizer “Não” a Deus, resistir à atuação de Sua graça e anulá-la, de modo que, se for condenado, é o único culpado.
O ensino de Calvino, a este respeito, é que foi somente antes da Queda que o homem teve esse poder de escolha contrária entre o bem e o mal; que foi somente então que ele teve livre arbítrio, no sentido arminiano ou indeterminista. Ensina que depois da Queda o homem perdeu esse livre arbítrio. Por causa disto ele prefere não usar o termo livre arbítrio para descrever a livre agência do homem. Afirma que o homem ainda tem uma vontade, porém não livre, em vista de estar escravizado à sua natureza corrompida. Não tem mais poder de escolha entre o bem e o mal e, portanto, não tem poder de escolher a Deus, o céu, e a santidade. Leiamos o que ele escreveu sobre o assunto:
“Admitido isto, ficará fora de qualquer dúvida que o homem não possui livre arbítrio para boas obras, a não ser que seja assistido pela graça, e essa graça especial concedida aos eleitos na regeneração”. [1]
E mais:
“Dir-se-á que o homem possui livre arbítrio neste sentido, não o de ter capacidade de escolher livre e igualmente o bem e o mal, mas porque faz o mal voluntariamente, e não por coação. Isto, com efeito, é muito verdade. Mas que adianta enfeitar uma coisa tão diminuta com um título tão pomposo? Bonita liberdade, esta: o homem não é compelido a servir ao pecado, mas é um escravo por tal forma voluntário que sua vontade se mantém na servidão, agrilhoada por esse pecado”. [2]
Como vemos, Calvino abstêm-se de empregar o termo livre arbítrio com referência ao homem caído, porque embora seja certo que esse homem não é coagido em sua vontade, fazendo o mal “voluntariamente”, “sua vontade se mantém em servidão, agrilhoada pelo pecado”.
A mesma posição é mantida por Lutero, em seu livro O Cativeiro da Vontade. Disse ele:
“Quando se admite e estabelece que o Livre Arbítrio, havendo uma vez perdido sua liberdade, é compelido ao serviço do pecado, e nada pode querer de bom, poço compreender daí que Livre Arbítrio é nada mais do que uma expressão oca, cuja realidade se perdeu. E liberdade perdida, de acordo com a minha gramática, não é absolutamente liberdade”. [3]
Calvino, entretanto, não negou que o homem, depois da Queda, ainda tivesse vontade, não porém vontade livre (livre arbítrio). Disse ele:
“À vontade, conseguintemente, está presa por tal forma à escravidão do pecado que não pode desvencilhar-se dela, muito menos dedicar-se a qualquer bem. Porque tal disposição é o começo de conversão a Deus, a qual as Escrituras atribuem exclusivamente à graça divina... Não obstante, ainda resta a faculdade da vontade, a qual com gosto fortíssimo inclina-se e corre para o pecado. Porque, submetendo-se o homem a essa força inevitável, não se priva de sua vontade, senão que da sanidade da mesma. Bernardo observa com propriedade que todos nós temos um poder de querer; mas querer o bem é vantagem, querer o mal é defeito. Por isso, o simples querer pertence ao homem; querer o mal pertence à natureza corrompida; querer o bem pertence à graça”. [4]
Podemos ver, pois, que a definição que Calvino apresenta de livre arbítrio é indeterminista. Para ele livre arbítrio é o poder de escolha contrária, e esta, somente Adão teve, antes da Queda. Agora o homem é livre apenas no sentido de não ser coagido por força externa, nas suas decisões, agindo voluntariamente segundo as inclinações de sua natureza corrompida.
A Confissão de Westminster e alguns calvinistas mais recentes, porém, fazem um conceito diferente de livre arbítrio, atribuindo-o ao homem, mesmo em seu estado de queda. Vejamos o que diz a Confissão sobre o assunto:
“Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas”. (Cap. III, § 1).
E ainda:
“Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para p mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta da sua natureza”. (Cap. IX, § 1).
Em confirmação dessa declaração, a Confissão cita Dt.30:19; Jo.7:17; Ap.22:17; Tg.1:14 e Jo.5:40. Tanto a declaração acima transcrita como as citações bíblicas parecem indicar que a Confissão de Fé entende livre arbítrio no sentido de poder de escolha contrária, atribuindo-o ao homem, mesmo em seu estado de queda. Por causa disto alguns teólogos pensam que a Confissão é dialética em sua teologia sobre o assunto em foco. Mas o teor geral da Confissão mostra não querer dizer que o homem tem liberdade no sentido de ter poder de escolha contrária, mas no sentido de não ser coagido por força externa em suas decisões. Ele age de acordo com a sua natureza e suas inclinações e, portanto, é livre e responsável no que faz. Citando Tiago 1:14, nesta conexão, a Confissão indica ser este o sentido em que emprega o termo livre arbítrio. “Cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz” (Tg.1:14). Demais disso, a Confissão sustenta claramente esta posição no § III do Cap. sobre o Livre Arbítrio (Cap. IX):
“O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso”. (Cap. IX § 3).
O sentido da Confissão a respeito deste assunto é apresentado pelo Dr. A. A. Hodge, como segue:
“Quanto ao presente estado ao homem, nossos padrões ensinam (1) que ele é um agente livre, e capaz de querer como de um modo geral quer. (2) Que é igualmente capaz de desobrigar-se de muitos de seus deveres que decorrem de suas relações com o próximo. (3) Que sua alma, em razão da queda, estando moralmente corrompida e espiritualmente morta, e seu entendimento estando espiritualmente cego e seus afetos pervertidos, ele ficou “totalmente indisposto, incapacitado e adverso a todo o bem e inteiramente inclinado a todo o mal”. Conf. de Fé. Cap. VI, § 4, e Cap. XVI § 3; Cat. Maior, Pergunta 25).” [5]
Concordamos com esta interpretação e, por consequência, toda vez que empregamos o termo liberdade ou livre arbítrio significamos, com referência ao homem em seu estado de queda, liberdade de agência. O homem age sem coação, naquilo que faz, de acordo com a sua natureza e tendências, e portanto é responsável.
Consideremos o que Paulo diz sobre isto em Fp.2:12,13. No v.12: “Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só a minha presença porém muito mais agora minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor”. É verdade que ele aí fala de obediência e, portanto, de santificação, isto é, salvação do domínio de nossos pecados, na qual precisamos cooperar com o Espírito de Deus. Mas o fato é que ele apela para a vontade e ação daqueles crentes. "Desenvolvei a vossa salvação". Se Paulo tivesse parado aí, pensaríamos que essa obediência dependia inteiramente da vontade e esforços deles. No verso seguinte, no entanto, imediatamente depois de declarar o que acabamos de ler, o apóstolo acrescenta, “Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade”. Isto mostra que, em última análise, nossa vontade, quando bem dirigida, está sob o controle do poder de Deus. A mesma coisa se ensina em Hb.13:20,21, onde lemos, “Ora, o Deus da paz... vos aperfeiçoe em todo bem, para cumprirdes a sua vontade, operando em vós o que é agradável diante dele”. De acordo com a exortação de Paulo, na passagem de Filipenses, precisamos desenvolver nossa salvação do domínio do pecado, e nesta luta contra nossas tendências herdadas e contra nossos velhos hábitos, precisamos naturalmente de depender de nossa vontade. Não podemos realizar nada se não queremos, a não ser que sejamos coagidos. Temos, porém uma natureza corrompida, nosso velho homem ainda está em nós, e assim nossa vontade naturalmente nos compele e arrasta em direção errada. Quando, pois, contra nossa natureza pecaminosa, queremos o bem e o realizamos, é realmente Deus que opera em nós “tanto o querer como o realizar”. Como Paulo disse em Rom. 8:2, “A lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte”. Ora, se depois de nossa regeneração e conversão ainda precisamos que Deus exerça seu poder sobre a nossa vontade, para que façamos “o que é agradável à sua vista”, que pode fazer o homem antes que o milagre da regeneração se opere em sua alma?
Antes da regeneração éramos “filhos da desobediência”, e então o “príncipe das potestades do ar” era quem operava em nós (Ef.2:2). O mesmo verbo que Paulo emprega em Fp.2:13 relativamente à atuação de Deus sobre a vontade do crente, emprega em Ef.2:2 concernente à atuação de Satanás sobre o incrédulo. Antes que a pessoa se converta, sua vontade está sob a direção de Satanás, sob o poder do mal. Depois de sua conversão, está sob a direção do Espírito de Deus.
Cremos que a vontade do homem é produto de seu caráter, e desde a Queda esse caráter é pecaminoso. Pecado é rebelião contra a vontade de Deus, ou desobediência às suas leis, que são expressões de sua vontade. Paulo chama esta natureza pecaminosa do homem “carne”, e afirma que “ela não se sujeita à lei de Deus, nem de fato é possível que se sujeite”. Portanto, visto como a vontade do homem é por natureza contrária à de Deus, a salvarão, um de cujos aspectos é reconciliação com Deus (2Co.5:18-20), não se pode realizar enquanto Deus não modifique nossa natureza e faça que a nossa vontade entre em acordo com a sua. É interessante observar que Paulo fala de reconciliação com Deus depois de afirmar que “se alguém está em Cristo, é uma nova criatura”. Ao mesmo tempo vale notar que o processo dessa reconciliação parte de um apelo de Deus ao homem, a toda a sua personalidade, inclusive naturalmente sua vontade, que é uma expressão dessa personalidade. “De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2Co.5:20).
Jesus disse, que “todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo.8:34). Todos os homens são pecadores: portanto, todos são escravos do pecado. Somente Cristo pode libertá-los mediante o conhecimento de sua verdade. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” (Jo.8:32,36); Antes da Queda o homem podia escolher entre o bem e o mal. É este o sentido da prova pela qual passou depois de haver sido criado. Deus colocou diante dele duas alternativas, chamadas na Bíblia “o conhecimento do bem e do mal”. Há dois métodos de se conhecer o bem e o mal: é o método de Deus e o método de Satanás. O método divino de se conhecer o bem é a experiência, e o de se conhecer o mal é o contraste. O método de Satanás é de se conhecer o mal pela experiência, e o bem pelo contraste. Escolhendo o método de Satanás de conhecer o bem e o mal, o homem decidiu qual séria a inclinação de seu caráter, que desde então se tornou pecaminoso, isto é, contrário a Deus e a todo o bem. O céu, para o homem sem regeneração, seria um inferno. Se a pessoa nenhum prazer sente em ir à igreja, aqui na terra, se não experimenta nenhuma alegria em adorar a Deus agora, tal prazer ela não terá no céu.
O ensino calvinista, portanto, acerca da liberdade é que o homem é livre no sentido de ser capaz de escolher o que está de acordo com a sua natureza corrompida. E isto ele faz voluntariamente, espontaneamente, sendo por isso responsável pelo que pratica. Se Deus é livre quando, de acordo com a sua natureza, só escolhe o bem, o homem é também livre no sentido determinista, e conseguintemente responsável quando, de acordo com a sua natureza corrompida, só escolhe o mal. Um porco é livre na escolha da lama, mas não o é para escolher o que é limpo, porque isto vai de encontro à sua natureza. E assim, quando um pecador, que aparentemente se converteu, volta permanentemente à sua vida velha de pecado, é como “a porca lavada” que volta “a revolver-se no lamaçal” (2Pe.2:22).
Com referência a este fato Calvino escreveu:
“Portanto, se uma força inevitável de fazer o bem não enfraquece a liberdade da vontade divina em fazer o bem; se o demônio, que só pode fazer o mal, apesar disso peca voluntariamente; quem pois afirmará que o homem peca menos voluntariamente por estar sob uma força inevitável de pecar?” [6]
Escrevendo sobre Liberdade e Determinismo em seu livro Nature, Man, and God, o Dr. William Temple alude à doutrina de Agostinho sobre a vontade, nos seguintes termos:
“Santo Agostinho, tanto quanto eu saiba, foi o primeiro a perceber esta verdade (isto é, que a vontade é a expressão da personalidade completa) e sua influência na Europa, que mais frutos produziu, teve sua origem nessa percepção. Numa passagem sua muito conhecida, a que já fiz alusão, ele pergunta por que é que quando quero mover minha mão, esta imediatamente se move, ao passo que quando desejo querer o bem minha vontade fica paralisada. Sua resposta é que no segundo caso eu não quero de modo completo, porque se eu já queria o bem não preciso desejar querê-lo; se eu desejo querê-lo, isso prova que eu não quero de modo completo. Noutras palavras, embora a vontade possa em larga escala dirigir meu corpo ela não pode em dado momento dirigir-se a si mesma. Ela é o que é. Se ela se entrega a ambições egoísticas ou a prazeres carnais, este mesmo fato impede-a de mudar de direção; ela não pode mudar porque não quer mudar; se o quisesse, isso em si já seria a mudança. Naturalmente pode haver uma vontade muitíssimo sincera de mudar, pias isso é diferente; é algo que se pode tornar uma parte integrante de uma vontade para o bem; mas enquanto estiver também presente qualquer forma de; desejo de gozar o mal, com força propulsora aproximada do desejo do bem, há apenas dois desejos incompatíveis. e nenhuma vontade real ou eficaz”. [7]
Se isto é correto, como creem os calvinistas, o homem precisa experimentar uma transformação completa de seu caráter e, pois, em sua vontade, antes de poder aceitar a Cristo e seguí-LO. Esta transformação é o que a Bíblia chama regeneração ou novo nascimento. E quando Deus cria o homem novamente, para a nova vida, faz que ele deseje o bem, sem constranger sua natureza, porém dando-lhe realmente uma nova natureza com novos impulsos e desejos. É a esta experiência que Pedro se refere, quando diz, “Pelo seu divino poder nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude, pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas para que por elas vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo” (2Pe.1:3,4).
Antes da Queda o homem era, por assim dizer, neutro. Tendo escolhido o mal, deu certa direção ou tendência à sua natureza e, portanto, à sua vontade. Ora, pela regeneração, Deus imprime nova tendência à natureza do homem e, por conseguinte, à vontade dele, de sorte que quando o crente peca, por causa da fraqueza da carne, peca contra a vontade, e na realidade não precisa sujeitar-se mais ao pecado, se vive na nova esfera da vida espiritual. Como Paulo disse, “Se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e, sim, o pecado que habita em mim. Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro na lei do pecado que está nos meus membros” (Rm.7:20,23) Dentro de nós lutam entre si o homem velho e o homem novo. Mas um dia o crente ficará completamente livre da presença do pecado, e será como Cristo que não pode pecar. “Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque havemos de vê-lo como ele é” (1Jo.3:2).
Nesta conexão vale a pena citar a seguinte declaração de Mozley:
“O mais alto e perfeito estado da vontade é um estado de necessidade; e o poder de escolha, longe de ser essencial a uma verdadeira e genuína vontade, é sua fraqueza e defeito. Que maior sinal pode haver de um imperfeito e imaturo estado da vontade do que, ante o bem e o mal, ter de ficar hesitante entre um e outro?” [8]
Como já foi declarado, os arminianos reconhecem que a vontade do homem necessita da assistência da graça de Deus, para ajudá-lo em escolher e seguir a Cristo. Mas ensinam também que a vontade do homem é capaz de se opor a essa influência da graça de Deus e de vencê-la, de modo que, em última análise, é o homem quem decide seu destino eterno. É verdade que o homem sempre resiste à influência do Espírito de Deus, e isto por causa de sua natureza pecaminosa. Foi esta a lição do mundo antediluviano. O Espírito de Deus contendia com aquela gente, mas eles o resistiam, de modo que por fim Deus declarou, “Meu Espírito não contenderá para sempre com o homem” (Gn.6:3). E por que resistiam? Por causa da natureza deles corrompida, assim descrita, “Era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (Gn.6:5). Através das eras o Espírito de Deus vem lutando com o homem, e o homem sempre a Ele resistiu. Todavia assim não acontece com os regenerados, porque estes, mediante uma intervenção miraculosa de Deus, são criados de novo para a vida espiritual. Os irregenerados resistem porque têm uma natureza pecaminosa, avessa a todo o bem. Os regenerados não podem resistir porque recebem de Deus uma nova natureza que aprecia o bem e a santidade. A essa nova natureza, que em nós luta continuamente contra o velho homem, João se refere, ao dizer, “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1Jo.3:9). João não está falando aí do nosso velho homem, que não é nascido de Deus, e sim do nosso novo homem, nascido de Deus. Este “homem interior”, como Paulo lhe chama, não é criação nossa, mas criação do Espírito de Deus. Esta é a razão por que os calvinistas distinguem entre graça comum e graça especial. O homem sempre resiste a graça comum de Deus, mas, não pode resistir sua graça especial pela qual é feito nova criatura. Significa isto que o homem é constrangido a aceitar a Deus? Absolutamente não. Ele não podia aceitá-LO por causa de sua cegueira. Deus porém restaurou-lhe a visão. Não podia aceitá-LO por se achar morto espiritualmente. Deus porém fê-lo reviver. E depois dessa transformação maravilhosa, ele aceita e segue a Deus espontaneamente. Foi isto exatamente o que Cristo ensinou, quando disse, “Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como vos disse. Minhas ovelhas ouvem minha voz e eu as conheço, e elas me seguem”, e naturalmente O seguem voluntária e alegremente.
“O poder pelo qual a obra da regeneração se efetua não é de natureza externa ou compulsória. O homem não é tratado como se fosse uma pedra ou um pau. Nem como se fosse um escravo, compelido contra sua própria vontade a procurar a salvação. Antes sua mente é iluminada, e todos os seus conceitos a respeito da Deus, de si, do pecado, são mudados. Deus envia o Seu Espírito e, de um modo que para sempre redundará no louvor de sua misericórdia e graça, suavemente constrange a pessoa a render-se. O homem regenerado vê-se governado por novos motivos e desejos, e coisas que antes aborrecia agora as ama e procura. Esta mudança não se efetua por nenhuma compulsão externa, mas por um novo princípio de vida que lhe foi criado na alma e que procura o único alimento que pode satisfazê-la”. [9]
Assim como Deus não constrange a vontade do homem na regeneração, do mesmo modo não a constrange quando leva o ímpio a cumprir seus planos. Este fato já foi provado quando consideramos o caso de José, filho de Jacó; o caso dos assírios e babilônios; o caso de Ciro; e especialmente o caso dos assassinos de Cristo. Estes últimos, por exemplo, foram livres e responsáveis pelo que fizeram, de modo que Pedro os acusou. Mas ao mesmo tempo realizaram o que fora decidido “pelo determinado desígnio e presciência de Deus” (At.2:23). Eles “se ajuntaram... para fazer tudo” o que a “mão” de Deus e o seu “propósito” “predeterminaram” (At.4:27,28). Como pode Deus fazer que o homem proceda livre e espontaneamente nestes e noutros casos? Não o sabemos bem. Sabemos, porém, que Deus compreende o coração humano melhor do que nós, e sabe exatamente como agimos em certas circunstâncias. Sabemos, outrossim, que é Deus quem cria as circunstâncias. Há na Bíblia um texto que dá uma idéia do método de Deus dirigir o homem a fazer o que Ele tem determinado, sem constrangê-lo, e portanto sem torná-lo irresponsável. “Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina” (Pv.21:1). Note-se que o coração do rei é comparado aí a “ribeiros de águas”. A água, por natureza, flui de um nível mais alto para outro mais baixo. Quando queremos levá-la para algum lugar mais baixo, a única coisa a fazer é cavar uma vala, e então a água corre naturalmente para o lugar que desejamos. Não a obrigamos a correr; é de sua natureza fazer assim. É isto o que Deus faz com o coração do homem. Conhecendo-lhe a natureza, cria as circunstâncias nas quais ele toma determinada direção, sem nenhuma coação. Mas isto é apenas uma ilustração. O fato é que não compreendemos de modo completo este assunto misterioso.
“A onipotência divina combinada com a onisciência de um lado, e o livre arbítrio humano do outro, parecem de fato idéias incompatíveis à razão do homem. Contudo, somos compelidos a tornar em consideração ambas as coisas — uma à base não apenas do ensino bíblico, mas igualmente do conceito que fazemos do Ser Divino; a outra à base não somente do nosso conceito de Justiça Divina, mas igualmente de nossa percepção íntima, irresistível e do ensino bíblico também. Essa dificuldade de reconciliação de duas idéias aparentemente necessárias não é peculiar à teologia. A filosofia tem-na também. Há necessitários entre os filósofos, tanto quanto predestinacianistas entre os teólogos, igualmente a contradizerem a percepção íntima, irresistível do homem de possuir o poder de escolha. Só podemos considerar os conceitos em choque como apreensões parciais de uma grande verdade que, de um modo geral, está além de nosso alcance. A aparente contradição entre eles pode ser devida ao fracasso de seres finitos compreenderem o infinito. Têm sido comparados a duas linhas retas paralelas, que de acordo com a definição geométrica nunca se encontram e, contudo, segundo teoria matemática mais elevada, encontram-se no infinito. Ou podemos ilustrá-los com uma assíndota, que de um ponto de vista finito jamais pode atingir uma curva, e todavia, em geometria analítica, atravessa-a a uma distância infinita”.[10]
Como já foi declarado, a Bíblia tanto afirma a soberania de Deus como a livre agência do homem. Por exemplo, em Dt.10:16 apela-se ao povo de Israel para que circuncide seus corações, quando em Dt.30:6 lemos que é Deus quem circuncida ou regenera seus corações. Cf. Jer.4:4 e 24:7. Temos boa ilustração deste fato na cura do paralítico junto ao tanque de Betesda (Jo.5:1-9). Ao lado do tanque estava “uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos”. Jesus, no entanto, não curou todos, mas escolheu um dos paralíticos para esse fim. Isto é eleição. Contudo, não o curou contra a vontade dele. Antes de curá-lo, perguntou, “Queres ser curado?” Foi um apelo à vontade do homem.
A regeneração, por exemplo, tem dois aspectos — um passivo e outro ativo. O aspecto passivo é o que chamamos propriamente regeneração; ao ativo chamamos conversão. O Dr. Strong escreve:
“Faz-se necessário distinguir entre o aspecto passivo e o ativo da regeneração, como veremos, devido ao método duplo de a Escritura representar essa mudança. Em muitas passagens ela é atribuída inteiramente ao poder de Deus. A mudança opera-se na disposição fundamental da alma; não se faz uso de meios. Em outras passagens encontramos essa verdade referida como agência do Espírito Santo, e o espírito age em face da mesma. A distinção entre estes dois aspectos da regeneração parece sugerida em Ef.2:5,6 — “deu-nos vida juntamente com Cristo” e “com ele nos ressuscitou”. Lázaro precisou primeiro ser vivificado, e nisto ele não cooperou; mas precisou também sair do túmulo, e nisto ele exerceu atividade” [11]
Encerremos esta secção com palavras do Dr. Archibald Alexander:
“O Calvinismo é o sistema mais vasto. Encara a soberania divina e a liberdade da vontade humana como os dois lados de um teto, que se encontram na cumeeira acima das nuvens. O Calvinismo aceita ambas as verdades. Um sistema que negue uma delas tem só uma banda do teto sobre sua cabeça”. [12]
Continua nos próximos dias...
___________
Notas:
[1] João Calvino, Inst. da Relig. Cristã, Livro II, Cap. II, § 6.
[2] Ibidem, Livro II, Cap. II § 7, II, III.
[3] Martinho Lutero, The Bondage of Will, p. 125, apud Boettner, Op. Cit. p. 213.
[4] João Calvino, Op. Cit., Livro II, Cap. III, § 5.
[5] A. A. Hodge, Commentary on the Confession of Faith, p. 224.
[6] João Calvino, Op. Cit., Livro II, Cap. III, § 5.
[7] William Temple, Nature, Man, and God, p. 234.
[8] Mozley, The Augustinian Doctrine of Predestination, apud L. Boettner, op. cit., p. 216
[9] L. Boettner, op. cit., p. 178
[10] J. Barby, Commentary on Romans, In the Pulpit Commentary, Series Additional Notes on Romans ch. 8, v. 29.
[11] A. H. Strong, Op. Cit., p. 364.
[12] Archibald Alexander, apud A. H. Strong, op. cit., p. 369.
***
Fonte: FALCÃO, Samuel. Escolhidos em Cristo. 5º Ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012. pgs.: 131-145
.quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
Devem os crentes buscar o dom de profecia hoje? 2/3
A Ordem Apostólica de 1 Coríntios 14.1
Uma das passagens na qual a hermenêutica subjetivista dos continuístas pode ser percebida é 1 Coríntios 14.1: “Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas principalmente que profetizeis”. No caso, a igreja contemporânea teria o solene dever de seguir o amor, buscar com diligência os dons espirituais, sendo que o dom que deve ser mais buscado é o de profecia. Dizem os não-cessacionistas que essa passagem deve ser interpretada e aplicada às igrejas protestantes históricas na íntegra. Consequentemente, não fazer isso se constitui em sério pecado. Além de 1 Coríntios 14.1, outras passagens da mesma epístola são citadas com o propósito de fundamentar a ideia de que não buscar os dons revelacionais é pecado, rebeldia e desobediência[1]: “Entretanto, procurai com zelo os melhores dons” (1 Coríntios 12.31a); “Portanto, meus irmãos, procurai com zelo o dom de profetizar e não o proibais o falar em outras línguas” (1 Coríntios 14.39).
Estaria o apóstolo Paulo estabelecendo uma ordem que exigiria cumprimento perpétuo? Interessantemente, alguns defensores continuístas, ao usarem as passagens de 1 Coríntios como dicta probantia do seu ponto de vista, não apresentam nenhuma análise das passagens, ainda que perfuntória. Na verdade, contentam-se apenas em reproduzir as conclusões do carismático Wayne Grudem, que faz a seguinte pergunta retórica: “Se este estudo sobre o dom de profecia for convincente para alguns e se existe consenso de que suas conclusões são realmente o que a própria Bíblia ensina sobre o dom de profecia, então naturalmente surge a pergunta: que fazer com isso?”[2] Ele crê que deve existir consenso acerca de a sua pesquisa sobre o dom de profecia ser inquestionável.
O que Grudem afirma em seu livro é exatamente a mesma coisa afirmada por seus sequazes não-cessacionistas. Eis um exemplo dos argumentos grudenianos que, são repetidos sem nenhuma base exegética:
Contudo, outros versículos nas cartas de Paulo mostram que ele esperava que os coríntios assumissem a postura positiva de buscar o dom de profecia para si mesmos. “... busquem com dedicação os melhores dons” (1Co 12.31). “... busquem com dedicação os dons espirituais, principalmente o dom de profecia” (1Co 14.1). “... busquem com dedicação o profetizar” (1Co 14.39). Aparentemente, Paulo achava que os coríntios saberiam como fazer isso, apesar de ele nunca haver explicado o que essa busca envolveria. Todavia, existem várias indicações no texto de que Paulo esperava que pelo menos alguns passos os coríntios dessem.[3]
Grudem também não se preocupa em examinar a passagem aludida, reservando para si o direito de, meramente, citar a passagem buscando apoio para sua posição. Um típico exemplo da hermenêutica subjetivista contemporânea. Deve ser salientado que, em todos os lugares da sua obra O Dom de Profecia do Novo Testamento aos Dias Atuais, onde a passagem de 1 Coríntios 14.1 é mencionada, não há sequer uma única análise da mesma.[4] Simplesmente, assume-se um significado a seu respeito. Ademais, pode-se perceber certa confusão na sua argumentação, visto que, em determinada parte do livro Grudem afirma algo contrário à sua suposição: “Nesse contexto Paulo está argumentando que, ao procurar os dons espirituais, os coríntios deveriam buscar especificamente o dom de profetizar (14.1)”.[5] Ora, Paulo está ordenando que os coríntios busquem os dons, especialmente o dom de profecia, ou está dizendo que ao buscarem os dons, que dêem preferência à profecia? E, mais importante, será que há qualquer ordem no sentido de se buscar os dons revelacionais? Antes das respostas a esses questionamentos, é necessário entender o contexto maior da passagem: 1 Coríntios 12-14.
Isto posto, quando observado o contexto da passagem, de imediato pode-se perceber que o imperativo apostólico, em 1 Coríntios 14.1, era, antes de tudo, situacional, ou seja, visava remediar dificuldades existentes no seio daquela igreja local. A igreja de Corinto enfrentava problemas em diversas áreas: divisionismo, pecadores impenitentes, irmãos arrastando outros irmãos às barras dos tribunais, dúvidas quanto ao casamento, dúvidas em relação à participação em banquetes pagãos, a autoridade apostólica de Paulo, questões relacionadas à submissão feminina no culto e o uso do véu, embriaguez durante a Ceia do Senhor, e, finalmente, sérios problemas quanto ao exercício dos dons espirituais. Paulo trata desse último problema do capítulo 12 ao 14 de 1 Coríntios. A intenção do apóstolo Paulo era sanar as dificuldades existentes, normatizando o exercício dos dons espirituais em operação na igreja de Corinto.
O capítulo 12 coloca a ênfase na ação soberana do Espírito Santo quanto à distribuição dos carismas:
A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes. Sabeis que, outrora, quando éreis gentios, deixáveis conduzir-vos aos ídolos mudos, segundo éreis guiados. Por isso, vos faço compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus afirma: Anátema, Jesus! Por outro lado, ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo. Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos. A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um fim proveitoso. Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento; a outro, no mesmo Espírito, a fé; e a outro, no mesmo Espírito, dons de curar; a outro, operações de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a um, variedade de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las. Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente (vv. 1-11).
Simon Kistemaker afirma que: “O primeiro segmento desse capítulo revela mais sobre a operação do Espírito Santo do que qualquer outra passagem em 1 Coríntios”.[6] No trecho que vai do verso 1 ao verso 8, o termo grego pneuma aparece doze vezes. O Espírito Santo exerce um papel preponderante ao soberanamente dotar os crentes com dons para o bom funcionamento do corpo.
Geralmente é dito por parte dos não-cessacionistas, que o apóstolo Paulo condena aqui a ignorância quanto à existência e função dos dons, inclusive os revelacionais, no Corpo. Entende-se por “ignorância” a mesma coisa que “desconhecimento prático”. Diz-se que, as igrejas históricas não ensinam sobre os dons por causa da ignorância sobre o assunto. Afinal de contas, como ensinar e estimular algo que nunca fora vivenciado? A exigência da experiência para assegurar o ensino a respeito dos dons é um sofisma, afinal de contas, para que alguém possa ensinar sobre determinado assunto nas Escrituras, obrigatoriamente, deve tê-lo experimentado.
Além disso, o que Paulo quer dizer, exatamente, quando diz aos coríntios que não deseja que eles sejam ignorantes a respeito dos dons? O vocábulo agnoein, traduzido como “ignorantes” não tem o sentido de “ignorância prática”, como se os coríntios soubessem da existência dos dons e, mesmo assim, não os “buscassem”. Ao utilizar o vocábulo agnoein o apóstolo Paulo “deseja que os coríntios entendam a origem, a natureza, e o propósito das manifestações extraordinárias do poder divino, e que possam distingui-los”.[7] No que diz respeito à prática, o termo “se refere não apenas ao fato de ‘não saber’, como também pode se empregar num sentido geral para a ‘ignorância’ ou ‘falta de educação’”.[8] Nesse sentido, o comentário de Simon Kistemaker é interessante: “Paulo não quer que os coríntios desconheçam o uso apropriado dos dons espirituais. Em vez de usá-los em benefício de irmãos da igreja, alguns coríntios exibiam esses dons como distintivos de superioridade”.[9] “Paulo emprega o negativo duplo implícito para ressaltar que deseja pôr fim à falta de conhecimento dos seus leitores, fazendo com que participassem do conhecimento dele”.[10] O sentido é o de alguém que não está informado a respeito de algo. Trata-se de um sofisma afirmar que muitas pessoas pecam por saberem da existência dos dons miraculosos e revelacionais e, ainda assim, não os buscarem. É arbitrário e desonesto dizer que Paulo aqui condena a “ignorância prática”.
Nos versículos de 8 a 10, Paulo esboça alguns dons do Espírito, como por exemplo: palavra de sabedoria, palavra de conhecimento, fé, dons de curas, operações de milagres, profecia, discernimento de espíritos, variedade de línguas, e capacidade de interpretar as línguas.
Na seção seguinte (vv. 12-31), o apóstolo Paulo introduz o assunto do funcionamento e utilização dos diversos dons concedidos pelo Espírito Santo. Em primeiro lugar, o apóstolo combate o egoísmo de algumas pessoas que desprezavam aquelas que possuíam dons aparentemente mais simples (vv. 12-27). Em seguida, no versículo 28, Paulo apresenta outra lista de dons, que inclui alguns dos já mencionados anteriormente: apóstolos, profetas, mestres, operadores de milagres, dons de curas, socorros, governos, variedades de línguas e capacidade para interpretar as línguas (v. 30).
O capítulo 13 de 1 Coríntios é considerado pelos estudiosos como um interlúdio a respeito do amor. Paulo gasta todo um capítulo da sua epístola para ensinar os coríntios, tão cheios de si, a respeito daquele que é o “caminho sobremodo excelente”, o amor. Interessantemente, no versículo 8, o apóstolo Paulo faz uma afirmação a respeito das línguas, da profecia e da ciência: “O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará”. Há um enorme debate acerca desse versículo e dos subsequentes (vv. 9 e 10), no entanto, devido ao escopo do presente trabalho, a questão da cessação e do que é o “perfeito” não será discutida aqui.
_____________________
Notas:
[1] Cf. Vincent Cheung. Cessacionismo e Rebelião. Brasília: Monergismo, 2009. p. 2.
[2] Wayne Grudem. O Dom de Profecia do Novo Testamento aos Dias Atuais. p. 281.
[3] Ibid. p. 229.
[4] Conferir as páginas: 160, 229, 230, 251, 295, 417, 432 e 455.
[5] Wayne Grudem. O Dom de Profecia do Novo Testamento aos Dias Atuais. p. 160. Ênfase acrescentada.
[6] Simon Kistemaker. Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 570.
[7] Moisés C. Bezerril. A Natureza Apostólica dos Dons Espirituais de 1 Coríntios 12: Uma Abordagem Exegética aos Dons da Era Apostólica. Teresina: Berith Publicações, 2005. p. 3.
[8] E. Schütz. “agnoew”, In: Lothar Coenen e Colin Brown. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 406.
[9] Simon Kistemaker. Comentário do Novo Testamento: 1 Coríntios. p. 572.
[10] E. Schütz. “agnoew”, In: Lothar Coenen e Colin Brown. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. 1. p. 406.
***
Fonte: Cristão Reformado
Confira aqui a primeira parte da série:
Devem os crentes buscar o dom de profecia hoje? 1/3
Confira aqui a primeira parte da série:
Devem os crentes buscar o dom de profecia hoje? 1/3
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
Desmistificando o conceito de fé e profecias do neopentecostalismo
.
2.4 TAMANHO DA FÉ
Em Mateus 13:32, Jesus diz que o reino de Deus é semelhante a uma semente de mostarda, que, apesar de pequena se transforma em uma grande árvore. Olhando essa passagem o ensino de Jesus fica mais claro: o reino de Deus parecia ser insignificante, mas assim como a semente de mostarda cresce e se transforma em uma planta que pode atingir 3 metros de altura, assim aconteceria com o reino de Cristo. Há 5 passagens onde Jesus cita o grão de mostarda, 3 delas são uma comparação com o reino e 2 com fé, mas em nenhuma delas existe a palavra “tamanho”.
Apesar de algumas traduções trazerem “tamanho do grão de mostarda” (NVI e NTLH), a Bíblia não diz que a nossa fé tem que ter tamanho, muito menos compara o tamanho da fé com o tamanho da mostarda. Tanto o texto de Lucas 17:6, quanto a de Mateus 17:20 no Grego (o idioma em que foram escritas) trazem o seguinte:
É comum vermos pessoas dizendo que estão orando com muita fé, enquanto na verdade estão apenas pedindo com muita vontade. Ao invés de pedirem pela vontade de Deus, imploram ao vento que suas vontades sejam satisfeitas. Afinal, orar com muita vontade é orar com fé? Isso nos leva ao próximo item.
2.5 ORAR COM FÉ
A Bíblia diz que a oração eficaz é a oração feita com fé. Mas o que é orar com fé?
Irmão, não confunda fé com pensamento positivo. Pensar positivo é algo ótimo, aliás, otimismo é ótimo! Mas isso no máximo é sobre esperança e não sobre fé. Orar com otimismo não é orar com fé! Na verdade o otimismo confundido com fé é algo muito prejudicial à vida de um cristão, isso se chama Confissão Positiva e é uma confusão antibíblica que vamos falar um pouco mais à frente, mas grave essa expressão e pesquise melhor sobre ela quando puder. Continuando:
A oração não muda as coisas, Deus é que muda as coisas através da oração. É nisso que você precisa crer: que Deus pode mudar as coisas conforme Ele deseje. Assim como a Graça é o meio pelo qual somos salvos, a oração é o meio pelo qual Deus opera certas bênçãos, e ambos os meios são eficazes mediante a fé.
Já sabemos que: 1) nossas palavras não tem poder especial; 2) gritar frases de efeito como “eu determino” ou “eu tomo posse” não tem força espiritual; 3) repetir as frases é vão; 4) pensar positivo não é ter fé; 5) orar com muita vontade de ser atendido não é orar com fé. Falta falarmos sobre profetizar.
2.6 PROFETIZAR
O que é profetizar? Será que estamos profetizando quando declaramos algo com vontade, desejo e força ou será que esse é um entendimento equivocado sobre profecia? Estamos levando em conta o que Deus disse sobre “profetizar falsamente em meu nome”?
A ideia de profetizar as coisas que queremos ao invés de batalhar por elas ou de simplesmente orar é algo tentador, mas antes vamos ler algumas passagens bíblicas para ponderarmos a respeito:
Se você vive dizendo “eu profetizo” sempre que quer muito alguma coisa, me diga: o que você profetiza sempre se cumpre? Pense comigo, se alguma vez na vida você já profetizou algo que não se cumpriu com exatidão, você nessa situação foi um falso profeta. A Bíblia declara que quem profetiza falsamente merece a morte. Isso é muito sério. Se for seu caso, se arrependa e peça perdão ao nosso Deus, pois ele é fiel e justo para perdoar pecados.
Se você lê as passagens bíblicas sobre os profetas e pensa que tudo acontecia pela força da palavra deles, você está muito enganado.
Quando um profeta fala algo em nome de Deus, só pode ser duas coisas: 1) Ordem direta de Deus (palavras que o próprio Deus o mandou dizer); 2) Mentira do falso profeta (vontades do coração do homem);
Quando lemos uma profecia nas Escrituras, sabemos que cada palavra que o profeta falava tinha de proceder de Deus, ou ele seria um falso profeta (Nm 22:38; Dt 18:18-20; Jr 1:9; 14:14; 23:16-22; 29:31,32; Ez 2:7; 13:1-16). Alguns leem a passagens como 1 Reis 17:1 e não compreendem o texto, acham que o poder está na palavra do profeta ao invés da profecia ser um simples comunicado de Deus pela boca de um homem. Veja a passagem que mais confundem: “Vive o SENHOR Deus de Israel, perante cuja face estou, que nestes anos nem orvalho nem chuva haverá, senão segundo a minha palavra” (1 Reis 17:1).
Será que Elias tinha poder? Eram realmente as palavras dele que compunham uma profecia e que dava valor espiritual a ela? Vamos ler uma outra passagem de uma ocasião que ocorreu depois dessa e ver como as profecias aconteciam e de onde vinha realmente o poder e a decisão, atenção ao meu grifo:
"O SENHOR Deus de Abraão, de Isaque e de Israel, manifeste-se hoje que tu és Deus em Israel, e que eu sou teu servo, e que conforme a tua Palavra fiz todas estas coisas” (1 Reis 18:36).
Se até Elias afirmou que tudo que profetizava era conforme o que Deus o orientava diretamente, imagine só nós, meros humanos, achando que profetizamos o que queremos. Elias sempre agiu em conformidade com a ordem direta de Deus, não com pensamento positivo. Desejar não é profetizar. O fato de você usar a palavra "profetizo" numa frase não faz de você um profeta e muito menos faz da sua prece uma profecia. Isso no máximo, como já vimos, seria uma falsa profecia e faria de você um falso profeta. Tenhamos temor de Deus.
Talvez não seja seu caso, mas sabemos que muitos mal-intencionados se trajam de pastores com palavras de vitória e satisfação pessoal pra falar em nome de Deus, que eles não conhecem e que não os reconhecerá no Dia do Juízo (Mateus 7:22). A Bíblia ainda diz que falsos profetas fariam sinais e maravilhas enganando até os eleitos se possível! Se não acredita, leia Mateus 24:24.
Algumas pessoas talvez não acreditem mesmo nisso, pois hoje é algo tão frequente que parece não as incomodar. Será que a igreja está se acostumando com falsas profecias? As falsas profecias dão consolo momentâneo e com os dias as pessoas se esquecem delas, mas mesmo quando se lembram e percebem que foi uma falsa profecia, as pessoas não se manifestam mais!
Jamais aceite uma profecia que tenha origem na vontade humana. Profetizar não é declarar "em nome de Jesus" algo que Ele não disse (2 Pedro 1:21). Se o povo de Deus começasse ler mais a Bíblia veria o que realmente Deus está te dizendo e jamais ficaria sem resposta!
A fonte de toda profecia verdadeira na história nunca foi a decisão ou desejo do homem a respeito do que ele queria, mas os desígnios do próprio Deus.
Profecia a esmo, jogada ao vento não é profecia! As profecias bíblicas são específicas, e não o que normalmente vemos por aí! Querem ver profecias? Leiam as suas Bíblias, encham a cabeça com o Evangelho, se saturem de Cristo, e depois (se é que vão precisar) pensem em profecias extrabíblicas. (Jackson Jacques).[3]
“Quer ser um profeta de Deus? Cave a fundo as Escrituras Sagradas e proclame fielmente a mensagem de Deus!” (Roberto de Carvalho). [4]
2.7 CURAS E MILAGRES
Poderia escrever vastamente sobre esse assunto, mas o livro não é sobre isso, então vou fazer considerações básicas e óbvias a partir dos itens anteriores.
Profetizar, decretar, determinar ou ordenar uma cura é uma das formas de percebemos que não temos realmente nenhuma autoridade espiritual que não venha da decisão e vontade de Deus. Quando uma pessoa não é curada em sua igreja, mesmo com várias pessoas tendo "profetizado" a cura ou “determinado” e “tomado posse”, o que você pensa ter sido o problema? O cristão que não tem uma boa compreensão da Palavra sempre clamará pela bênção da forma errada, como se Deus tivesse alguma obrigação para com ele, mas quando não receber a bênção, vai sempre procurar um motivo para justificar essa espécie de derrota. Há cristãos que oram pensando de uma forma e depois se justificam de outra. Oram exigindo, mas ao não receberem, arranjam desculpas ao invés de se voltarem para a Bíblia e ver o que exatamente ela diz e quais são as promessas legítimas de Deus para nós.
Afinal, podemos orar por cura? Sim, devemos! A oração é um meio pelo qual Deus concede misericórdia mediante a fé de quem ora. Então fica a dúvida: por que a maioria das curas não acontece, mesmo com muita oração? Por que essa dúvida sempre aparece na mente do cristão, se a Bíblia tem tantas evidências claras? Será que esquecemos que Deus disse a Paulo que a Sua Graça lhe era suficiente depois dele orar para que Deus lhe tirasse um espinho na carne? Se não estiver nos planos de Deus, a cura não vem e pronto. Não sabemos os propósitos do Senhor. Eliseu, ainda depois de morto, ressuscitou um homem que caiu em cima de seu corpo! É lindo isso, mas parece que ninguém percebe o texto anterior que fala que Eliseu morreu de doença (2 Rs 13:14).
Vemos também o amigo de Paulo, que andava por todo canto com ele, vendo curas e talvez até as ministrando junto com o apóstolo (2 Tm 4:20 / 2 Co 12:9), no entanto, também não recebeu e obviamente eles tinham fé, ainda mais que nós hoje. Cristo orou “Pai não seja a minha, mas a tua vontade” (Lc 22:42); Paulo pediu cura e, quando não recebeu, conformou-se e glorificou a Deus, entendendo que o problema era exatamente para mantê-lo forte em Deus (2 Co 12:9).
Veja esse outra passagem: “Não bebas mais água só, mas usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades.” (1 Timóteo 5:23)
É um claro exemplo bíblico para nós de que muitos não serão curados, mas ainda assim alguns lobos, falsos mestres que saqueiam a noiva de Cristo, continuarão dizendo que todo cristão deve ser curado, e quando a cura não vem, logo colocam a culpa na falta de fé do doente. Poderiam dizer isso de Paulo, Timóteo e Eliseu?
Alguns maus ministros ensinam "exigir, determinar, decretar e ordenar a bênção", enquanto a Jesus, Paulo, Tiago e todo o restante da Bíblia ensinam a pedir. A Bíblia mostra ainda alguns casos em que a pessoa curada nem fé exercia! O cego do tanque de Betesda foi curado por Jesus sem ter fé e sem ao menos conhecê-lo; leia João 5: 8-13.
O cristão deve buscar em Deus a cura, deve clamar pelas bênçãos do Pai, deve perseverar, assim como Davi, homem segundo oração de Deus (Atos 13:22) e assim também compreender que o milagre que tanto queremos, mesmo clamando com persistência, pode não acontecer, pois em 2 Samuel 12 vemos o drama do rei Davi que clamou em jejum durante dias para que Deus curasse seu filho recém nascido, mas a cura não veio e a criança morreu.
O pastor Lécio Contu escreveu: “Deus não é o gênio da lâmpada, não somos o Aladim e oração não é magia!” [5]
Podemos orar por milagres, claro! Mas não podemos ignorar fatos que sabemos sobre profetas, apóstolos e outros homens santos da Bíblia; não podemos ser egocêntricos, achando que os planos de Deus estão baseados em nossos caprichos; não faz sentido ter tanto orgulho a ponto de pensar que Deus está em dívida e tem dia marcado pra se apresentar prontamente a curar e tampouco devemos deixar falsos profetas enganarem irmãos fracos na fé e no conhecimento, que são “levados em roda por todo vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente.” (Efésios 4:14).
Há curas, há milagres, jamais desacredite! Mas os milagres são pra exaltar o nome de Deus, não pra fazer nossa vontade. É por isso que Cristo orientou na oração do Pai Nosso: “Seja feita a Sua vontade.” Se é no Deus da Bíblia que nós acreditamos, então devemos, sim, pedir por cura, mas assim como na Bíblia, a cura pode não vir, ainda assim glorificaremos ao Deus de João 3:16, Romanos 3:24, Efésios 1:5, Romanos 5:8 e 1 João 4:16. Amém!
SOBRE FÉ
A fé não é um sentimento ou uma sensação. Ter fé não consiste em esperar, mas em ter fundamento para o que se espera. Ter fé é crer confiantemente que Deus é poderoso para intervir a seu favor.
A fé cristã é confundida por alguns com convencimento mental: “eu estou convencido disto, logo Deus está obrigado a agir”. Isso pode até ser fé em si próprio, mas não em Deus, não nas promessas, não na Sagrada Escritura. É preciso salientar que a fé cristã não está em insistir com Deus em nossos desejos pessoais, mas clamar a Ele que cumpra em nós Sua vontade.
Um dos enganos que as pessoas têm atualmente é colocar fé na fé e não fé em Deus. Fé é confiar em Deus, no Seu poder e na Sua vontade e não em nossa própria capacidade de confiar em Deus. Orar com fé não é orar com poder, é orar confiante no poder de Deus. (Vinicius Musselmann).[6]
Alguém irá perguntar: mas fé não é a certeza daquilo que nós esperamos?
Fé não é só isso. Isso é uma característica da fé. O versículo é uma descrição sobre quem tem fé e não um conceito sobre fé. A fé é o alicerce da vida cristã e é disso que o versículo trata. Entende a diferença? Vamos ver o versículo: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem.” (Hebreus 11:1). O versículo está dizendo que a fé é o que sustenta e fundamenta o que nós pedimos e esperamos. Não é uma definição de fé, ou seja, ele não está dizendo o que significa fé, mas diz que esperar está baseado na fé.
Outro detalhe é que “esperar” tem mais a ver com esperança. O versículo, em outras palavras, diz: “Quando você tem certeza de algo que está esperando, isso é fé”. No entanto, não temos como ter certeza de algo que nunca foi prometido a nós (como coisas corriqueiras do dia-a-dia), então oramos com esperança, como sugere o texto de Romanos 8:24-25: “Porque em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos.”
A fé não consegue tudo. Isso porque ter fé é acreditar que Deus tem poder, mas não que Ele de fato fará o que eu quero, pois isso é outra coisa: esperança. E essa é a maior confusão que costumamos fazer. A fé cristã é basicamente crer sem dúvidas nas promessas bíblicas. Assim como nossa esperança está fundamentada na fé, nossa fé deve estar firmemente fundamentada e se você é cristão, seu único fundamento é a própria Bíblia, não suas necessidades, objetivos e vontades pessoais. Um entendimento equivocado da fé bíblica fará com que sua oração seja egoísta, arrogante, hipócrita e sem fundamento. Aliás, fundamentada em você mesmo ao invés da Palavra.
Mas apenas conhecer a visão teológica sobre o assunto não nos tornará cristãos de oração. A condição de quem ora é fator crucial para a eficácia da oração.
2.4 TAMANHO DA FÉ
Em Mateus 13:32, Jesus diz que o reino de Deus é semelhante a uma semente de mostarda, que, apesar de pequena se transforma em uma grande árvore. Olhando essa passagem o ensino de Jesus fica mais claro: o reino de Deus parecia ser insignificante, mas assim como a semente de mostarda cresce e se transforma em uma planta que pode atingir 3 metros de altura, assim aconteceria com o reino de Cristo. Há 5 passagens onde Jesus cita o grão de mostarda, 3 delas são uma comparação com o reino e 2 com fé, mas em nenhuma delas existe a palavra “tamanho”.
Apesar de algumas traduções trazerem “tamanho do grão de mostarda” (NVI e NTLH), a Bíblia não diz que a nossa fé tem que ter tamanho, muito menos compara o tamanho da fé com o tamanho da mostarda. Tanto o texto de Lucas 17:6, quanto a de Mateus 17:20 no Grego (o idioma em que foram escritas) trazem o seguinte:
ει (Se) ειχετε (tiverdes) πιστιν (fé) ως (como) κοκκον (grão) σιναπεως (mostarda).
Se tiverdes fé como grão de mostarda.Nas passagens sobre fé Jesus comparou o próprio grão de mostarda com a fé, não o tamanho dele. Jesus estava ensinando sobre a semelhança da fé e uma pequena semente. A semente parece pequena, parece pouca coisa, mas é só disso que precisamos para plantar e assim é a nossa fé!
Os discípulos pediram a Jesus para que Ele aumentasse a fé deles. Jesus dá uma resposta que deixa claro a irrelevância do tamanho da fé. Ele usa como exemplo comparativo uma pequena semente de mostarda. O poder da operação do milagre não está na fé, mas em quem a fé é depositada: Deus! Você pode ter uma fé do tamanho de um caroço de abacate; mas, se a sua fé está firmada no saci-pererê, ela não valerá de nada! Não terá efeito, porque o saci-pererê nada pode fazer por você. Se a sua pequenina fé, tão pequena quando um grão de mostarda, está firmada no Deus vivo, a história é outra. Deus tem poder para operar o milagre independente de sua fé. Vou repetir: Quem opera o milagre é Ele, não a sua fé! (André R. Fonseca) [1]
É comum vermos pessoas dizendo que estão orando com muita fé, enquanto na verdade estão apenas pedindo com muita vontade. Ao invés de pedirem pela vontade de Deus, imploram ao vento que suas vontades sejam satisfeitas. Afinal, orar com muita vontade é orar com fé? Isso nos leva ao próximo item.
2.5 ORAR COM FÉ
A Bíblia diz que a oração eficaz é a oração feita com fé. Mas o que é orar com fé?
Irmão, não confunda fé com pensamento positivo. Pensar positivo é algo ótimo, aliás, otimismo é ótimo! Mas isso no máximo é sobre esperança e não sobre fé. Orar com otimismo não é orar com fé! Na verdade o otimismo confundido com fé é algo muito prejudicial à vida de um cristão, isso se chama Confissão Positiva e é uma confusão antibíblica que vamos falar um pouco mais à frente, mas grave essa expressão e pesquise melhor sobre ela quando puder. Continuando:
Deus requer fé da parte dos que oram (Hb 3:12; 11:6; Jer 29:12-14; Tg 1:5-8; 5:15). Esta fé é uma simples confiança de que Deus existe, que ele nos aceitou plenamente em Cristo e que é poderoso para nos dar aquilo que pedimos, ou então, nos dar muito mais do que imaginamos (Hb 4:14-16). Orar com fé é trazer diante de Deus nossas necessidades e descansar nele, confiantes que ele responderá de acordo com o que for melhor para nós (1 Jo 5:14-15). Orar com fé não significa determinar a Deus que cumpra nossos pedidos, ou decretar, como se a oração tivesse um poder próprio, que estes pedidos aconteçam. Orações não geram realidades espirituais e nem engravidam a história. É Deus quem ouve as orações e é Ele quem decide se vai respondê-las ou não, e isto de acordo com sua vontade e propósito de sempre nos fazer bem. (Rev. Augustus Nicodemus Lopes).[2]A fé que a oração precisa ter está tão somente relacionada ao poder e à vontade do Pai, jamais ao desejo do coração do homem, independente de ser um desejo bom ou ruim. Ou seja, quando a Bíblia fala sobre orar com fé, ela está dizendo que a oração deve ser fundamentada no alcance do poder de Deus, mas não está dizendo que essa oração vai obrigar Deus te obedecer. Portanto, oremos com fé no poder de Deus e esperança de que Ele nos conceda a graça que precisamos!
A oração não muda as coisas, Deus é que muda as coisas através da oração. É nisso que você precisa crer: que Deus pode mudar as coisas conforme Ele deseje. Assim como a Graça é o meio pelo qual somos salvos, a oração é o meio pelo qual Deus opera certas bênçãos, e ambos os meios são eficazes mediante a fé.
Já sabemos que: 1) nossas palavras não tem poder especial; 2) gritar frases de efeito como “eu determino” ou “eu tomo posse” não tem força espiritual; 3) repetir as frases é vão; 4) pensar positivo não é ter fé; 5) orar com muita vontade de ser atendido não é orar com fé. Falta falarmos sobre profetizar.
2.6 PROFETIZAR
O que é profetizar? Será que estamos profetizando quando declaramos algo com vontade, desejo e força ou será que esse é um entendimento equivocado sobre profecia? Estamos levando em conta o que Deus disse sobre “profetizar falsamente em meu nome”?
A ideia de profetizar as coisas que queremos ao invés de batalhar por elas ou de simplesmente orar é algo tentador, mas antes vamos ler algumas passagens bíblicas para ponderarmos a respeito:
• "Eu não os enviei!", declara o Senhor. "Eles profetizam mentiras em meu nome. Por isso, eu banirei vocês, e vocês perecerão juntamente com os profetas que lhes estão profetizando". Jeremias 27:15
• Muitos me dirão naquele dia: 'Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?' Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês que praticam o mal! (Mateus 7:22-23)
• Pois tais homens são falsos apóstolos, obreiros enganosos, fingindo-se apóstolos de Cristo. Isso não é de admirar, pois o próprio Satanás se disfarça de anjo de luz. Portanto, não é surpresa que os seus servos finjam ser servos da justiça. O fim deles será o que as suas ações merecem. (2 Coríntios 11:13-15)
• Mas o profeta que ousar falar em meu nome alguma coisa que não lhe ordenei, ou que falar em nome de outros deuses, terá que ser morto". Mas vocês perguntem a si mesmos: "Como saberemos se uma mensagem não vem do Senhor?" Se o que o profeta proclamar em nome do Senhor não acontecer nem se cumprir, essa mensagem não vem do Senhor. Aquele profeta falou com presunção. Não tenham medo dele.(Deuteronômio 18:20-22)Por favor, me diga que leu com atenção esses versículos! Se não leu direito, leia-os novamente, amado!
Se você vive dizendo “eu profetizo” sempre que quer muito alguma coisa, me diga: o que você profetiza sempre se cumpre? Pense comigo, se alguma vez na vida você já profetizou algo que não se cumpriu com exatidão, você nessa situação foi um falso profeta. A Bíblia declara que quem profetiza falsamente merece a morte. Isso é muito sério. Se for seu caso, se arrependa e peça perdão ao nosso Deus, pois ele é fiel e justo para perdoar pecados.
Se você lê as passagens bíblicas sobre os profetas e pensa que tudo acontecia pela força da palavra deles, você está muito enganado.
Quando um profeta fala algo em nome de Deus, só pode ser duas coisas: 1) Ordem direta de Deus (palavras que o próprio Deus o mandou dizer); 2) Mentira do falso profeta (vontades do coração do homem);
Quando lemos uma profecia nas Escrituras, sabemos que cada palavra que o profeta falava tinha de proceder de Deus, ou ele seria um falso profeta (Nm 22:38; Dt 18:18-20; Jr 1:9; 14:14; 23:16-22; 29:31,32; Ez 2:7; 13:1-16). Alguns leem a passagens como 1 Reis 17:1 e não compreendem o texto, acham que o poder está na palavra do profeta ao invés da profecia ser um simples comunicado de Deus pela boca de um homem. Veja a passagem que mais confundem: “Vive o SENHOR Deus de Israel, perante cuja face estou, que nestes anos nem orvalho nem chuva haverá, senão segundo a minha palavra” (1 Reis 17:1).
Será que Elias tinha poder? Eram realmente as palavras dele que compunham uma profecia e que dava valor espiritual a ela? Vamos ler uma outra passagem de uma ocasião que ocorreu depois dessa e ver como as profecias aconteciam e de onde vinha realmente o poder e a decisão, atenção ao meu grifo:
"O SENHOR Deus de Abraão, de Isaque e de Israel, manifeste-se hoje que tu és Deus em Israel, e que eu sou teu servo, e que conforme a tua Palavra fiz todas estas coisas” (1 Reis 18:36).
Se até Elias afirmou que tudo que profetizava era conforme o que Deus o orientava diretamente, imagine só nós, meros humanos, achando que profetizamos o que queremos. Elias sempre agiu em conformidade com a ordem direta de Deus, não com pensamento positivo. Desejar não é profetizar. O fato de você usar a palavra "profetizo" numa frase não faz de você um profeta e muito menos faz da sua prece uma profecia. Isso no máximo, como já vimos, seria uma falsa profecia e faria de você um falso profeta. Tenhamos temor de Deus.
Talvez não seja seu caso, mas sabemos que muitos mal-intencionados se trajam de pastores com palavras de vitória e satisfação pessoal pra falar em nome de Deus, que eles não conhecem e que não os reconhecerá no Dia do Juízo (Mateus 7:22). A Bíblia ainda diz que falsos profetas fariam sinais e maravilhas enganando até os eleitos se possível! Se não acredita, leia Mateus 24:24.
Algumas pessoas talvez não acreditem mesmo nisso, pois hoje é algo tão frequente que parece não as incomodar. Será que a igreja está se acostumando com falsas profecias? As falsas profecias dão consolo momentâneo e com os dias as pessoas se esquecem delas, mas mesmo quando se lembram e percebem que foi uma falsa profecia, as pessoas não se manifestam mais!
Jamais aceite uma profecia que tenha origem na vontade humana. Profetizar não é declarar "em nome de Jesus" algo que Ele não disse (2 Pedro 1:21). Se o povo de Deus começasse ler mais a Bíblia veria o que realmente Deus está te dizendo e jamais ficaria sem resposta!
A fonte de toda profecia verdadeira na história nunca foi a decisão ou desejo do homem a respeito do que ele queria, mas os desígnios do próprio Deus.
Profecia a esmo, jogada ao vento não é profecia! As profecias bíblicas são específicas, e não o que normalmente vemos por aí! Querem ver profecias? Leiam as suas Bíblias, encham a cabeça com o Evangelho, se saturem de Cristo, e depois (se é que vão precisar) pensem em profecias extrabíblicas. (Jackson Jacques).[3]
“Quer ser um profeta de Deus? Cave a fundo as Escrituras Sagradas e proclame fielmente a mensagem de Deus!” (Roberto de Carvalho). [4]
2.7 CURAS E MILAGRES
Poderia escrever vastamente sobre esse assunto, mas o livro não é sobre isso, então vou fazer considerações básicas e óbvias a partir dos itens anteriores.
Profetizar, decretar, determinar ou ordenar uma cura é uma das formas de percebemos que não temos realmente nenhuma autoridade espiritual que não venha da decisão e vontade de Deus. Quando uma pessoa não é curada em sua igreja, mesmo com várias pessoas tendo "profetizado" a cura ou “determinado” e “tomado posse”, o que você pensa ter sido o problema? O cristão que não tem uma boa compreensão da Palavra sempre clamará pela bênção da forma errada, como se Deus tivesse alguma obrigação para com ele, mas quando não receber a bênção, vai sempre procurar um motivo para justificar essa espécie de derrota. Há cristãos que oram pensando de uma forma e depois se justificam de outra. Oram exigindo, mas ao não receberem, arranjam desculpas ao invés de se voltarem para a Bíblia e ver o que exatamente ela diz e quais são as promessas legítimas de Deus para nós.
Afinal, podemos orar por cura? Sim, devemos! A oração é um meio pelo qual Deus concede misericórdia mediante a fé de quem ora. Então fica a dúvida: por que a maioria das curas não acontece, mesmo com muita oração? Por que essa dúvida sempre aparece na mente do cristão, se a Bíblia tem tantas evidências claras? Será que esquecemos que Deus disse a Paulo que a Sua Graça lhe era suficiente depois dele orar para que Deus lhe tirasse um espinho na carne? Se não estiver nos planos de Deus, a cura não vem e pronto. Não sabemos os propósitos do Senhor. Eliseu, ainda depois de morto, ressuscitou um homem que caiu em cima de seu corpo! É lindo isso, mas parece que ninguém percebe o texto anterior que fala que Eliseu morreu de doença (2 Rs 13:14).
Vemos também o amigo de Paulo, que andava por todo canto com ele, vendo curas e talvez até as ministrando junto com o apóstolo (2 Tm 4:20 / 2 Co 12:9), no entanto, também não recebeu e obviamente eles tinham fé, ainda mais que nós hoje. Cristo orou “Pai não seja a minha, mas a tua vontade” (Lc 22:42); Paulo pediu cura e, quando não recebeu, conformou-se e glorificou a Deus, entendendo que o problema era exatamente para mantê-lo forte em Deus (2 Co 12:9).
Veja esse outra passagem: “Não bebas mais água só, mas usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades.” (1 Timóteo 5:23)
É um claro exemplo bíblico para nós de que muitos não serão curados, mas ainda assim alguns lobos, falsos mestres que saqueiam a noiva de Cristo, continuarão dizendo que todo cristão deve ser curado, e quando a cura não vem, logo colocam a culpa na falta de fé do doente. Poderiam dizer isso de Paulo, Timóteo e Eliseu?
Alguns maus ministros ensinam "exigir, determinar, decretar e ordenar a bênção", enquanto a Jesus, Paulo, Tiago e todo o restante da Bíblia ensinam a pedir. A Bíblia mostra ainda alguns casos em que a pessoa curada nem fé exercia! O cego do tanque de Betesda foi curado por Jesus sem ter fé e sem ao menos conhecê-lo; leia João 5: 8-13.
O cristão deve buscar em Deus a cura, deve clamar pelas bênçãos do Pai, deve perseverar, assim como Davi, homem segundo oração de Deus (Atos 13:22) e assim também compreender que o milagre que tanto queremos, mesmo clamando com persistência, pode não acontecer, pois em 2 Samuel 12 vemos o drama do rei Davi que clamou em jejum durante dias para que Deus curasse seu filho recém nascido, mas a cura não veio e a criança morreu.
O pastor Lécio Contu escreveu: “Deus não é o gênio da lâmpada, não somos o Aladim e oração não é magia!” [5]
Podemos orar por milagres, claro! Mas não podemos ignorar fatos que sabemos sobre profetas, apóstolos e outros homens santos da Bíblia; não podemos ser egocêntricos, achando que os planos de Deus estão baseados em nossos caprichos; não faz sentido ter tanto orgulho a ponto de pensar que Deus está em dívida e tem dia marcado pra se apresentar prontamente a curar e tampouco devemos deixar falsos profetas enganarem irmãos fracos na fé e no conhecimento, que são “levados em roda por todo vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente.” (Efésios 4:14).
Há curas, há milagres, jamais desacredite! Mas os milagres são pra exaltar o nome de Deus, não pra fazer nossa vontade. É por isso que Cristo orientou na oração do Pai Nosso: “Seja feita a Sua vontade.” Se é no Deus da Bíblia que nós acreditamos, então devemos, sim, pedir por cura, mas assim como na Bíblia, a cura pode não vir, ainda assim glorificaremos ao Deus de João 3:16, Romanos 3:24, Efésios 1:5, Romanos 5:8 e 1 João 4:16. Amém!
SOBRE FÉ
A fé não é um sentimento ou uma sensação. Ter fé não consiste em esperar, mas em ter fundamento para o que se espera. Ter fé é crer confiantemente que Deus é poderoso para intervir a seu favor.
A fé cristã é confundida por alguns com convencimento mental: “eu estou convencido disto, logo Deus está obrigado a agir”. Isso pode até ser fé em si próprio, mas não em Deus, não nas promessas, não na Sagrada Escritura. É preciso salientar que a fé cristã não está em insistir com Deus em nossos desejos pessoais, mas clamar a Ele que cumpra em nós Sua vontade.
Um dos enganos que as pessoas têm atualmente é colocar fé na fé e não fé em Deus. Fé é confiar em Deus, no Seu poder e na Sua vontade e não em nossa própria capacidade de confiar em Deus. Orar com fé não é orar com poder, é orar confiante no poder de Deus. (Vinicius Musselmann).[6]
Alguém irá perguntar: mas fé não é a certeza daquilo que nós esperamos?
Fé não é só isso. Isso é uma característica da fé. O versículo é uma descrição sobre quem tem fé e não um conceito sobre fé. A fé é o alicerce da vida cristã e é disso que o versículo trata. Entende a diferença? Vamos ver o versículo: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem.” (Hebreus 11:1). O versículo está dizendo que a fé é o que sustenta e fundamenta o que nós pedimos e esperamos. Não é uma definição de fé, ou seja, ele não está dizendo o que significa fé, mas diz que esperar está baseado na fé.
Outro detalhe é que “esperar” tem mais a ver com esperança. O versículo, em outras palavras, diz: “Quando você tem certeza de algo que está esperando, isso é fé”. No entanto, não temos como ter certeza de algo que nunca foi prometido a nós (como coisas corriqueiras do dia-a-dia), então oramos com esperança, como sugere o texto de Romanos 8:24-25: “Porque em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos.”
A fé não consegue tudo. Isso porque ter fé é acreditar que Deus tem poder, mas não que Ele de fato fará o que eu quero, pois isso é outra coisa: esperança. E essa é a maior confusão que costumamos fazer. A fé cristã é basicamente crer sem dúvidas nas promessas bíblicas. Assim como nossa esperança está fundamentada na fé, nossa fé deve estar firmemente fundamentada e se você é cristão, seu único fundamento é a própria Bíblia, não suas necessidades, objetivos e vontades pessoais. Um entendimento equivocado da fé bíblica fará com que sua oração seja egoísta, arrogante, hipócrita e sem fundamento. Aliás, fundamentada em você mesmo ao invés da Palavra.
Mas apenas conhecer a visão teológica sobre o assunto não nos tornará cristãos de oração. A condição de quem ora é fator crucial para a eficácia da oração.
_____________
Notas:
[1] André Fonseca. Disponível em: < www.andrerfonseca.com/2012/10/resposta-ao-leitor-ungir-com-oleo.html > Acesso em: 18 maio 2014.
[2] Disponível em:
< www.facebook.com/AugustusNicodemusLopes/posts/621380551247693 > Acesso em: 21 junho 2014.
[3] Disponível em: < http://goo.gl/cXMgUJ > Acesso em: 27 julho 2014.
[4] Disponível em: Acesso em: 27 julho 2014.
[5] Fonte: A oração dos filhos de Deus, Lécio Contu, p.44.
[6] Disponível em: < http://voltemosaoevangelho.com/blog/2011/05/pve-devemos-ungir-com-oleo/ > Acesso em: 20 julho 2014.
***
Artigo gentilmente cedido pelo autor ao blog Bereianos. O texto faz parte do livro "400 Metros de Oração" o qual recomendamos.
Fonte: 400 Metros de Oração