sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Quando se ora erradamente - Por: A. W. tozer









Algumas vezes ora-se não só em vão, mas também errado. Vejamos o exemplo: Israel fora derrotado em Ai, e “Josué rasgou as suas vestes, e se prostrou em terra sobre o seu rosto perante a arca do Senhor até à tarde, ele e os anciãos de Israel; e deitaram pó sobre as suas cabeças” (Josué 7:6).
De acordo com a nossa atual filosofia do reavivamento, isso era o que devia ser feito e, uma vez que isso se fizesse continuamente, é certo que convenceria a Deus e Ele acabaria concedendo aquela bênção. Mas, “disse o Senhor a Josué: Levanta-te; por que estás prostrado assim sobre o teu rosto? Israel pecou, e violaram a minha aliança, aquilo que eu lhes ordenara... Dispõe-te, santifica o povo, e dize: Santificai-vos para amanhã, porque assim diz o Senhor Deus de Israel: ...aos vossos inimigos não podereis resistir enquanto não eliminardes do vosso meio as cousas condenadas” (Josué 7:10-13).
Precisamos de uma reforma dentro da Igreja. Pedir que um dilúvio de bênçãos caia sobre uma igreja desobediente e decaída é desperdiçar tempo e energias. Nova onda de interesse religioso apenas conseguirá adicionar números às igrejas que não tencionam submeter-se à soberania de Jesus e nem buscam obedecer aos mandamentos dEle. Deus não está interessado tan¬to em aumentar a freqüência às igrejas, mas em fazer com que tais pessoas emendem seus caminhos e comecem a viver santamente.
Certa vez o Senhor pela boca do profeta Isaías disse palavras que aclaram este assunto de uma vez por todas: “De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios? diz o Senhor. Estou farto dos holocaustos de carneiro, e da gordura de animais cevados, e não me agrado do sangue dos novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes. Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios? Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e também as luas novas, os sábados, e a convocação das congregações; não posso suportar iniqüidade associada ao ajuntamento solene... Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vos¬sos atos de diante dos meus olhos: cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas... Se quiserdes, e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra.” (Isaías 1:11-17,19.
Os rogos, pedindo reavivamento, só serão ouvidos quando acompanhados de uma radical emenda ou reforma de vida; nunca antes. Reuniões de oração que atravessam a noite mas não são precedidas de verdadeiro arrependimento só podem desagradar a Deus. “O obedecer é melhor do que o sacrificar.” (1 Samuel 15:22.)
Urge voltarmos ao cristianismo do Novo Testamento, não apenas no que respeita ao credo mas também na maneira completa de viver. Separação, obediência, humildade, naturalidade, seriedade, autodomínio, modéstia, longanimidade: tudo isso precisa ser novamente parte vivificante do conceito total do cristianismo e aparecer no viver cotidiano. Precisamos purificar o templo, tirando de dentro dele os mercenários e os cambiadores, e ficarmos outra vez inteiramente sob a autoridade do Senhor ressurreto. E isto que aqui agora dizemos aplica-se a quem escreve estas linhas, bem como a cada um dos que invocam o nome de Jesus. Daí, sim, poderemos orar em plena confiança, e aguardar o verdadeiro reavivamento que certo virá.
Fonte: [Ortopraxia]
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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Clamor de Agur pr. J Miranda

A                                                                         

Entre os mais variados assuntos dos quais trata, o livro de Provérbios, tem lições preciosas sobre a oração. Nele descobrimos exemplos de um coração cheio de sinceridade: Agur expressa o que deseja o seu coração.
"Duas coisas te peço; não mas negues, antes que eu morra: afasta de mim a falsidade e a mentira; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me for necessário; para não suceder que, estando eu farto, te negue e diga: Quem é o SENHOR? Ou que, empobrecido, venha a furtar e profane o nome de Deus" (Pv 30:7-9).
Há neste versículo uma frase que demonstra um tremendo anseio em ter uma vida de acordo com a vontade de Deus: "antes que eu morra". Os dois pedidos apontam para uma só coisa: Enquanto vivendo neste corpo, estar em perfeita sintonia com a vontade do Senhor. O que fazemos, enquanto vivendo neste corpo, pode honrar ou desonrar a pessoa do nosso Deus; pode exaltá-lo ou envergonhá-lo.
A seguir Agur passa aos pedidos propriamente ditos e nos põe em contato com o desejo mais singelo de um coração crente.
Ele pede a Deus que faça dele um homem integro como Jó. Que Ele lhe dê um caráter verdadeiro. Primeiro pede que Deus afaste dele a falsidade, o fingimento. Falsidade aqui é traduzida da palavra hebraica shâw que denota aquela falsidade premeditada que age irresponsavelmente levando a um comportamento fútil.
Em outras palavras, ele pede a Deus que faça dele um homem legitimo com atitudes legitimas. Que não permita que ele seja um "duas caras", que suas palavras sejam sinceras, que seus relacionamentos sejam sinceros, que seus negócios sejam sinceros, que suas atitudes sejam sinceras etc., etc.
Falsidade e mentira andam de mãos dadas. Onde uma se faz presente a outra também está. O servo de Deus deve orar pedindo que ele o livre destes dois terríveis pecados, pois caso contrário, até mesmo as suas orações não serão ouvidas.
(ex.: Pv 28:9: "O que desvia os seus ouvidos de ouvir a lei, até a sua oração será abominável"; Pv 15:8: "O sacrifício dos perversos é abominável ao Senhor, mas a oração dos retos é o seu contentamento" e Pv 15:29 "O Senhor está longe dos perversos, mas atende à oração dos justos").
As circunstancias nas quais vivemos irmãos, são um perigo para o nosso caráter. Principalmente no que diz respeito à nossa situação financeira. Este homem desejava ter uma vida simples sem dinheiro e luxo desnecessários.

Não queria ser rico, pois sabia que a riqueza é um perigo para o servo de Deus. O abastado passa a confiar na sua riqueza e se esquece de depender de Deus. A riqueza é um laço que amarra o nosso coração às coisas deste mundo (ex.: O jovem rico e o fazendeiro rico). Assim somos impedidos de vivermos como cidadãos dos céus, como peregrinos em terra estranha. A igreja de Deus precisa clamar ao Senhor: não me dês nem a pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me for necessário; para não suceder que, estando eu farto, te negue e diga: Quem é o SENHOR? Ou que, empobrecido, “venha a furtar e profane o nome de Deus” (Pv 30:7-9).

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O Segredo de uma Vida de Oração por E. M. Bounds




Tradução livre: Felipe Sabino de Araújo Neto

Os grandes mestres da doutrina cristã têm encontrado sempre na oração a fonte mais elevada de iluminação. Diz-se do Bispo Andrews, para não passar dos limites da Igreja Anglicana, que ele empregava em geral cinco horas diariamente na oração e devoção. Tem-se chegado às maiores resoluções práticas, aos quais têm enriquecido e aformoseado a vida humana nos tempos cristãos, por meio da oração. (Cannon Liddon)
Ainda que muitas orações privadas por sua própria natureza devam ser curtas; ainda que as orações públicas, comumente, devam ser curtas e condensadas; embora haja lugar e valor na oração breve, contudo, em nossa comunhão privada com Deus, o tempo tem um valor essencial. Muito tempo passado com Deus é o segredo da oração eficaz.
A oração, que é sentida como uma força poderosa, é o produto mediato ou imediato de largas horas passadas com Deus. As nossas orações curtas devem seu ponto de apoio e eficiência às orações extensas que as precederam. Uma oração curta não pode ser eficaz se o que a faz não tem tido uma luta contínua com Deus. A vitória da fé de Jacó não poderia ter sido alcançada sem aquela noite de luta. A intimidade com Deus não se faz às pressas. Ele não concede Seus dons aos que vêm e vão fortuitos e apressados. Demorar-se sozinho com Deus é o segredo para alguém conhecê-LO e ter influência junto a Ele. Ele cede à persistência de uma fé que O conhece. Cede as suas mais ricas dádivas àqueles que declaram seu desejo e sua apreciação por elas pela constância e sinceridade de sua importunação.
Cristo, que nisso como em tudo é nosso Modelo, passou noites inteiras em oração. Seu costume era orar muito. Ele tinha um lugar habitual para orar. Largos períodos de tempo em oração formaram sua história e seu caráter. Paulo orava dia e noite. Daniel, no meio de importantes ocupações, orava três vezes ao dia. As orações de Davi de manhã, ao meio-dia e à noite eram indubitavelmente mui prolongadas em muitas ocasiões. Ainda que não saibamos exatamente o tempo que estes santos da Bíblia passaram em oração, temos indicações de que dedicaram boa parte dele, e, em algumas ocasiões, era do seu costume empregar longos períodos da manhã.
Não queremos afirmar que o valor das orações foi medido pela duração, mas nosso propósito é imprimir em nossas mentes a necessidade de permanecer em comunhão com Deus; se em nossa fé não se nota essa característica, ela é vazia e superficial.
Aqueles que manifestaram de maneira mais perfeita possível a Cristo através de seu caráter, e têm afetado mais poderosamente o mundo a Seu favor, são os homens que gastaram muito tempo com Deus, até que isso se tornou uma das características mais salientes de suas vidas. Charles Simeon dedicava a Deus as horas de quatro às oito horas da manhã. John Wesley passava duas horas diárias em oração. Ele começava às quatro horas da manhã. Uma pessoa, que o conhecia bem, dele escreveu: "Ele julgava que a oração era o trabalho mais importante que havia. E o vi sair do lugar de recolhimento com uma serenidade no rosto que brilhava". John Fletcher impregnou as paredes do seu quarto com o hálito de suas orações. Algumas vezes passava a noite inteira em oração; sempre, freqüentemente e com grande fervor. Toda a sua vida foi uma vida de oração. "Não queria levantar-me da cadeira" – dizia – "sem elevar o meu coração a Deus". Sua saudação a um amigo era: "O senhor está orando?" Lutero disse: "Se eu deixar de empregar duas horas em oração todas as manhãs, o diabo terá vitória o dia inteiro. E tenho tanto trabalho que não posso realizá-lo sem gastar três horas diariamente em oração". Seu lema era: "Aquele que orou bem, estudou bem".
O Arcebispo Leighton acostumava estar tanto tempo a sós com Deus que sempre parecia encontrar-se em meditação perpétua. "A oração e adoração constituíam sua ocupação e prazer", disse seu biógrafo. O Bispo Ken passava tanto tempo com Deus a ponto de dizer-se que a sua alma estava enamorada do Senhor. Estava na presença do Altíssimo antes do relógio assinalar três da manhã. O Bispo Asbury disse: "Propus-me a levantar às quatro horas da madrugada tanto quanto possível e gastar duas horas em oração e meditação". Samuel Rutherford, cuja fragrância de piedade ainda se faz sentir, levantava-se às três horas da manhã para encontrar-se com Deus em oração. Joseph Alleine levantava-se às quatro da manhã para a sua tarefa de oração, permanecendo até às oito. Se ouvia que outros negociantes começavam seu trabalho antes dele se levantar, exclamava: "Oh, como isso me envergonha!; não deveria o meu Senhor merecer mais do que os senhores deles?" Aquele que aprendeu a orar tem livre acesso ao Banco do céu, donde saca aquilo que necessita.
Um dos mais santos e mais dotados de dons celestiais dentre os pregadores escoceses disse: "Meu dever é passar as melhores horas em comunhão com Deus. Não posso deixar de lado o meu mais nobre e eficiente emprego. Emprego as primeiras horas da manhã, das seis às oito, porque durante elas não há nenhuma interrupção. A minha melhor hora, a hora logo após o chá, dedico somente a Deus. Não descuido o bom hábito de orar antes de deitar, porém devo prevenir-me contra o sono. Quando desperto durante a noite, devo levantar-me e orar. Após o café da manhã, dedico alguns momentos à intercessão". Este era o plano de oração de Robert Murray McCheyne. A famosa sociedade de oração metodista nos envergonha: "Das cinco às seis da manhã e das cinco às seis da tarde, oração privada".
John Wech, o santo e maravilhoso pregador escocês, considerava perdido o dia se não orava de oito a dez horas. Ele preparava o "robe de chambre" para usá-lo quando acordava à noite e orava. A sua esposa queixava-se dele quando o encontrava chorando prostrado no assoalho. Ele lhe replicava: "Oh, mulher, tenho que responder por três mil almas diante de Deus! E eu não sei quantos dentre eles têm a certeza da salvação".

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Ou Deus ou Mamom -Por Renato César


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O Senhor Jesus foi enfático ao fazer oposição entre o amor ao dinheiro e o serviço a Deus (Mt 6:24). Para ele, ambos são mutuamente excludentes. Entretanto, deve ficar claro que o Mestre não condenou em momento algum o uso do dinheiro. O ministério de Jesus foi apoiado financeiramente (Lc 8:3), de tal forma que havia um tesoureiro entre os discípulos (Jo 12:6). É importante frisar esse aspecto para que não se caia no extremo de condenar a utilização do dinheiro como meio de troca. Então, como já está evidente no próprio versículo, Jesus fazia referência ao “amor ao dinheiro”, que em outras palavras refere-se à centralidade que ele tem na vida de muitos homens, no lugar de Deus.
Como em quase tudo na vida, o que Deus leva em consideração não é o que fazemos, mas a motivação com que fazemos. Assim, não há nada de errado em se querer ganhar mais dinheiro. Contudo, Deus sonda nossos corações e sabe o porquê de querermos prosperar financeiramente. E é neste ponto em que está o cerne da mensagem que Cristo quis passar.
O amor ao dinheiro nada mais é que o amor a si mesmo. Ter mais dinheiro é, em geral, sinônimo de status, poder e conforto. Tudo isso, entretanto, está ligado ao desejo da carne, e não às aspirações de um cristão preocupado com o Reino de Deus. O dinheiro possibilita a satisfação de desejos e ambições que em um ser humano não regenerado nada têm a ver com a vontade de Deus.
Entretanto o que de fato me preocupa não é a forma como o ímpio faz uso de seu dinheiro, mas como cristãos, ou mais precisamente os evangélicos, o tem gasto. Eu fico intrigado ao ver carrões estacionados em frente às igrejas, muitas vezes trocados anualmente, enquanto alguns membros da mesma comunidade padecem com a falta do mínimo para viver. Pergunto-me se estou sendo radical ao me incomodar com o desfile de vestidos e joias a cada novo culto ou se só eu estou vendo que a vaidade parece gritar mais alto que as vozes que adoram a Deus durante o louvor. Não consigo ver coerência entre o discurso de priorizar o Reino de Deus sobre todas as coisas e o tratamento que muitos empresários cristãos dão a seus empregados, submetendo-os a um regime de trabalho quase escravista na ânsia de obter mais lucros.
A sensação que me vem ao conversar com alguns cristãos é de que o dízimo é uma taxa que permite a livre utilização dos outros 90% unicamente na satisfação de desejos egoístas. E aí vem os tablets e smartphones para todos os membros da família, além das roupas e calçados de marca, sem se esquecer dos óculos de grife e demais utensílios que possam adornar o corpo e tapar, ainda que só por um breve momento, o buraco existencial que existe na alma.
Como eu já disse anteriormente, as palavras de Jesus trazem um ensino bem mais profundo que uma leitura superficial do texto possa sugerir. O centro da questão está relacionado ao chamado feito a cada um de nós para negar a si mesmo e carregar a própria cruz (Lc 9:23). Alguém que ama o dinheiro ama muito mais a si próprio que a Deus e a seu próximo. Quem ama o dinheiro está preocupado em satisfazer a si mesmo muito mais que agradar a Deus ou ajudar a alguém necessitado. 
O amor ao dinheiro apenas revela o que há por trás da máscara que vestimos. Mas o que mais me entristece e preocupa é que eu e você podemos estar vestindo a máscara da religião, tentando maquiar com dízimos e ofertas oMamom que pode estar reinando em nossos corações. Que Deus tenha misericórdia de nós!
***Sobre o autor: Cristão reformado, formado em administração de empresas e teologia, membro da IPB - Fortaleza/CE.Artigo enviado por e-mail.
Contatos com o autor: renatocesarmg@hotmail.com

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Expressão corporal no culto: tradição ou conformação? - Por Rev. Ronaldo P. Mendes






“Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.”( Colossenses 3.16-17)
O problema que enfrentamos em qualquer leitura bíblica é o fato de olharmos para o texto com nossas próprias convicções, bagagem cultural e costumes ao em vez de deixar que ele próprio fale a nós. É o caso da questão da dança ou de outra expressão corporal, mas é necessário observarmos o que a Bíblia diz para a igreja e para cada um de nós sobre esse assunto.
I – Porque algumas inovações acabam entrando nas igrejas?          A) Por causa do abandono da Palavra de Deus de um modo geral.                 Várias vezes Israel, o povo escolhido, abandonou as determinações dadas por Deus. E esse abandono levou Israel ao sofrimento. Tanto reis como sacerdotes e o povo em geral caíram em idolatria por abandonarem os preceitos de Deus.
 B) Por causa do abandono da Palavra de Deus por parte da Liderança.                      Ler 1 Reis 15.1-3; 25,26; 16.25,26; 2 Reis 21.22. Estes textos nos mostram que a liderança tem sua grande parcela de culpa quando coisas que não pertencem genuinamente à igreja passam a fazer parte de sua prática. Por motivos pessoais, medo de perder poder, ignorância espiritual, incapacidade de administrar segundo o princípio estabelecido, e outros motivos fazem com que muitos líderes permitem práticas alheias aos ensinos bíblicos.
C) Por causa do abandono da Palavra de Deus por parte do povo.                     Muitos dos reis de Israel faziam coisas erradas e o povo ficava satisfeito com tais atitudes e assim, afundavam-se junto com seus reis na idolatria deles. E então o castigo vinha (Dt. 32.21; Jr. 8.19; 18.15; Os 4.12).
II – fator cultura-época. Princípio bíblico e a dança.
A) A pergunta comum - “Mas não se dançava no Antigo Testamento?” E para tal pergunta só existe uma resposta “sim”, ter dança no AT não é o problema, o problema é que a pessoa que faz essa pergunta, normalmente está em posição contrária ao que vem sendo praticado em sua igreja local, e busca justificativa para mudar a prática, para introduzir danças no culto, ou mesmo em outras reuniões. Mesmo se aplicassem a forma de dança do AT, em nossos dias, seria algo sem lógica. Pensa-se que isso deixa a igreja mais “animada” e “atraente” para os irmãos e mais normal para os que ainda não foram alcançados pelo evangelho.
B) A dança no Antigo Testamento.         A dança no AT tinha objetivos específicos, tanto do ponto de vista cultural quanto religioso. Vemos, por exemplo, danças que nada tinham a ver com a vida religiosa de Israel.        1 – Danças apenas de cunho cultural, normalmente demonstrando alegria (Jz.21.21,23; Salmo 30.11;Jr. 31.4,13; Ec 3.4 Lc.15.25)
Por esses textos, pode-se perceber que a dança era algo presente na vida de Israel, como também na vida dos demais povos orientais. A Bíblia não nos mostra como era a coreografia, mas dá-nos entender que eram movimentos circulares em torno da própria pessoa, ou saltos para expressar grande alegria. Esta prática era comum entre o povo oriental, e na verdade era como uma segunda língua social. É preciso destacar que quanto a essas danças não há nenhum mandamento ordenando-as. Eram apenas manifestação cultural, dissociadas do culto.
2 – Danças apenas de cunho cultural, mas com alguma associação religiosa (Jr 31.4; 2Sm 6.14)
Estas danças também não foram realizadas em nenhuma cerimônia religiosa, contudo costumavam ser fruto de uma benção espiritual ou material que de modo muito claro representava uma realidade espiritual. O exemplo mais claro e mal utilizado é o caso de Davi (2Sm 6.14). Davi expressou a sua alegria com uma dança cultural diante da arca, que por sua vez era uma representação da presença de Deus no meio do povo. Mas isso foi um fato isolado e não uma prática ordenada por Deus.
3 – Danças de cunho religioso (Ex 15.20)
Esse tipo de dança tem pouca ocorrência, principalmente porque Deus não deixou nenhuma ordem específica sobre isso. No NT, Cristo veio para cumprir a lei e não anular. Ele trouxe clareza sobre a lei do Antigo Testamento e não encontramos nenhuma ordenança Dele a respeito da dança.
Muitas pessoas pegam o exemplo de Miriã para justificar as danças e coreografias nos cultos. Mas esse também é um fato isolado como no caso de Davi. Era simplesmente uma expressão de alegria com danças culturais. Pois, o destaque maior é dado no cântico de Moisés com forte ênfase na letra e não na música. Os textos de Miriã e de Davi, não servem de base para se colocar danças nos cultos.         
III – o que fazer diante dos modernismos?            Chamamos de “modernismo” a dança e a coreografia, porque entraram nas igrejas há poucos anos, e não faz parte da história da igreja e nem da tradição reformada que seguimos. Mas o que fazer então?            A) Ensinar       Não se deve fazer ou deixar de fazer alguma coisa sem explicação. Mesmo Deus quando faz suas ordenanças explica as consequências da obediência e da desobediência (Dt. 4.40). Então, a primeira coisa a se fazer é ensinar a igreja que ela precisa ouvir a Deus para aprender como adorá-lo. Um ensino correto da Bíblia orienta a igreja contra as falsas práticas religiosas. B) Não permitir que valores ou interesses humanos superem o princípio bíblico.  Muito do que se tem visto de inovação, não tem melhorado em nada o culto, pelo contrário, tem contribuído para que a igreja perca suas características. A Bíblia tem de ser uma realidade, e não somente discurso, precisa ser a única regra de fé e prática, para que assim adoremos a Deus de modo correto.           C) vigilância           É preciso constante vigilância para que não sejamos pegos de surpresa. Esta vigilância deve partir dos líderes e dos membros da igreja. Temos que atentar para a recomendação de Paulo: “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro.”( Efésios 4.13,14).
Conclusão: Não temos nenhum  motivo histórico ou teológico para admitirmos danças ou coreografias nos cultos. Devemos tomar cuidado não somente com esse problema, mas com outros pensamentos contrários a Palavra de Deus que podem fazer com que a igreja perca sua característica. 
- Sobre o autor: Rev. Ronaldo P. Mendes é bacharel em teologia pelo seminário Presbiteriano Conservador de Riacho Grande -SBC - SP. Atualmente pastoreia a 6ª Igreja Presbiteriana Conservadora de Goiânia-GO. Casado com Janecléia Oliveira, professam a fé no único e verdadeiro Deus, Jesus Cristo o Senhor.

Fonte: Solus Christus.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

O solascriptura-tt.org e suas acusações (série 5 de 5) - Por André R. Fonseca







Chegamos então ao último artigo da série. Por simples Graça, já foi possível ouvir de algumas pessoas que a série foi abençoadora, contribuiu para construir uma fé mais sólida e espantar o medo promovido pela ignorância. E minha proposta para fechar a série é lançar algumas questões para reflexão. 
Deus se revela ao homem por meios inteligíveis. Ele escolheu comunicar-se com o homem através de seus sentidos, emoções e linguagem. Sua “comunicação” com o homem nunca está fora de seu próprio tempo, apesar de ser um ser eterno e fora do tempo. Nunca está fora do contexto cultural, social ou alheio às necessidades humanas. Um dos conceitos básicos com relação aos atributos divinos é o seu “ser pessoal”. Deus é um ser pessoal que se relaciona com sua criação. Sua capacidade e “interesse” em ter um relacionamento com sua criação no nível mais pessoal possível foi grandioso ao ponto de se fazer carne, à semelhança de sua criação pecaminosa com suas limitações, para resgatá-los para si mesmo! Deus falou com o homem por meios de sonhos e visões, depois por meio de seus profetas; mas nada pode se comparar com sua manifestação em carne. Nada poderia ser mais pessoal do que tocar na carne leprosa com mãos humanas para curar, falar aramaico com som audível e inteligível para ensinar sua lei sem derreter montanhas e fulminar a carne de pecado! Enquanto debaixo da lei ninguém poderia tocar no monte de onde se ouvia a voz divina e continuar vivo; agora, por meio da Graça em Jesus Cristo, todos podiam se assentar no monte para ouvir as instruções do Logos Divino e ganhar a vida eterna! 
Quando o Verbo da Vida se faz carne e fala ao povo em aramaico, não estamos diante de novidade alguma! Deus já havia, por meio de Neemias e Esdras, traduzido sua Lei do hebraico para o aramaico, visando entregar ao seu povo eleito a sua Palavra em linguagem que eles pudessem compreender para continuar a obedecer. Por causa da dispersão dos judeus entre as nações e o domínio do império helênico com sua influência também na língua, as sagradas letras são traduzidas para o grego. Isso é manifestação da Graça de um Deus zeloso por sua Palavra e por seu relacionamento com o homem. Sua Palavra é preservada e se transforma com o homem, em parte, porque Deus é um Deus pessoal. Hoje, não pode ser diferente! Deus continua desejando ser entendido e assim revelado a todas as pessoas independente de suas competências e instrução escolar. Deus é SENHOR de analfabetos e doutores. Não devemos limitar o conhecimento de Deus aos instruídos, é nossa obrigação facilitar o acesso dos fracos e humildes ao conhecimento de Deus. Devemos produzir Bíblias em áudio para quem não sabe ler, e aí não adianta falar um “almeidês” que eles não podem entender. Precisamos utilizar uma linguagem que eles compreendam com clareza a revelação divina, assim como ele mesmo, o Verbo da Vida, nos ensinou: “... Jesus falava ao povo de um modo que eles podiam entender” - Marcos 4:33. 
Assim também pensavam os escritores do Novo Testamento. Não escreveram suas cartas e evangelhos em outra língua senão aquela que poderia ser compreendida por todos: o grego coiné. Não era o grego clássico que poderia ser compreendido apenas pela elite, mas um grego comum falado pelo povo comum e de maneira alguma longe da compreensão também da elite com bom e refinado grego. As citações do Antigo Testamento são, em sua maioria, da Septuaginta – a tradução do Antigo Testamento hebraico para o grego. 
A Septuaginta está longe de ser considerado um primor de tradução. Seria melhor para Paulo, fariseu culto e muito bem habilitado para fazer perfeita exegese do texto original hebraico, ter utilizado como fonte a Bíblia hebraica para suas citações e construções teológicas. Contudo, Paulo preferiu a clareza do texto citado em grego coiné à precisão exegética do texto original hebraico. Onde estava a neura dos hagiógrafos do Novo Testamento? Por que devemos insistir numa tradição quando não encontramos um paralelo sequer nos textos bíblicos? 
Jesus disse: “As palavras que eu lhes disse são espírito e vida” – João 6:63. É evidente que essa declaração é verdadeira! Mas será que essa natureza de suas palavras está na “literalidade da letra”? Se a vida pudesse ser encontrada na precisão da letra, por que Jesus repreendeu os fariseus que buscavam encontrar a vida eterna nas “letras”? Ninguém conhecia a “letra” melhor do que um fariseu. Eles viviam contando cada letra, interpretando cada palavra, tudo minuciosamente. Toda a Torá era decorada, letra por letra, muito antes de atingir a vida adulta. Conhecer a “letra”, em sua literalidade e precisão, nunca foi garantia de vida eterna! 
“Vocês estudam as Escrituras Sagradas porque pensam que vão encontrar nelas a vida eterna” – João 5:39. Como assim “pensam”? Não é para ser assim!? Pode ser frustrante para alguns pensar que estudar, examinar, analisar minuciosamente as letras da Palavra não resulta em encontrar nelas, automaticamente, a vida eterna. A “mágica” não está na “letra”! O dia que eu depender da “literalidade da letra” estarei longe da vida, antes ela me matará! O eleito será salvo pela regeneração do Espírito, pelo dom da fé que lhe será dado. Parafraseando 2 Coríntios 2:14-18, digo: Antes da regeneração do Espírito qualquer palavra não terá valor para a vida, terá cheiro de morte! Somente o Espírito faz, para os que vão sendo salvos, a “letra” ter um cheiro suave e agradável que dá vida! Então, qual tradução é capaz de realizar um trabalho como esse? Será a Almeida, NVI ou NTLH? Texto Recebido ou Texto Crítico? Quem é capaz de dar vida ao homem, morto em seus delitos e pecados? Se é a letra, por que os fariseus não enxergaram Cristo nas Escrituras (originais!) por meio de tanta dedicação à letra?
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domingo, 18 de agosto de 2013

Olhares suspeitos - "Ultimato" Lyndon de Araújo Santos


















Praza a Deus que o governo olhe para o futuro, como deve, para objecto de tanta monta, que impeça a um estrangeiro (como o Doutor Kalley, súbdito britanico) de pregar doutrinas novas, acendendo uma guerra religiosa, como a que fermenta a ilha [da Madeira] há alguns anos, e que vem de rebentar com tanta força no dia 9 de agosto ultimo” (Diário do Rio de Janeiro, Quarta-feira, 25 de novembro de 1846 – Ano XXV – N. 7566).

Estas palavras foram ditas pelo editor do jornal “Diário do Rio de Janeiro”, num tom de pedido a Deus, para que o governo brasileiro impedisse a entrada de estrangeiros que trouxessem “doutrinas novas” que acendessem uma guerra religiosa no Brasil. O apelo não surtiu efeito, pois o “britânico” (que era, na verdade, escocês) chegaria ao Rio de Janeiro no ano de 1855, cerca de dez anos depois, anonimamente aos olhos do governo, embora tenha sido reconhecido por um madeirense nas ruas da corte.
Robert Reid Kalley passou pela Ilha da Madeira como missionário presbiteriano, atuando como médico e pregador (1842-1846). Abriu um hospital para a população empobrecida, ensinou a ler por meio das Escrituras e fundou uma igreja presbiteriana. O movimento cresceu e se tornou ameaçador à hegemonia católica, sobretudo a partir da conscientização religiosa e política que os camponeses adquiriram contra as elites. Deu-se a perseguição, Kalley teve a casa incendiada, fugiu travestido de mulher e os madeirenses protestantes dispersos para diferentes regiões como Estados Unidos, Havaí, África e Brasil.
Desde a edição de 11 de abril de 1845 que o “Diário” noticiou e comentou sobre os conflitos religiosos ocorridos no então potentado português, foram sete edições que enfatizaram os distúrbios causados pela atuação do doutor. Trata-se de uma importante fonte para a história do protestantismo devido a alguns motivos:

  1. Registra a repercussão que teve a passagem de Robert Reid Kalley na Ilha da Madeira para o mundo da época;
  2. Traz uma interpretação diferente aos fatos como os protestantes narraram, pois foi feita por um jornal de orientação católica;
  3. Demonstra que Kalley já havia sido noticiado no Brasil dez anos antes de sua chegada;
  4. Os conflitos na Madeira anunciavam mudanças nas relações internacionais do período.
Por sua vez, há, aqui, pelo menos duas questões a serem consideradas. A primeira é que precisamos pesquisar e conhecer a história do protestantismo sendo críticos aos triunfalismos das narrativas escritas pelos próprios protestantes. A segunda diz respeito ao necessário embate entre versões em conflitos para a produção da “verdade” histórica, esta sempre situada e sujeita a novas interpretações.
No nosso caso, conhecemos o relato a partir do viés de Kalley e dos seus biógrafos posteriores, que deram cores próprias à narrativa, dando ênfase à perseguição sofrida por causa da pregação do evangelho. Os conflitos foram religiosos, políticos e econômicos, que envolveram questões diplomáticas. Kalley, intempestivo, agiu como um agitador social por conta de sua autonomia e fervor evangélico. Sofreu represálias dos próprios presbiterianos e anglicanos ligados às elites da Ilha. Entretanto, os madeirenses pobres viviam tempos difíceis, com êxodos populacionais causados pelos conflitos de terras e, neste caso, religiosos também.
Na interpretação do jornal, a perspectiva foi a da restauração da ordem pública, baseada nos tratados estabelecidos entre Inglaterra e Portugal que proibiam a pregação religiosa por parte dos súditos nas duas nações. Além disso, os recursos impetrados por Kalley para receber indenização pelos danos sofridos na sua prisão e expulsão da Ilha não foram atendidos. Kalley foi tido como alguém que desobedeceu a um tratado internacional, acendeu a guerra religiosa, além de ser herético.
O modo de se escrever história exige a acuidade metodológica de se olhar os olhares. São os “olhos de madeira”, de Carlo Ginsburg. Esta mesma atitude procede quanto à interpretação das Escrituras, a exemplo das três narrativas acerca do reinado de Acaz (2 Rs 16.1-20; 2 Cr 28.1-28; e Is 7.1-16). Afinal, quem foi este rei?
Quanto mais “verdade”, melhor para o Reino, embora nem tanto para as verdades institucionais.

Robert Reid Kalley: Pioneiro do protestantismo missionário na Europa e nas Américas - Alderi Souza de Matos


Introdução

Ao escreverem sobre a implantação da fé protestante em países do terceiro mundo, os estudiosos têm feito uma distinção que aponta para duas modalidades desse fenômeno: o “protestantismo de imigração”, representado por imigrantes protestantes normalmente procedentes da Europa central e setentrional, os quais tenderam a restringir as suas práticas religiosas ao seu próprio grupo étnico, e o “protestantismo de missão”, representado por indivíduos e organizações da Europa e dos Estados Unidos que trabalharam naqueles países com a intenção expressa de angariar adeptos e plantar igrejas entre a população nacional. O médico escocês Robert Reid Kalley é um notável pioneiro dessa segunda modalidade, tendo sido o primeiro missionário protestante a atuar com êxito em várias regiões de língua portuguesa dos dois lados do Atlântico, apesar dos formidáveis obstáculos que teve de enfrentar. Personagem controvertido e polêmico, caracterizado por um espírito empreendedor e independente, Kalley exerceu uma influência profunda e duradoura sobre o protestantismo luso-brasileiro, em diferentes aspectos.

Apesar de Kalley ter se tornado uma figura quase lendária na história do protestantismo brasileiro, alguns aspectos da sua vida, obra e peculiaridades são ainda pouco conhecidos. Daí a oportunidade e relevância de reconsiderar esse pioneiro, visto ter transcorrido recentemente o sesquicentenário da sua chegada ao Brasil (2005). O artigo começa por mostrar as circunstâncias que levaram Kalley da sua Escócia natal à pequena Ilha da Madeira, no Oceano Atlântico. Em seguida, observa-se como a tremenda oposição surgida contra o missionário e seus conversos teve um desfecho não antecipado nem pretendido pelos perseguidores: a difusão da fé evangélica em outras terras. São apontados os fatores que trouxeram Kalley ao Brasil, bem como as influências sofridas e as mudanças experimentadas por ele ao longo da sua caleidoscópica história de vida. Conclui-se com uma avaliação das principais contribuições do personagem, bem como de algumas de suas idiossincrasias pessoais e teológicas.[1]

1. De Glasgow à Ilha da Madeira

Robert Kalley nasceu em Mount Florida, um subúrbio de Glasgow, Escócia, no dia 8 de setembro de 1809. Foi batizado aos oito dias de vida na tradicional e antiga Igreja da Escócia (Presbiteriana).[2] Seu pai, um próspero comerciante e dedicado membro da igreja, faleceu um ano mais tarde. Sua mãe voltou a casar-se, mas morreu em 1815, deixando o filho para ser criado pelo padrasto. Este também era membro da igreja e desejou que o jovem seguisse a carreira ministerial. Aos vinte anos, em agosto de 1829, Robert diplomou-se cirurgião e farmacêutico pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de Glasgow, tendo feito os seus estudos práticos no Hospital Real da mesma cidade. Aceitou um emprego de médico de bordo em duas viagens a Bombaim, na Índia, tendo a oportunidade de visitar muitos portos, inclusive Funchal, na Ilha da Madeira. Sentiu em primeira mão a grande necessidade de médicos no Oriente.[3]

Em 1832, Kalley começou a praticar a medicina em Kilmarnock, a cerca de 30 km de Glasgow, onde se destacou pela sua competência e veio a prosperar financeiramente. Desde a juventude havia sido um incrédulo e agnóstico, tendo sido influenciado pelos escritos do deísta Thomas Paine (1737-1809) e outros autores. Todavia, a atitude de uma paciente cristã, que enfrentou grandes sofrimentos com serenidade e fé, bem como as conversas que teve com ela, levaram o jovem médico a reconsiderar as asserções do cristianismo. O estudo da Bíblia, especialmente das profecias relativas aos judeus e à Palestina, levou-o à conversão e a um interesse pela evangelização dos judeus. Outro fato marcante daqueles anos de transição foi a morte de Robert Morrison (1782-1834), missionário de origem escocesa e presbiteriana, ligado à Sociedade Missionária de Londres, que foi o pioneiro protestante na China (Cantão).

Kalley sentiu que a morte de Morrison representava um desafio e um chamado para ele. Ofereceu os seus serviços à Junta de Missões da Igreja da Escócia como médico missionário e evangelista, mas a junta não o aceitou pelo fato de a China não estar incluída entre os seus campos missionários. Buscou então a Sociedade Missionária de Londres[4], que em fins de novembro de 1837 o admitiu como médico missionário para a China. Foi instruído a embarcar para o campo em 1839, devendo fazer, no ínterim, novos estudos médicos, além de estudos teológicos. Fechou o seu consultório médico e matriculou-se na Universidade de Glasgow, obtendo o grau de doutor em medicina em abril de 1838. Todavia, dois meses após a sua nomeação como missionário, ele havia ficado noivo de Margaret Crawford, de Paisley, cuja frágil saúde a desqualificava para o trabalho na China. A nomeação foi suspensa até uma ocasião oportuna.

Embora a China ainda estivesse nos seus planos, a deterioração da saúde da esposa fez com que Kalley planejasse levá-la por uns tempos para a Ilha da Madeira, cujo clima o havia encantado. Chegaram a Funchal no dia 12 de outubro de 1838. Naquela cidade havia uma grande colônia de escoceses ligada à indústria do vinho e mais tarde Kalley foi eleito presbítero da Igreja Presbiteriana Escocesa ali existente. Logo que chegou, sentiu-se desafiado a empregar as suas aptidões e recursos para auxiliar a população pobre e analfabeta da ilha, e anunciar-lhe o evangelho. Resolveu estudar a língua portuguesa e seguiu para Lisboa, onde, em 17 de junho de 1839, depois de ter sido examinado pela Escola Médico-Cirúrgica daquela cidade, foi habilitado para exercer a medicina nos territórios de Portugal. Seguiu então para Londres, para contatos com a Sociedade Missionária, à qual pedira que o ordenasse pastor e o nomeasse como seu agente na Ilha da Madeira. A Sociedade aprovou a sua ordenação, mas não o aceitou como agente por ainda não ter trabalho naquela ilha. Apesar de não ter feito estudos formais de teologia, sendo aparentemente um autodidata nessa área, Kalley foi aprovado nos exames e ordenado no dia 8 de julho de 1839 por seis ministros presbiterianos ligados à Sociedade. Estes agiram em sua capacidade individual, sem representar uma denominação.[5] Em outubro do mesmo ano, ele retornou à Ilha da Madeira.

Em 1840, Kalley abriu um pequeno hospital com doze leitos em Funchal, com farmácia e consultório grátis para os pobres. Quase cinqüenta pessoas o consultavam diariamente. As consultas eram precedidas por um pequeno culto em que ele lia e explicava as Escrituras e fazia uma oração. Seguia a mesma prática quando visitava os pacientes nos seus lares. Ao mesmo tempo, utilizando recursos próprios e de amigos, abriu escolas diurnas para as crianças e noturnas para os adultos em vários pontos da ilha, nas quais as pessoas aprendiam a ler e eram instruídas nas Escrituras. Nessas escolas mais de 2000 pessoas aprenderam a ler, nos seis anos em que elas funcionaram. Nesse período, Kalley compôs os seus primeiros hinos e escreveu os seus primeiros tratados evangélicos para o povo. Milhares de exemplares das Escrituras foram distribuídos. Aos domingos, grandes grupos reuniam-se nas montanhas para ouvir a pregação do Evangelho e cantar os apreciados “hinos calvinistas”.[6]

2. O espectro da perseguição

A princípio, as autoridades elogiaram o Dr. Kalley pelas suas atividades filantrópicas, registrando em ata, em maio de 1841, a sua gratidão ao “bom doutor inglês”. O povo, reconhecendo os seus serviços, chegou a denominá-lo “o santo inglês”. O ano de 1842 foi particularmente frutífero no trabalho educacional e evangelístico. Porém, no final de janeiro do ano seguinte a hostilidade latente do clero deu início a um movimento anti-herético que, com a cooperação das autoridades civis, rapidamente assumiria proporções assustadoras.[7] Vale lembrar que essas reações antiprotestantes resultaram em parte do caráter conservador de uma comunidade isolada, religiosamente homogênea, como a pequena Ilha da Madeira. Por outro lado, a igreja católica européia vivia um de seus períodos mais conturbados, em que o forte sentimento tridentino e ultramontano da Contra-Reforma fora reforçado ainda mais pela Revolução Francesa e suas conseqüências. O papa então reinante, Gregório XVI (1831-1846), caracterizou-se por seu espírito reacionário e intolerante, manifestando-se fortemente contra os valores da modernidade, tais como a democracia, a liberdade religiosa e a separação entre a Igreja e o Estado.[8] Essa atitude não sofreria alteração durante o longo pontificado do seu sucessor, Pio IX (1846-1878).

Na Ilha da Madeira, as autoridades sucessivamente ordenaram o fechamento das escolas evangélicas, proibiram o Dr. Kalley de exercer a medicina e de realizar cultos domésticos e, invocando uma lei inquisitorial de 1603, o prenderam por seis meses sem direito a fiança (julho de 1843 a janeiro de 1844). Ele tinha a permissão de receber três visitantes de cada vez, mas não podiam cantar hinos e ler as Escrituras. Sob a liderança do cônego Carlos Telles de Meneses, houve um grande esforço no sentido de suprimir o movimento evangélico, do qual resultou a prisão de muitos crentes sob acusações de apostasia, heresia e blasfêmia. Uma pobre mãe de sete filhos, Maria Joaquina Alves, ficou presa durante dois anos e meio (janeiro de 1843 a maio de 1845). Foram terminantemente proibidas a posse e a leitura da Bíblia, embora a versão distribuída fosse a do padre Antônio Pereira de Figueiredo. Após a sua libertação, o Dr. Kalley prosseguiu com o seu trabalho de modo mais limitado e cauteloso, concentrando-se na localidade de Santo Antônio da Serra, onde aos domingos chegavam a reunir-se seiscentas pessoas. Teve o apoio incondicional da Igreja Escocesa de Funchal e de um missionário recém-chegado, o Rev. William Hepburn Hewitson.[9] Em 23 de março de 1845, na casa pastoral da Igreja Escocesa, a Ceia do Senhor foi celebrada pela primeira vez em português segundo a liturgia presbiteriana. Pouco depois, em 8 de maio, foi organizada sob a liderança do Rev. Hewitson a primeira igreja presbiteriana portuguesa, com mais de sessenta membros comungantes, sendo eleitos vários presbíteros e diáconos.

Após passar alguns meses na Escócia, onde falou sobre as suas experiências à Assembléia Geral da Igreja da Escócia em agosto de 1845, Kalley e sua esposa retornaram à Ilha da Madeira. Nos meses seguintes se desencadearam novas perseguições com fúria ainda maior. Os evangélicos continuaram sendo presos, espancados, apedrejados e alguns tiveram suas casas queimadas. Ressoavam na imprensa e outros meios clamores de morte contra os protestantes. Uma série de artigos aparecidos no jornal O Imparcial foi publicada sob o título “Revista histórica do proselitismo anticatólico exercido na Ilha da Madeira pelo Dr. Roberto Reid Kalley, médico escocês, desde 1838 até hoje”. Kalley escreveu uma resposta a esse panfleto acusatório contra os evangélicos, resposta essa que foi publicada em Lisboa e circulou ali e na Ilha da Madeira em julho de 1846. Essa controvérsia aberta parece ter sido o estopim da explosão final, no mês seguinte.[10]

No dia 2 de agosto, um bando chefiado pelo cônego Telles atacou a casa de algumas senhoras inglesas onde cerca de quarenta madeirenses, na maior parte mulheres, haviam se reunido para o culto. Vidros e portas foram quebrados, mas a chegada da polícia impediu que fosse causado dano físico às pessoas reunidas. Nos dias seguintes, muitos “calvinistas” no interior da ilha tiveram suas casas atacadas e sofreram toda sorte de indignidades. O Rev. Kalley tornou-se o alvo principal dos perseguidores e multiplicaram-se ferozes ameaças de morte contra ele. Seus apelos ao cônsul britânico e às autoridades locais foram recebidos com frieza. Na manhã do dia 9, um domingo, a Sra. Kalley foi levada sob disfarce para a residência do cônsul, que havia ido para a sua casa de campo. Disfarçado como uma mulher enferma, o Dr. Kalley foi conduzido em uma rede para uma chácara e dali, antes do raiar do dia 9, foi levado para o navio inglês “Forth”, ancorado na baía de Funchal. Sua casa, móveis, equipamento médico, biblioteca e manuscritos foram todos destruídos em um incêndio, cuja fumaça ele pôde ver do navio. O hospital foi saqueado e muitas das escolas do interior foram queimadas, bem como todas as Bíblias e literatura evangélica que foram encontradas.

Naquela mesma noite, o navio partiu para Trinidad, nas Antilhas (Caribe), onde o Dr. Kalley encontrou a esposa e, juntos, seguiram para a Inglaterra. Nas semanas seguintes à partida do missionário, seus discípulos, acossados, ameaçados e maltratados, também tiveram de fugir para salvar a vida. Os incidentes da Madeira coincidiram com um plano inglês de recrutar trabalhadores para as ilhas de Trinidad, Antigua e St. Kitts, e alguns navios ingleses em busca de trabalhadores haviam chegado a Funchal naquele mesmo mês. No dia 23, duzentos refugiados religiosos partiram a bordo do “William”, levando apenas a roupa do corpo. Dias depois, mais de quinhentos os seguiram no “Lord Seaton” e nos meses seguintes muitos outros abandonaram os seus lares, buscando liberdade de culto do outro lado do oceano. Estima-se que mais de dois mil evangélicos deixaram a sua ilha na perseguição de 1846.

Surpreendentemente, o movimento evangélico na Madeira não foi inteiramente suprimido e, em 1853, uma nova leva de emigrantes calvinistas partiu para o Novo Mundo. A partir de 1875, em um clima de maior tolerância e com o apoio da Igreja da Escócia, várias igrejas presbiterianas foram formadas naquela ilha, que continuaram em existência ao longo do século 20.[11] Com o apoio de igrejas norte-americanas, muitos dos madeirenses que se fixaram nas Antilhas, bem como os emigrados de 1853, foram para os Estados Unidos, estabelecendo-se nas cidades de Springfield e Jacksonville, no Estado de Illinois.[12] As igrejas que formaram eventualmente filiaram-se à Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América, a Igreja do Norte (PCUSA), e deram uma importante contribuição para o início dos trabalhos congregacional e presbiteriano no Brasil.

3. Interregno e transferência para o Brasil

Depois de passar algum tempo na Escócia e na Inglaterra, Kalley trabalhou como médico missionário durante dois anos na Ilha de Malta e outros dois na Palestina (1850-1852). Em Safed, organizou uma pequena igreja na qual metade dos participantes era constituída de judeus convertidos e a outra metade de ex-muçulmanos e nestorianos.[13] Sua primeira esposa, Margaret, veio a falecer no início de 1852. No final daquele ano, ele contraiu segundas núpcias com Sarah Poulton Wilson (1825-1907), a quem conhecera na Palestina. Sarah nasceu em Nottingham, Inglaterra, sendo sobrinha pelo lado materno de Samuel Morley, rico industrial e filantropo, membro destacado do Parlamento Britânico e líder da igreja congregacional.[14] A família também tinha ligações com os Irmãos de Plymouth através de outro tio de Sarah, John Morley.[15]

Sarah recebeu uma educação esmerada e cultivou muitos dotes artísticos, revelados mais tarde na poesia, na pintura e na música. Foi grande defensora do nascente movimento das Escolas Dominicais. Seu trabalho evangélico teve início em Torquay, onde dirigiu uma classe bíblica que se tornou instrumento para a conversão de muitos jovens. Ela visitou a Palestina em março de 1852 em companhia de um irmão mais novo, que veio a falecer de tuberculose em Beirute.[16] Nessa viagem Sarah conheceu o Dr. Kalley, com o qual veio a casar-se em 14 de dezembro do mesmo ano. Esse casamento contribuiu para que Kalley eventualmente se afastasse de suas raízes presbiterianas e se voltasse para o congregacionalismo. Devido às suas extraordinárias qualificações, Sarah deu contribuições à obra do esposo que exigem uma análise mais detalhada do que é possível neste estudo.

No inverno seguinte (1853-1854), Kalley, acompanhado da esposa, foi visitar os amigos madeirenses em Illinois. Passando por Nova York, esteve na Sociedade Bíblica Americana, onde conversou a respeito dos refugiados portugueses. Poucos dias depois, o dirigente da Sociedade Bíblica recebeu uma carta do Rev. James Cooley Fletcher (1823-1901),[17] pastor presbiteriano que trabalhava no Rio de Janeiro para a Sociedade de Amigos dos Marinheiros Americanos, pedindo-lhe o envio de alguns refugiados madeirenses para trabalharem no Brasil como colportores da Sociedade Bíblica. Kalley foi informado sobre isso e decidiu ele mesmo vir para o Brasil no ano seguinte.

O casal Kalley partiu de Southampton em 9 de abril de 1855, chegando ao Rio de Janeiro no dia 10 de maio. Por dois meses e meio se hospedaram em hotéis, mas não encontraram um local adequado onde pudessem residir e iniciar o trabalho evangélico. No final de junho visitaram Petrópolis e ficaram bem impressionados com a cidade. Viram que havia melhor possibilidade de iniciar o trabalho missionário ali do que no Rio de Janeiro, graças ao auxílio que poderiam receber dos colonos alemães. Souberam que uma bela propriedade (Gernheim = lar muito amado) situada em uma encosta do Bairro Suíço ficaria disponível em outubro. Mudaram-se para Petrópolis em fins de julho, hospedando-se em um hotel. Tendo feito amizade com a família do embaixador americano, Sr. Webb, que ocupava Gernheim, foi-lhes permitido iniciar ali uma escola dominical. Na tarde do dia 19 de agosto, a Sra. Kalley iniciou a classe dominical com as crianças da casa e de uma família vizinha. Leram a história de Jonas, cantaram hinos[18] e oraram. Assim nasceu a primeira Escola Dominical do Brasil. Algum tempo depois foi criada uma classe de adultos, dirigida pelo Rev. Kalley. Em 15 de outubro o casal mudou-se para Gernheim. A escola dominical cresceu e no ano seguinte surgiram classes em alemão, inglês e português, para crianças de oito anos para cima.

De agosto de 1855 a maio de 1856, o Rev. Kalley escreveu várias cartas aos irmãos de Illinois, convidando-os para virem ajudá-lo no Brasil. Em dezembro de 1855 chegou William D. Pitt, que havia sido aluno de escola dominical de D. Sarah na Inglaterra, e em agosto de 1856 vieram Francisco da Gama, Francisco de Souza Jardim e Manoel Fernandes, com suas famílias. No dia 10 de agosto daquele ano, na casa alugada por esses crentes no morro da Saúde, o Rev. Kalley oficiou pela primeira vez a Ceia do Senhor, com a presença de dez pessoas. O missionário viu desde o início a importância da literatura e convidou o Sr. Gama para trabalhar como colportor, o que este fez com muita eficiência, vendendo Bíblias e livros evangélicos. Algumas publicações foram encomendadas de Lisboa e outras produzidas pelo próprio Dr. Kalley. Ele também traduziu a famosa obra de John Bunyan, “A Viagem do Cristão” (O Peregrino), publicando-a no Correio Mercantil (outubro a dezembro de 1856) e depois em forma de livro. Também escrevia artigos religiosos nesse periódico. Ao mesmo tempo, desde que chegou a Petrópolis, Kalley procurou relacionar-se com as autoridades civis, inclusive com o imperador Pedro II, do qual se tornou amigo. Como seu vizinho, este foi visitá-lo várias vezes para ouvir sobre as suas viagens através da Palestina.

O casal Kalley partiu para a Inglaterra no dia 17 de janeiro de 1857, a fim de visitar uma tia de Sarah que se achava gravemente enferma. De Londres, onde ficaram por alguns meses, o Rev. Kalley enviou para o Rio de Janeiro uma grande quantidade de literatura. Chegaram de volta ao Brasil em 9 de outubro. Extremamente cauteloso após as perseguições sofridas na Ilha da Madeira, Kalley trabalhou dentro dos limites impostos pela lei brasileira, adotando como modelo básico de evangelização o “culto doméstico”.[19] No dia 8 de novembro, foi batizado o primeiro crente em Petrópolis, o português José Pereira de Souza Louro. No Rio, havia reuniões em português na casa de Francisco da Gama e em inglês na residência de William Pitt. Nos meses seguintes, começaram a surgir artigos na imprensa do Rio revelando preocupação com a propaganda protestante e a distribuição de “Bíblias falsas”. Um motivo a mais de inquietação para os líderes católicos eram as discussões sobre a instituição do casamento civil e outras medidas liberalizantes do governo imperial.

4. O congregacionalismo brasileiro

Em 11 de julho de 1858, Kalley batizou o seu primeiro converso brasileiro, Pedro Nolasco de Andrade, no Rio de Janeiro. Esse dia passou a ser considerado como a data da organização da “Igreja Evangélica”, mais tarde denominada Igreja Evangélica Fluminense (18-09-1863), para distingui-la da igreja presbiteriana organizada pelo Rev. Ashbel Green Simonton no início de 1862. Em Petrópolis, porém, não se chegou a organizar uma igreja, embora houvesse reuniões domésticas semanais, e os crentes ali batizados foram incorporados à igreja do Rio de Janeiro. A igreja do bairro da Saúde foi a primeira comunidade evangélica de língua portuguesa a surgir no Brasil, isto é, a primeira igreja “de missão” que conseguiu lançar raízes permanentes no país. Todas as outras igrejas existentes naquela época ou anteriormente eram constituídas de estrangeiros.[20] Kalley também continuou a exercer suas atividades como médico, prestando assistência gratuita aos pobres e oferecendo os seus serviços à comunidade, como ocorreu durante uma epidemia de cólera em Petrópolis no mesmo ano da sua chegada ao Brasil.

Outro marco importante do ministério do Dr. Kalley foi o batismo de duas senhoras de alta posição, Gabriela Augusta Carneiro Leão e sua filha Henriqueta Soares do Couto, ocorrido em Petrópolis no dia 7 de janeiro de 1859. Dona Gabriela era irmã do Marquês do Paraná e do Barão de Santa Maria. Elas haviam sido evangelizadas pelo crente pioneiro José Pereira de Souza Louro e mais tarde se transferiram para a igreja presbiteriana, na qual permaneceram até o final da vida. Esse batismo parece ter contribuído para o surgimento de pressões contra o trabalho do missionário, que em 26 de maio daquele ano foi proibido de clinicar pelo subdelegado de Petrópolis.

Mediante pressão do núncio, o governo imperial fez chegar à Legação Britânica um comunicado com diversas queixas contra Kalley, tais como propaganda de doutrinas contrárias à religião do Estado e tentativa de conversão de católicos à fé protestante. O missionário formulou uma série de quesitos sobre as suas atividades e os apresentou simultaneamente aos melhores juristas da época, os Drs. Joaquim Nabuco, Urbano S. Pessoa de Melo e Caetano Alberto Soares. Os pareceres foram altamente satisfatórios e no dia 16 de julho Kalley enviou à Legação Britânica uma resposta ao comunicado do Ministro do Governo e uma carta particular ao cônsul William Stuart explicando as suas atividades e os tipos de pessoas que freqüentavam as suas reuniões. Concluiu que a liberdade por ele exercida estava dentro dos limites da lei. Acrescentou que, caso o governo insistisse nas suas tentativas de silenciá-lo, se sentiria na direito de publicar os motivos para tanto e fazê-los conhecidos em todos os países de onde o Brasil esperava colonos.[21]

No dia 29 de agosto de 1859, Kalley defendeu tese na Escola de Medicina do Rio de Janeiro, sendo reconhecido como médico e autorizado a exercer essa profissão no Brasil. Nesse ínterim, recebeu forte apoio de brasileiros e alemães de Petrópolis, que produziram abaixo-assinados em sua defesa.[22] Kalley fez uma segunda viagem à Inglaterra de agosto de 1862 a agosto de 1863. Pretendia tratar do joelho que havia ferido em um acidente com o cavalo, procurar uma pessoa para ajudá-lo no seu trabalho e visitar a Palestina. Antes da sua partida, a igreja elegeu os seus primeiros presbíteros. Kalley retornou ao Rio de Janeiro no início de setembro de 1863 e no dia 2 de outubro foi formalmente eleito pastor da igreja a fim de poder realizar casamentos religiosos com efeitos civis, uma importante conquista dos protestantes brasileiros.[23] Em novembro de 1865, preocupado com o fato de um membro da sua igreja possuir escravos, Kalley fez uma “exortação” expondo seu ponto de vista contrário à escravidão. Seu primeiro pastor-auxiliar foi o Rev. Richard Holden (1828-1886), de março de 1865 a julho de 1871.[24] Isso permitiu a Kalley fazer uma terceira viagem mais prolongada à Europa e à Palestina, ausentando-se por dois anos e meio (dezembro de 1868 a junho de 1871). Em fins de 1873, o missionário foi para Recife, onde fundou a Igreja Evangélica Pernambucana, cujo primeiro pastor residente foi o Rev. James Fanstone (1851-1937), pai do Dr. James Fanstone (1890-1987), fundador do Hospital Evangélico Goiano, em Anápolis.

Em 31 de dezembro de 1875, foi eleito co-pastor da Igreja Fluminense o Rev. João Manoel Gonçalves dos Santos, um membro da igreja que havia estudado desde 1872 no “Pastor’s College”, de Charles H. Spurgeon, em Londres. Ele haveria de pastorear a igreja por quase quarenta anos. Estando mais livre das preocupações do trabalho pastoral, o Rev. Kalley pode dedicar-se à preparação de uma súmula das doutrinas aceitas pela Igreja Evangélica Fluminense, que recebeu o título de “Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo” e foi publicada em 1876. No dia 2 de julho daquele ano, após o acréscimo de um artigo sobre a natureza de Deus (atual artigo 4), a igreja aceitou formalmente os 28 artigos, que são até hoje a base doutrinária dos congregacionais brasileiros. Em novembro de 1880, o governo imperial haveria de sancionar tanto os artigos orgânicos (estatutos) da igreja quanto a sua base doutrinária.

O Dr. Kalley partiu definitivamente para a Escócia no dia 10 de julho de 1876, vindo a falecer em Edimburgo em 17 de janeiro de 1888.[25] Até o seu falecimento, não deixou de corresponder-se com freqüência com os líderes de suas igrejas no Brasil e em outros lugares de língua portuguesa (Portugal, Madeira, Trinidad, Illinois). Foi o pai espiritual e o mentor de toda uma geração de ministros e missionários que imitaram a sua visão, zelo e dedicação. Sentiu o desejo de criar uma sociedade missionária não-denominacional para enviar obreiros ao Brasil, desejo esse cumprido por sua esposa anos mais tarde, com a criação da sociedade “Help for Brazil” (Auxílio para o Brasil), precursora da União Evangélica Sul-Americana (UESA).[26]

5. Kalley e os presbiterianos

Como já foi observado, Kalley nasceu na Igreja da Escócia e manteve ligações com o presbiterianismo durante boa parte da sua vida. As igrejas que resultaram do seu trabalho na Ilha da Madeira, onde seus discípulos eram conhecidos como “calvinistas”, bem como aquelas fundadas por refugiados madeirenses no Caribe e nos Estados Unidos, foram todas presbiterianas.[27] No Brasil, embora ele tenha sido o introdutor do congregacionalismo, suas ligações com os presbiterianos e suas contribuições diretas e indiretas à obra presbiteriana são dignas de nota.[28]

Em primeiro lugar, houve o relacionamento pessoal e direto entre Kalley e o pioneiro do presbiterianismo brasileiro, Ashbel Green Simonton. No mesmo mês em que chegou ao Brasil (agosto de 1859), Simonton visitou a igreja do bairro da Saúde e conversou com o Dr. Kalley, que em tom paternal o incentivou e lhe transmitiu conselhos e advertências.[29] Simonton passou a pregar com certa regularidade na Igreja Evangélica, até que, no mês de dezembro, surgiu um conflito entre os dois obreiros. Devido a um mal-entendido, Kalley sentiu que o colega mais jovem estava invadindo o seu campo de trabalho e expressou as suas críticas a terceiros, inclusive através de uma nota anônima. O problema foi resolvido satisfatoriamente quando, ao ser interpelado, Kalley pediu desculpas por todas as alegações levantadas, revelando, segundo o testemunho do próprio Simonton, um espírito profundamente humilde e generoso.[30] Nos anos seguintes, formaram-se laços muito estreitos entre as duas comunidades evangélicas. Em 1896, durante o pastorado do Rev. James B. Rodgers, quando o templo presbiteriano precisou de uma grande reforma, a igreja reuniu-se no templo da sua congênere durante todo o período das obras.[31]

Kalley também contribuiu com a obra presbiteriana em um sentido mais amplo, através de pessoas originalmente ligadas ao seu trabalho. Quatro líderes das igrejas portuguesas de Illinois foram notáveis missionários presbiterianos no Brasil: Emanuel N. Pires (1866-1869), Hugh Ware McKee (1867-1870), Robert Lenington (1868-1886) e João Fernandes Dagama (1870-1891).[32] Pires e McKee foram dois dos primeiros pastores da Igreja Presbiteriana de São Paulo, por breve tempo. Todavia, Lenington e Dagama tiveram longos ministérios, evangelizando extensamente o interior de São Paulo e, no caso de Lenington, também o Paraná e o sul de Minas. Outro pioneiro extremamente operoso foi William Dreaton Pitt, um inglês que estudou na escola dominical de Sarah Kalley em Torquay, trabalhou junto aos portugueses em Illinois e foi a primeira pessoa a vir para o Brasil em resposta a um apelo de Kalley. Foi um dos fundadores da Igreja Evangélica Fluminense e um dos quatro primeiros presbíteros daquela igreja. Mudando-se para São Paulo, onde trabalhou no comércio, associou-se aos presbiterianos, tornando-se um valioso cooperador do Rev. Alexander Blackford. Faleceu em 1870, poucos meses após a sua ordenação ao ministério. O ministro presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição (1822-1873), ex-sacerdote e primeiro pastor protestante de nacionalidade brasileira, trabalhou durante oito meses em 1867 e 1868 nas igrejas portuguesas de Illinois, com as quais se correspondeu até o final da sua vida.

Outros elementos ligados a Kalley que prestaram o seu concurso à obra presbiteriana no Brasil foram colportores, os mais destacados dentre eles tendo sido Manoel Pereira da Cunha Bastos, que precedeu o Rev. Blackford em São Paulo, e Manoel José da Silva Viana, fundador da igreja congregacional em Recife e colaborador do Rev. John Rockwell Smith. O português Bastos, um ex-diácono da Igreja Evangélica Fluminense, tornou-se colportor da Sociedade Bíblica Americana e foi enviado a São Paulo pelo Rev. Simonton, poucos meses antes da chegada de Blackford. Evangelizou um patrício, José Maria Barbosa da Silva, seu vizinho à rua Aurora, que por sua vez foi instrumento para a conversão dos jovens portugueses Antônio Bandeira Trajano e Miguel Gonçalves Torres, dois dos primeiros pastores presbiterianos nacionais.[33] Um último exemplo de contribuição congregacional ao presbiterianismo brasileiro foram alguns membros das igrejas de Kalley que se filiaram à igreja presbiteriana, dentre os quais se destacam as já citadas Gabriela Augusta Carneiro Leão e sua filha Henriqueta Soares do Couto. Henriqueta veio a casar-se com o irlandês William Esher e foi membro sucessivamente das Igrejas do Rio e de São Paulo. Foi mãe do Dr. Nicolau Soares do Couto Esher (1867-1943), conhecido médico e primeiro presidente da Associação Cristã de Moços do Rio e de São Paulo.[34] As ligações entre congregacionais e presbiterianos no Brasil se explicam pelo fato de, por muitos anos, esses terem sido os únicos representantes do protestantismo missionário no país, bem como pelas suas afinidades históricas e doutrinárias.

6. Peculiaridades pessoais e teológicas

Ao se avaliar a personalidade e contribuições desse missionário pioneiro, vários pontos merecem consideração, a começar do fato de que ele era movido por um profundo senso de vocação e de compromisso com a evangelização de outros povos. Ao deixar o conforto de sua terra natal e buscar o bem-estar material e espiritual desses povos, Kalley procurou identificar-se com as culturas em que trabalhou, embora não tenha se libertado de vários condicionamentos que afetavam a maior parte dos missionários europeus e americanos da época. Um exemplo disso era a sua tendência paternalista, própria de alguém que se considerava pertencente a uma cultura superior e que tinha, portanto, algo a transmitir a pessoas menos instruídas. Ele pagava as contas, administrava os fundos, decidia o que era heresia ou não, estabelecia as metas e era a instância final de apelação para todos os problemas,[35] mas não teve muita preocupação em preparar líderes para substituí-lo. As suas igrejas ficaram excessivamente dependentes dele e experimentaram pequeno crescimento após o seu afastamento e morte.

Outra razão para o pequeno crescimento da obra congregacional foi o isolamento inicial das comunidades, ciosas do princípio da plena autonomia da igreja local. Cinqüenta e cinco anos após a criação da Igreja Evangélica Fluminense (1858) havia somente treze igrejas organizadas no país. Foi só então, em 1913, que os congregacionais começaram a criar uma estrutura nacional, realizando a sua primeira convenção geral. Em termos de comparação, os presbiterianos, cuja primeira igreja foi organizada em 1862, já possuíam cerca de sessenta comunidades por ocasião da criação do Sínodo (1888) e em 1910, época da organização da Assembléia Geral, o número de igrejas haviam subido para 150, apesar das grandes perdas sofridas com o cisma independente de 1903.

Curiosamente, embora tivesse um forte sentimento anticatólico, Kalley demonstrou algumas vezes uma atitude positiva para com certos representantes da igreja majoritária, tendo se tornado amigo do bispo de Funchal e de um sacerdote culto do Rio de Janeiro. No Brasil, ao menos por algum tempo, ele não exigiu o rebatismo dos seus conversos, a não ser que o solicitassem explicitamente. Todavia, sua “Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo”, adotada como padrão doutrinário das igrejas congregacionais no Brasil, parece apontar em seu artigo 25 para o batismo de adultos somente.[36] Segundo o Rev. James Fanstone, Kalley se sentia inquieto quanto à validade do seu próprio batismo e no final da vida teria considerado seriamente a possibilidade de submeter-se ao batismo por imersão.[37] As noções de Kalley acerca da Ceia do Senhor são mais zuinglianas do que calvinistas: o sacramento é antes uma comemoração da morte de Cristo no passado distante e um testemunho ao mundo do que a alegre celebração da sua presença viva e do seu sacerdócio atual.[38] Outra característica de Kalley era a sua forte ênfase à santidade do domingo: ninguém era admitido como membro da igreja se não o observasse criteriosamente, mantendo-se afastado das atividades seculares.[39]

Seu uso da medicina e da educação como meios de serviço cristão e instrumentos para a evangelização continua válido até hoje. Outras estratégias que utilizou também se revelaram muito eficazes e exerceram uma influência duradoura sobre o protestantismo luso-brasileiro: reuniões informais nos lares; distribuição ampla das Escrituras (na tradução católica do padre Figueiredo) e de literatura cristã; uso da imprensa diária para a publicação de artigos e livros (como fez no Rio de Janeiro ao publicar O Peregrino, de John Bunyan); produção de hinos visando a instrução dos crentes e a evangelização (hinos esses utilizados por muitas gerações de evangélicos)[40]; treinamento de líderes leigos como colportores e evangelistas. Os esforços de Kalley no sentido de ter um bom relacionamento com as autoridades civis e outros líderes destacados, especialmente no Brasil, onde chegou a fazer amizade com o próprio imperador, expandiram os limites da liberdade religiosa e ajudaram a preparar as condições para a introdução e rápido crescimento do protestantismo.

Formalmente, Kalley permaneceu um presbiteriano toda a sua vida. Todavia, a sua personalidade e experiências contribuíram para torná-lo um obreiro auto-sustentado que nunca trabalhou sob os auspícios de qualquer denominação ou agência missionária. Seus conversos da Ilha da Madeira abraçaram o presbiterianismo nos diferentes países em que viveram graças, principalmente, ao apoio fiel e decidido da Igreja da Escócia. Todavia, no Brasil ele veio a adotar a forma de governo congregacional. Isso é explicado por vários fatores: sua falta de simpatia por estruturas denominacionais, suas ligações com a Sociedade Missionária de Londres (majoritariamente congregacional), sua ordenação por um grupo independente de ministros e o seu casamento com Sarah Wilson, cuja família tinha fortes laços com essa igreja. Alguns autores chamam a atenção para uma conexão darbista, visto que um tio de Sarah era filiado aos Irmãos de Plymouth e o Rev. Richard Holden, um inglês que trabalhou com Kalley por vários anos no Rio de Janeiro, filiou-se a esse movimento e criou uma divisão na Igreja Fluminense em torno dessa questão. Kalley deplorava o anti-eclesiasticismo dos Irmãos e algumas de suas doutrinas, chegando a escrever oito longas cartas pastorais à Igreja Fluminense sobre os erros do darbysmo (1878-1879), mas certamente foi influenciado por seu estilo de vida simples, seu culto singelo e seu “franco individualismo”.[41]

A teologia de Kalley pode ser descrita como um tipo de evangelicalismo amplo. Duas expressões significativas das suas idéias teológicas são os hinos que ele e sua esposa escreveram e a “Breve Exposição das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo”. O professor Antonio Gouvêa Mendonça sintetizou as concepções do casal Kalley expressas em seus hinos: Deus ama todos os seres humanos, apesar dos seus pecados; a resposta a esse amor é individual e voluntária (em contraste com a doutrina calvinista da predestinação); a salvação não é definitiva, como no calvinismo ortodoxo, mas está sujeita a quedas; isso requer uma ética rigorosa que traça uma nítida linha divisória entre o fiel e o mundo.[42] O referido autor conclui que Kalley era um legítimo representante do puritanismo escocês mesclado com o wesleyanismo metodista. A “Breve Exposição” declara em seu artigo 19 que a igreja de Cristo é composta “de todos os sinceros crentes no Redentor, os quais foram escolhidos por Deus, antes de haver mundo, para serem chamados e convertidos nesta vida, e glorificados durante a eternidade”.[43] Todavia, a maior parte dos artigos poderiam ser aceitos por qualquer evangélico, reformado ou não. Os elementos específicos do calvinismo, tais como a soberania de Deus, a eleição divina e a perseverança dos santos, não são enfatizados.[44]

Apesar das deficiências que possa ter tido, Kalley ocupa um lugar de honra na história das modernas missões protestantes. No que diz respeito ao Brasil, ele estabeleceu a primeira igreja protestante permanente entre os brasileiros de língua portuguesa e foi instrumento para a abertura das portas para a evangelização do povo brasileiro. Através de sua amizade com elementos destacados da sociedade, dos seus métodos de trabalho, de suas consultas a juristas respeitados e de suas reações a tentativas de intimidação por parte do clero, ele contribuiu para a ampliação da liberdade religiosa no Brasil, que veio a ser usufruída por outros missionários e igrejas. Através de suas práticas evangelísticas, dos cultos domésticos e da escola dominical, do uso da hinologia, literatura e imprensa, de seus colportores e conversos que depois se tornaram presbíteros, pastores e evangelistas em outras igrejas, Kalley exerceu uma profunda influência sobre os mais diferentes aspectos do protestantismo nacional. Em especial, seu modelo de evangelização e culto exerceu uma influência profunda e duradoura na cultura evangélica brasileira. A venda de Bíblias e Novos Testamentos de casa em casa, a distribuição de folhetos, as conversas com amigos e colegas de trabalho sobre Cristo e os convites para participar dos cultos domésticos diários foram formas não-agressivas e criativas que permitiram a inserção da nova opção religiosa num período em que ainda existiam diversas restrições legais à propaganda protestante.

Erasmo Braga, o grande líder e estudioso do protestantismo brasileiro, nutria grande admiração pela obra congregacional no Brasil, entendendo que refletia a influência do não-conformismo inglês e do espírito independente dos puritanos. Fascinava-o em especial o caráter eminentemente nacional do novo movimento. Escrevendo em 1931, Braga afirmou: “Sua característica peculiar é o fato de que se trata de um movimento inteiramente nacional, que nunca esteve eclesiasticamente sujeito ou foi financeiramente dependente de qualquer sociedade estrangeira e representa na América Latina uma tendência muito significativa, a saber, uma resposta de mentes ibero-americanas ao Evangelho que não pode ser atribuída à atividade missionária estrangeira”.[45] Kalley tornou-se um marco na história das missões e um pioneiro reverenciado no vasto mundo de língua portuguesa. Dezenas de homens e mulheres influenciados por ele divulgaram a mensagem cristã e plantaram igrejas na Ilha da Madeira, nas Antilhas, nos Estados Unidos, em Portugal e no Brasil. Seu trabalho continua a produzir frutos no presente. Pessoas que pouco sabem a seu respeito são herdeiras do seu ministério e seguem as suas pegadas. A sua coragem, heroísmo e fidelidade continuam a inspirar os cristãos evangélicos – reformados e não-reformados – no cumprimento da tarefa inacabada.