Devemos crer para nascer de
novo ou, nascer de novo para crer? Em termos
teológicos: a fé precede a regeneração ou a regeneração precede a fé? Pelo
menos por três razões este é um ponto importante que deve ser compreendido
biblicamente pelos cristãos fiéis.
Por que discutir sobre isto?
Para começar isto envolve o cerne das
Boas Novas e da Graça de Deus. A maneira de se responder a esta questão afeta a
compreensão de toda a mensagem do Evangelho. Se se disser que a fé deve
preceder o novo nascimento, então deve-se dizer também (1) que todos os homens,
antes da regeneração, não estão de fato espiritualmente mortos {contra Ef. 2:1;
Rm. 3:10-12); (2) que a fé salvadora não é uma dádiva de Deus {contra ICo.
12:3; Fp. 1:29; Ef. 2:8); {3) que o homem natural pode aceitar as coisas do
Espírito {contra ICo. 2:14); (4) que um incrédulo pode crer, quando quiser, por
sua própria capacidade e à parte da regeneração concedida por Deus {contra Jo.
3:3,5; 8:53,47); (5) e que os homens podem vir a Cristo, sem que o Pai os
conduza a Ele {contra Jo. 6:65). Isto é, no mínimo, séria controvérsia.
Duas das grandes ênfases que nos foram
legadas pelos Reformadores (tanto Luteranos como Calvinistas) são a
incapacidade do homem e a soberana graça de Deus na salvação. Teimar que a fé
antecede a regeneração compromete estas doutrinas bíblicas. Não obstante, é
isto que tem sido pregado na maioria dos púlpitos evangélicos hoje.
Qual é a questão?
Muitos evangélicos bem-intencionados
asseveram irredutíveis que a fé deve preceder a regeneração. Certo teólogo
recentemente insistia que "Deus poderia - e mesmo - não iria regenerar um
coração que não O reconheça". Isto é dito mais freqüentemente de maneira
positiva: "Qualquer pessoa desejosa de aceitar a Jesus Cristo como seu
Salvador e Senhor pode receber agora o novo nascimento".
Estas opiniões alicerçam-se em três
pressupostos. Primeiro, que o homem natural não está espiritualmente tão morto
em pecados que não possa crer em Deus para a salvação. Segundo, que a
regeneração é uma dádiva de Deus em resposta à fé do homem (mas a fé em si
mesma não é um dom). Deus nada faz (e nada pode fazer) para nos conduzir à fé
nEle. Ele nos ama porque nós O amamos primeiro. Terceiro, Deus não seria justo
se exigisse fé daqueles que são incapazes de crer.
Conquanto possam parecer piedosas ou
bem-intencionadas, tais posições são perigosas para a vida espiritual do
crente. Elas ignoram, distorcem, e contradizem claros ensinamentos bíblicos.
Além do mais a posição "fé-antes-da-regeração" inevitavelmente rouba
a glória de Deus, alimenta nossa arrogância espiritual, e priva o crente da
segurança da salvação.
Que diz a Bíblia?
Qualquer que seja o ponto de vista
popular em voga, a Palavra de Deus ensina claramente que a regeneração precede
a fé — não é que o novo nascimento ocorre desassociado da fé inicial em Cristo.
Não, regeneração e fé sempre ocorrem juntamente. A fé sempre acompanha a
regeneração, que é produzida antes da fé. O pecador crê em Cristo porque Deus o
regenerou, não ao contrário.
As razões para isso são simples e
bíblicas. Primeiro, a Bíblia ensina que todos os homens estão espiritualmente
monos e portanto incapazes de crer. Todos estão "debaixo do pecado" e
ninguém tem o "temor de Deus" (Rm. 3:9,18). "Não há quem busque
a Deus" (Rm. 3:11). Romanos 8:7-8 deixa claras as condições do homem antes
da regeneração: aqueles que "estão na carne" estão em "inimizade
contra Deus", "não podem agradar a Deus" nem "estão
sujeitos à Lei de Deus". Jesus afirmava incisivamente que os homens estão escravizados
ao pecado (Jo. 8:34). Além disso, tanto Paulo como Jesus nos afirma que o homem
natural não pode 'Ver" nem "entender" as coisas espirituais {Jo.
3:3; ICo. 2:14). Por isso Paulo descreve o não-regenerado como morto "em
delitos e pecados" (Ef. 2:1), não apenas debaixo da condenação do pecado,
mas desprovido de vontade e incapaz de mudar (cf. Jr. 3:23). Tais pessoas não
estão em condições de exercitar a fé salvadora.
Segundo, a Bíblia ensina que a
regeneração é a obra de Deus em mudar os nossos corações e libertar-nos da
servidão espiritual. Mesmo no Antigo Testamento os profetas enfatizam o papel
de Deus em conceder vida espiritual (vide Ez. 36:26-27; Jr.31:33). Entretanto o
Evangelho de João mostra mais claramente que a regeneração é obra de Deus.
"O Filho vivifica aqueles a quem quer" (Jo.5:21b). "O que é
nascido do Espírito, é espírito" (Jo. 3:6). Jesus disse a Nicodemus:
"Importa-vos nascer de novo" (Jo. 3:7), mas João já havia nos dito
que os salvos "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da
vontade do homem, mas de Deus" (Jo. 1:13). Não se deseja nascer de novo,
tanto quanto um feto não pode desejar nascer. Só Deus é quem pode fazer esta
grande obra espiritual. John Blanchard diz: "tornar-se um cristão não é
dar um novo início na vida, mas receber uma nova vida para dar início".
Terceiro, a Bíblia nos ensina que só
Deus é quem pode nos capacitar para crer. Paulo diz aos Filipenses:
"Porque vos foi concedida a graça [...] de crerdes nEle" (Fp. 1:29).
Noutras palavras, Deus os capacitou para terem fé em Cristo. Efésios 2:8 chama
toda nossa salvação, e inclusive a fé, de "dom de Deus". A fé é
chamada de fruto da obra do Espírito no crente (GL5:22). A Escritura afirma
incontestavelmente que a fé salvadora resulta de um coração regenerado. Por
exemplo, João diz que "todo aquele que crer que Jesus é o Cristo é nascido
de Deus" (ljo. 5:1a). A fé é o resultado e a evidência da regeneração.
Paulo expõe isso com mais veemência: "ninguém que fala pelo Espírito de
Deus afirma: Anátema Jesus!" (ICo. 12:3b). Isto é, ninguém pode crer sem a
capacitação do Espírito. É assim que Lucas descreve a experiência inicial de fé
de Lídia: "o Senhor lhe abriu o coração para atender às cousas que Paulo
dizia" (At. 16:14). A fé é, em si mesma, o fruto da regeneração, não a sua
causa. Para poder crer, é necessário que, antes, você esteja vivo.
É aqui que muitos cristão tropeçam,
pois suas mentes não podem deslindar o "Paradoxo do Evangelho": o
homem precisa crer em Cristo para ser salvo, e ele não poderá crer sem que Deus
o regenere. Não é que a Bíblia seja obscura sobre o tema, mas que esta doutrina
é difícil de ser engolida por homens inchados de orgulho.
Por um lado nosso Senhor Jesus Cristo
mesmo diz: "Vinde a mim todos [...]" (Mt. 11:28), e por outro:
"Ninguém pode vir a mim se o Pai [...] não o trouxer" (Jo. 6:44).
Jesus está se contradizendo? Não. Está sendo insincero em seu convite? Não. Seu
ensinamento enfatiza tanto a responsabilidade de crer como a necessidade de
Deus nos conceder graciosamente nova vida espiritual, antes de podermos colocar
nEle a nossa confiança.
Que importância tem?
Bênçãos espirituais importantes fluem
quando os crentes se agarram a este ensino. Piimeiro, a segurança da sua
salvação é fortalecida. Compreende que Deus o amou primeiro, que o regenerou, e
que esta fé em Deus é o fruto da graciosa iniciativa de Deus.
Segundo, o orgulho é banido porque
reconhecemos que mesmo a nossa fé — pela qual recebemos todos os benefícios da
obra redentiva de Cristo é uma dádiva de Deus.
E finalmente, toda a glória é dada ao
Deus que nos salvou. Porque ao crermos que a nossa salvação é, do começo ao
fim, fruto da graça de Deus, poderemos cantar e louvar ao Senhor com o autor do
hino:
Contemplei o Senhor, e depois
compreendi,
Que, buscando-me, moveu-me a buscá-lo;
Não fui eu, ó vero Salvador, que te
achei;
Mas, por Ti, fui encontrado.