segunda-feira, 30 de novembro de 2015

As chaves do Reino de Deus




Você já ouviu a história de que Pedro era um velhinho de barbas brancas com um molho de chaves nas mãos, as quais são das portas de entrada do céu? Daí que surge o ditado popular de que Pedro é o manda chuva, porque é ele quem abre e fecha o céu.

Na verdade o texto de Mateus 16.19[1] não concorda com essa historieta, mas é algo distinto. E é isso que o Catecismo de Heidelberg vai nos mostrar no 31º Dia do Senhor, concluindo a segunda parte[2] do Catecismo a qual começou mostrando que, no 5º Dia, a nossa redenção se deu por intermédio de Jesus Cristo, sendo Ele verdadeiro homem e verdadeiro Deus, e agora, encerrando essa parte, o Catecismo nos mostra que a pregação abre e depois fecha e que a disciplina fecha e depois abre o Reino.
83. Que são as chaves do reino dos céus?
R. A pregação do santo Evangelho e a disciplina cristã. É por estes dois meios que o reino dos céus se abre para aqueles que crêem e se fecha para aqueles que não crêem (1).
(1) Mt 16:18,19; Mt 18:15-18.
84. Como se abre e se fecha o reino dos céus pela pregação do santo Evangelho?
R. Conforme o mandamento de Cristo, se proclama e testifica aos crentes, a todos juntos e a cada um deles, que todos os seus pecados realmente lhes são perdoados por Deus, pelo mérito de Cristo, sempre que aceitam a promessa do Evangelho com verdadeira fé. Mas a todos os incrédulos e hipócritas se proclama e testifica que a ira de Deus e a condenação permanecem sobre eles, enquanto não se converterem (1). Segundo este testemunho do Evangelho Deus julgará todos, nesta vida e na futura.
(1) Mt 16:19; Jo 20:21-23.
85. Como se fecha e se abre o reino dos céus pela disciplina cristã?
R. Conforme o mandamento de Cristo, aqueles que, com o nome de cristãos, se comportam na doutrina ou na vida como não-cristãos, são fraternalmente advertidos, repetidas vezes. Se não querem abandonar seus erros ou maldades, são denunciados à igreja e aos que, pela igreja, foram ordenados para este fim. Se não dão atenção nem a admoestação destes, não são mais admitidos aos sacramentos e, assim, excluídos da congregação de Cristo, e, pelo próprio Deus, do reino de Cristo. Eles voltam a ser recebidos como membros de Cristo e da sua igreja, quando realmente prometem e demonstram verdadeiro arrependimento (1).
(1) Mt 18:15-18; 1Co 5:3-5,11; 2Co 2:6-8; 2Ts 3:14,15; 1Tm 5:20; 2Jo :10,11.

Abre, depois fecha

Como o próprio Catecismo responde, a primeira chave do Reino é a pregação da Palavra de Deus. Nós não devemos cair no engano de que, se Deus já predestinou alguns para a salvação, nós não devemos pregar o Evangelho. Spurgeon certa vez disse que pregava o evangelho porque os eleitos não possuem listras amarelas nas costas. Ou seja, não há nenhuma identificação no eleito – o qual não ouviu o Evangelho. Devemos anunciar o Evangelho a todos e Deus, a Seu tempo, trará o eleito à Cristo. No entanto, o não eleito, ao ouvir o Evangelho, não aceitará a mensagem de salvação, pois para ele a mensagem da cruz é loucura. Porque “para estes certamente cheiro de morte para morte; mas para aqueles cheiro de vida para vida” (2Co 2.16).

Deus quer que anunciemos as boas novas em Cristo Jesus, mostrando a nossa condição espiritual diante de Deus, condição esta, sem a intercessão de Cristo, faz com que fiquemos debaixo da ira de Deus a qual será manifesta no juízo vindouro.

Fecha, depois abre

Infelizmente não é muito comum nós ouvirmos falar sobre disciplina na igreja. No entanto, o assunto é bíblico e sério. A disciplina exercida pelo governo da igreja não deve ser entendida como algo retrogrado ou desnecessário para os nossos dias. Não obstante, não devemos disciplinar sem amor, pois o próprio Catecismo diz que eles devem ser “fraternalmente advertidos”, pois não deve ser motivo de vanglória disciplinar alguém, mas deve ser algo amoroso, não só da parte do governo da igreja, como também dos irmãos da igreja à este faltoso.

Portanto, o propósito da disciplina não é castigar, mas servir de exemplo para a igreja local e de animosidade pessoal. Exemplo para a igreja, para que ela não se manche com o pecado, e animosidade ao disciplinado porque Deus corrige a quem ama (Hb 12.5-11).

Mas aqueles que insistem em pecar, incessantemente, não dando ouvido às advertências e se recusando a abandonar o pecado, são excluídos da comunhão da igreja, comprovando ser uma árvore má que só dá frutos maus.

Assim como a porta para o reino é fechada pela disciplina na igreja, também a porta é aberta novamente com alegria pela confissão do pecado e pela evidência de um verdadeiro arrependimento.

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Notas:
[1] E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.
[2] A primeira parte (Os nossos pecados e miséria) do 1º Dia ao 4º Dia; A segunda parte (Nossa salvação) do 5º Dia ao 31º Dia; E a terceira parte (nossa gratidão) do 32º Dia ao 52º Dia do Senhor.

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Autor: Denis Monteiro
Fonte: Bereianos

domingo, 29 de novembro de 2015

Instruções para o Culto Familiar




Ato da Assembléia Geral de 1647 com Relação à sua Observância
Assembléia em Edinburgh 24 de agosto de 1647 Décima Sessão


ATO QUANTO À OBSERVÂNCIA DAS INSTRUÇÕES DA ASSEMBLÉIA GERAL PARA O CULTO INDIVIDUAL E FAMILIAR E EDIFICAÇÃO MÚTUA; E QUANTO ÀS CENSURAS PELA NEGLIGÊNCIA DO CULTO FAMILIAR.

A Assembléia Geral, após madura deliberação, aprova as seguintes Normas e Instruções para promover a piedade, e prevenir divisões e cismas; e designa ministros e presbíteros em cada congregação para tomarem especial cuidado, a fim de que estas Instruções sejam observadas e seguidas; bem como, de igual modo, os presbitérios e sínodos para que verifiquem e julguem se essas Instruções estão sendo observadas em suas fronteiras; e reprovem e censurem (de acordo com a gravidade da ofensa), os que forem achados reprováveis e censuráveis a esse respeito. E, a fim de que estas Instruções não se tornem ineficazes e não proveitosas entre alguns, devido à costumeira negligência à própria substância do dever do culto familiar, a Assembléia determina e aponta ministros e presbíteros para investigarem e averiguarem, nas congregações sob seus respectivos cuidados, se há entre eles alguma família ou famílias que costumam negligenciar este necessário dever; e se for descoberta tal família, o cabeça da família deve ser primeiramente advertido em privado a corrigir sua falta; e, em caso de insistência na falta, deve ser solene e seriamente advertido pela sessão (concílio); após o que, se ele continuar negligenciando o culto familiar, deve ser, por sua obstinação em tal ofensa, suspendido e impedido de participar da ceia do Senhor, visto ser justamente considerado indigno de comungar, enquanto não se corrigir.


INSTRUÇÕES DA ASSEMBLÉIA GERAL, CONCERNENTES AO CULTO INDIVIDUAL E FAMILIAR, E MÚTUA EDIFICAÇÃO; PARA A PROMOÇÃO DA PIEDADE E MANUTENÇÃO DA UNIDADE, E PARA EVITAR CISMAS E DIVISÕES.

Além do culto público em congregação, misericordiosamente estabelecido nesta terra em grande pureza, é apropriado e necessário que o culto individual de cada pessoa à sós e o culto familiar sejam estimulados e organizados, para que, com a reforma nacional, a profissão e o poder da piedade, tanto pessoal como domésticos prosperem.

A Necessidade do Culto Individual

I. Primeiramente, com relação ao culto individual, é extremamente necessário que cada um à parte, e por si mesmo, se dê à oração e meditação. O indizível benefício advindo disso é melhor conhecido por aqueles que são mais exercitados nesta prática. Este é o meio pelo qual, de modo especial, a comunhão com Deus é nutrida, e uma correta preparação para todos os demais deveres é alcançada. Portanto, cabe aos pastores, entre seus diversos deveres, pressionar toda sorte de pessoas a executarem esse dever pela manhã e à noite, e em outras oportunidades. É também dever do cabeça de cada família zelar no sentido de que ele mesmo, e todos os que estão sob sua autoridade, sejam diligentes nisso diariamente.

Ordem para o Culto Familiar

II. Os deveres ordinários compreendidos no exercício da piedade que devem ser realizados em famílias quando reunidas com este propósito são os seguintes: Primeiro, oração e louvores, com referência especial, tanto à condição pública da igreja de Deus neste reino, como à presente situação da família e de cada um dos seus membros. A seguir, leitura das Escrituras e explicação de um modo claro, a fim de que a compreensão dos mais simples possa ser melhor capacitada a tirar proveito das ordenanças públicas e a entenderem melhor as Escrituras; bem como conversas piedosas com vistas à edificação de todos os membros na mais santa fé; assim como, admoestação e repreensão, quando há justa razão, por parte daqueles que estiverem em posição de autoridade na família.

Uso Apropriado das Escrituras no Culto Familiar

III. O ofício de interpretar as Escrituras Sagradas é parte da vocação ministerial, o qual ninguém (embora de outro modo qualificado) deveria atribuir a si mesmo em nenhum lugar, exceto aquele que é chamado para isso por Deus e por sua igreja. Entretanto, em cada família onde houver alguém que possa ler, as Escrituras devem ser lidas ordinariamente para a família; e é recomendável que depois disso confiram, e por meio de conferência (conversas), façam bom uso do que foi lido e ouvido. Assim, se por exemplo, algum pecado for reprovado pela palavra lida, deve-se fazer uso dela no sentido de que toda a família se torne prudente e vigilante contra o mesmo; ou, em se tratando da menção de algum julgamento, deve-se fazer uso do texto lido a fim de que toda a família tema, de sorte que não recaia sobre ela julgamento semelhante ou pior; e finalmente, se algum dever for requerido, ou algum conforto oferecido em uma promessa, deve-se fazer uso disso para estimular a família a buscar força em Cristo a fim de serem habilitados a cumprir o dever requerido, e a aplicar o conforto oferecido. Tudo deve ser dirigido pelo cabeça da família; e qualquer de seus membros pode propor uma pergunta ou dúvida para ser solucionada.

A Responsabilidade do Marido/Pai

IV. A cabeça da família deve zelar a fim de que nenhum membro da família deixe de participar de qualquer parte do culto familiar; e, visto que a realização ordinária de todas as partes do culto familiar pertence propriamente a cabeça da família, o ministro deve estimular os que forem preguiçosos e instruir os que forem fracos, a fim de que se habilitem para estes exercícios. É possível, porém, que pessoas habilitadas, aprovadas pelo presbitério, realizem esta instrução. Nos casos em que o chefe da família for incapacitado, outra pessoa da família, aprovada pelo ministro e pela sessão (concílio), pode ser empregada nesse serviço, devendo o presbitério ser notificado. E se um ministro, pela providência divina, vier a alguma família, ele não deve reunir apenas uma parte dela para o culto, excluindo os demais, exceto em casos especiais que envolvam estas pessoas em particular e quando (pela prudência cristã) os demais não devam tomar conhecimento.

Líderes de Fora Não Permitidos

V. Não permitam que nenhum desocupado, não vocacionado, ou pessoa sem atividade ou com o pretexto de um chamamento, realizem culto nas famílias; visto que pessoas corrompidas, com erros ou que procuram divisão, podem estar prontos para penetrar sorrateiramente nas casas e cativar pessoas néscias e instáveis.

Os Que São Admitidos no Culto Familiar

VI. Um cuidado especial deve ser tomado a fim de que cada família se reúna sozinha para o culto familiar; não requerendo, convidando nem admitindo membros de outras famílias, a menos que se trate de pessoas hospedadas, ou que participem da mesa da família, ou que se encontrem com eles em alguma ocasião legítima.

VII. Por melhores que tenham sido os efeitos e frutos de encontros de pessoas de famílias diferentes, em tempos de corrupção e dificuldades (em cujas circunstâncias muitas coisas tornam-se recomendáveis, embora sejam intoleráveis em circunstâncias normais), ainda assim, quando Deus nos abençoa com a paz e pureza do evangelho, tais reuniões de pessoas de famílias diversas (exceto nos casos mencionados nestas Instruções) devem ser reprovadas, por tenderem a ser um empecilho ao exercício espiritual de cada família por si mesma, por serem prejudiciais ao ministério público, por afastar as famílias das suas congregações, e com o decorrer do tempo, de toda a igreja. Além disso, muitos erros podem advir dessa prática, os quais endurecem o coração dos homens carnais, e entristecem os piedosos.

A Família no Dia do Senhor

VIII. No dia do Senhor, após cada membro da família à parte, e toda a família reunida haverem buscado o Senhor (em cujas mãos está a preparação do coração do homem), para prepará-los para o culto público e abençoar as ordenanças públicas, o cabeça da família deve zelar a fim de que todos os que estão sob seus cuidados estejam presentes no culto público e se unam aos demais membros da congregação; e, terminado o culto público, após a oração, devem considerar o que ouviram, e gastar o restante do dia livre em estudos e conversas familiares sobre a palavra de Deus; ou então, cada um à parte, deve aplicar-se à leitura, meditação e oração, a fim de que possam confirmar e aumentar sua comunhão com Deus; de modo que os benefícios adquiridos por meio das ordenanças públicas sejam desenvolvidos e promovidos, e eles sejam mais edificados para a vida eterna.

Oração Familiar

IX. Todos os que podem conceber a oração, devem fazer uso deste dom de Deus. Embora os rudes e mais fracos possam começar com orações fixas, não devem fazê-lo de modo a se tornarem lerdos em estimularem em si mesmos (de acordo com suas necessidades diárias) o espírito de oração, o qual é conferido em alguma medida a todos os filhos de Deus. Para isso, eles devem ser mais fervorosos (sinceros) e freqüentes na oração em secreto a Deus, pedindo que seu coração seja habilitado a conceber, e sua língua a expressar desejos apropriados por sua família. Enquanto isso, para o maior encorajamento dessas pessoas, elas devem meditar e fazer uso dos seguintes assuntos em suas orações:
Confessem a Deus o quão indignos são para virem à Sua presença, e quão despreparados estão para cultuar Sua Majestade; e, conseqüentemente, supliquem diligentemente que Deus lhes confira espírito de oração.
Confessem seus pecados, e os pecados da família, acusando, julgando e condenando a si mesmos por isso, até que suas almas experimentem alguma medida de verdadeira humilhação.
Derramem suas almas diante de Deus, em nome de Cristo, por intermédio do Espírito, suplicando pelo perdão dos pecados, por graça para arrepender-se, para crer e para viver sóbria, reta e piedosamente; e para servir a Deus com alegria e prazer, andando na Sua presença.
Agradeçam a Deus por Suas muitas misericórdias para com o Seu povo, e para com vocês mesmos, especialmente por seu amor em Cristo, e pela luz do evangelho.
Orem pedindo os benefícios particulares, espirituais e temporais, que estejam necessitando no momento, na saúde ou na doença, na prosperidade ou na adversidade.
Intercedam pela Igreja de Cristo em geral, por todas as igrejas reformadas, e por sua igreja em particular, e por todos os que estão sofrendo pelo nome de Cristo; por todas as nossas autoridades superiores, pelo rei, pela rainha e seus filhos; pelos magistrados, ministros, e por todo o corpo da congregação da qual são membros, bem como por seus vizinhos ausentes envolvidos com os seus afazeres legais, bem como por todos os que estejam em casa.

A oração pode ser encerrada com a expressão de um sincero desejo que Deus seja glorificado na vinda do reino do Seu Filho, do cumprimento da Sua vontade, e da convicção de que vocês são aceitos, e de que o que pediram de acordo com a Sua vontade será feito.

A Urgência do Culto Familiar

X. Estes exercícios devem ser realizados com grande sinceridade, sem procrastinação, colocando de lado todas as atividades seculares ou impedimentos, a despeito da zombaria dos homens ateus e profanos, em respeito às grandes misericórdias de Deus para com esta terra, e às severas correções às quais Ele anteriormente fez vir sobre nós. Com vistas ao cumprimento desses exercícios, pessoas eminentes (e todos os presbíteros da igreja), não apenas devem estimular-se a si mesmos e suas famílias a serem diligentes nesse dever, mas também devem agir efetivamente, no sentido de que em todas as outras famílias sob seus cuidados ou influência, estes exercícios sejam conscientemente realizados.

Ocasiões Especiais para o Culto Familiar

XI. Além desses deveres familiares ordinários, mencionados acima, deveres extraordinários, tanto de humilhação como de agradecimento, devem ser cuidadosamente levados a efeito nas famílias, sempre que o Senhor os requeira, por meio de ocasiões extraordinárias privadas ou públicas.

A Necessidade de Edificação Mútua

XII. Visto que a Palavra de Deus requer que nos consideremos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, em todas as épocas, e especialmente nesta, quando a impiedade abunda, e os escarnecedores, andando em suas próprias concupiscências, estranham que outros não concorram com eles ao mesmo excesso de devassidão; cada membro desta igreja deve estimular-se a si mesmo e uns aos outros aos deveres de edificação mútua, pela instrução, admoestação, repreensão, exortando uns aos outros a manifestar a graça de Deus, renegando a impiedade e as paixões mundanas, e vivendo sensata, justa e piedosamente neste presente século, confortando os fracos, e orando uns pelos outros. Estes deveres devem ser levados a efeito especialmente em ocasiões especiais oferecidas pela providência Divina; como, por exemplo, quando ocasiões de calamidade, adversidade ou grandes dificuldades, exigem conselho e conforto; ou quando um ofensor precisa ser admoestado privadamente, e, não sendo isso suficiente, a presença de mais uma ou duas pessoas se faça necessária, de acordo com a regra de Cristo, a fim de que pela boca de duas ou três testemunhas, toda a verdade possa ser estabelecida.

Aconselhamento

XIII. Visto que não é dado a todos falar de modo apropriado a pessoas que necessitam de aconselhamento, conforto ou repreensão, faz-se necessário que tais pessoas, nessa situação, não encontrando paz após terem feito uso de todos os meios ordinários privados e públicos, dirijam-se ao seu pastor, ou a outro crente experiente. Se, contudo, a pessoa com dificuldade de consciência, for de uma condição ou sexo que a discrição, modéstia ou temor de escândalo requeira que um amigo íntimo, sóbrio e sério esteja presente com eles em tal difícil ocasião, é imprescindível que tal amigo se faça presente.

Casos excepcionais

XIV. Quando pessoas de famílias diferentes forem reunidas pela providência Divina, seja devido à vocação comum, ou por qualquer outra circunstância necessária, visto que devem ter sempre a presença do Senhor deles consigo aonde quer que forem, tais pessoas devem falar com Deus, e não negligenciar o dever da oração e da ação de graças. Devem, contudo, ter prudência para que a oração seja feita por aquele que, dentre o grupo, for julgado capacitado para tal. Devem, de modo semelhante, ter prudência para que conversas corrompidas não lhes saiam da boca, mas apenas o que for bom para a edificação, e para ministrar graça aos ouvintes.

As Principais Razões destas Instruções

O propósito e escopo destas Instruções não é outro senão, por um lado, nutrir e promover o poder e a prática da piedade entre ministros e membros desta igreja, de conformidade com suas diversas posições e vocações; e reprimir toda impiedade e fingimento dos exercícios religiosos. E, por outro lado, impedir que, sob o nome e pretexto de exercícios religiosos, seja permitida qualquer reunião ou prática que possa degenerar em erro, escândalo, divisão, desacato ou desconsideração para com as ordenanças públicas e ministros, ou negligência dos deveres dos chamados particulares, ou quaisquer outros males, os quais são obras não do Espírito, mas da carne, e são contrárias à verdade e à paz.

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Fonte: The Directory for Family Worship (Greenville, South Carolina: Greenville Presbiterian Theological Seminary, 1994).

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Fatores que evidenciam uma Crise Pastoral




Em dias de crise econômica e escassez ética, nada melhor que refletir sobre as motivações que podem gerar uma situação igual a que estamos vivendo no contexto político de nossa pátria. Refletir sobre o tema específico é proveitoso. É justamente isso que iremos fazer neste conteúdo. Porém, não direcionaremos nossa reflexão à crise político-econômica de nossos dias. Pois, ao abordar esse tema, necessariamente, outros temas viriam à baila. E se fizermos uma busca pelo ponto cerne de tudo, sem sombra de dúvidas, chegaríamos ao pecado como causa. Mas, a crise a ser abordada aqui, bem como suas causas, é na realidade outra, e que tem se instaurado em outro ambiente, a saber, no ministério pastoral. 

Há anos que temos instaurado no cenário religioso tupiniquim uma verdadeira “crise pastoral”. Em primeiro lugar, precisamos definir termos; Poimen, este que é o termo utilizado para pastor em grego e que significa supervisionar o rebanho – cuidado contínuo, zelo, preocupação com bem-estar e saúde das ovelhas. Observando o significado do termo em si, logo nos vem algumas dúvidas, a saber: Por que tantas pessoas que se aventuram no ministério pastoral não possuem essas características? Por que tantos que se aventuram neste ofício realizam a lógica contrária, a saber, obter vantagens próprias por meio das “ovelhas” ao invés de ampará-las? Na realidade, vivemos uma grande “Crise Pastoral” sem precedentes. Neste texto, tentarei destacar alguns dos principais motivos de tal crise.

O primeiro e mais grave motivo pelo qual vivemos em dias atuais, uma verdadeira “Crise Pastoral” é a falta de conhecimento bíblico que norteia o cenário religioso cristão da atualidade. O profeta Oseias já alertava no seu tempo (Oseias 4:6). Na atualidade há uma baixa cultura literária em nossa nação, e dentro deste índice, A Bíblia figura. O problema aumenta quando entendemos que todo e qualquer cristão deva ter o mínimo de conhecimento dos idiomas originais da Bíblia, isso porque vivemos uma época onde cada vez mais pessoas combatem os pressupostos cristãos se utilizando da própria Bíblia e de recursos exegéticos (na grande maioria das vezes fazem “eixegese” ao invés de exegese) – um bom exemplo é a Teologia Inclusiva que tenta usar argumentos bíblicos para legitimar-se. Quando se figura num cenário, cristãos que leem e conhecem pouco o livro que regulamente suas regras de fé e prática – A Bíblia – e pessoas que a estudam com intenções tendenciosas e ideológicas, sempre com intuito de refutá-la, temos um ambiente favorável para o surgimento de várias aberrações da fé. Este é o pano de fundo da “Crise Pastoral” que anunciamos aqui. Vejamos as palavras do profeta Oseias:
O meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento; porque tu rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim; e, visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também eu me esquecerei de teus filhos”. (Oseias 4:6)

O interessante é ver nisso tudo que o próprio Deus rejeita aqueles que rejeitam o conhecimento, Deus os rejeitou como sacerdotes. O conhecimento pode ser entendido aqui como a lei de Deus, e quem a rejeita, Deus os rejeita. Podemos perceber que há uma grande possibilidade de haver no cenário religioso atual uma quantidade elevada de pessoas que rejeitam e negligenciam à Bíblia, e, por isso, são rejeitados por Deus. Mas, estas pessoas, se intitulam pastores aptos a conduzir o rebanho. Estas pessoas estão lançadas às suas próprias sortes. Deus os rejeitou como sacerdotes, líderes e pastores, por negligência da Palavra de Deus. Imagine agora como será um ambiente onde o líder fora desprezado por Deus, mas ele se julga apto a liderar o rebanho? É justamente nesses ambientes onde vemos as maiores aberrações da fé. Assim como Israel caminhou em direção da destruição por ter negligenciado a Lei de Deus, muitos caminham em direção de um precipício e de olhos vendados, sendo guiados por um líder que também não enxerga nada. Falsos pastores conduzindo falsas ovelhas, pois as verdadeiras ovelhas reconhecem a voz de seu verdadeiro pastor (João 10). 

Outro motivo que poderia figurar na lista das causas da “Crise Pastoral” que vislumbramos em nossos dias, seria cometido por aquelas pessoas que escolhem ser pastor. Certo dia ouvi uma pessoa dizer que desde pequeno sonhava em ser pastor. Ela não queria realizar outra coisa em sua vida. Ao ouvirmos isso, aparentemente, soa como algo lindo. Porém, precisamos refletir biblicamente sobre esta alegação. Moisés foi um dos homens chamados por Deus que relutou contra isso (Êxodo 4:1-17), ele não se sentia preparado para executar tamanha tarefa, nem muito menos queria ser líder desde pequeno. O próprio Jeremias relutou quando Deus o chamou (Jeremias 1:6) como se não se avaliasse preparado. Inclusive, é o próprio profeta quem escreve em seu livro que os pastores serão dados exclusivamente por Deus (Jeremias 3:15). Jeremias também não sonhava em exercer uma liderança desde criança. Nestes dois casos, nenhum dos personagens bíblicos escolhe ser líder do povo, mas Deus os chama mesmo assim. Numa outra passagem das Escrituras Sagradas, outro dado interessante é quando o Profeta Samuel vai até a casa de Jessé escolher o novo rei de Israel em sucessão de Saul (I Samuel 16), Deus dá uma ordem ao profeta:

Porém o Senhor disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a grandeza da sua estatura, porque o tenho rejeitado; porque o Senhor não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o Senhor olha para o coração” (I Samuel 16:7)

Aqui vemos uma concatenação entre  os dois textos mencionados, a saber, o de I Samuel 16:7 e o de Jeremias 3:15. Mas, mais que isso, estas palavras foram ditas por Deus quando Samuel tinha olhado para um dos filhos de Jessé (Eliabe) e o havia avaliado como sendo o futuro rei de Israel. Mas Deus alerta Samuel para não se iludir com a aparência. Hoje sabemos que as aparências enganam. Deve ser por isso que só Deus pode conceder pastores, porque só Ele pode sondar os corações. E como o próprio homem não conhece de fato seu próprio coração e nem o coração alheio, é melhor que Deus confirme e escolha aqueles que devem conduzir o rebanho. 

Podemos mencionar também o apóstolo Paulo como sendo importante expoente dentro desta lista e tema, pois o mesmo fora chamado por Deus de uma forma bem específica. Sua conversão, sobrenatural, na estrada de Damasco, aponta para um homem que não escolhe Deus, mas que Deus o escolhe. Ao avaliarmos o processo que Deus executa em chamar aqueles que Ele mesmo escolhe para a realização de sua obra, não vemos nenhum homem que escolhe, desde pequeno, servir a Deus. Vemos homens que foram chamados, em determinados momentos de suas respectivas vidas, alguns ainda com pouca idade (o rei Josias que foi levantado por Deus aos oito anos de idade), outros já de idade adulta, mas independente disso, homens que nem se quer pensavam em desenvolver uma função dada por Deus. Com isso, devemos atentar para algo, a saber, precisa-se ter muito cuidado quando alguém abre a boca e diz que desde pequeno sonhava e queria ser pastor. Essas palavras podem ser verdadeiras, mas a Bíblia não dá ênfase a tal regra, muito pelo contrário, a grande maioria dos chamados de Deus em direção ao homem se dá quando este mesmo homem já possui uma idade adulta e nem se quer fazia planos para seguir a Deus. Talvez este seja um dos principais motivos cujo qual sofremos uma grande “Crise Pastoral” na atualidade – pessoas que escolhem ser pastor, e todo bom pastor não escolhe ser, mas Deus o escolhe. 

Outro motivo recairia na omissão e falta de coragem por parte de muitos homens em realizar tanto sua função pastoral, como também seu próprio papel de homem. Entendemos que antes de tudo, um bom pastor precisa ser “Homem” – com H maiúsculo. Vivemos uma “Crise Pastoral” porque muitos homens se esquecem disso. Quando me refiro ser homem, não me refiro aos aspectos masculinos, mas sim à personalidade e caráter. Refiro-me ao que de fato é masculinidade. E dentro deste conceito sabemos que existem dois tipos de masculinidade; a verdadeira e a falsificada. Nas palavras de Douglas Wilson, seria desta forma:
“A masculinidade falsificada se destaca por criar desculpas; porque essa ‘masculinidade’ é uma questão de orgulho, e não a humilde aceitação da responsabilidade. Assim, qualquer coisa que ameace esse orgulho deve ser rejeitada. Uma das coisas que sempre ameaçam o orgulho é qualquer tipo de falha, e a maneira como homens inseguros lidam com isso é dando desculpas. A verdadeira masculinidade assume a responsabilidade, e ponto final. Já a falsa masculinidade irá querer aceitar a responsabilidade apenas por aquilo que deu certo.” (WILSON, 2012, p. 24)

Um dos principais motivos por vivermos na atualidade uma “Crise Pastoral” é nada mais nada menos que ausência de uma masculinidade verdadeira e a presença de uma masculinidade falsificada nos homens envolvidos com a obra de Deus. Homens de masculinidade falsa, que não assumem suas responsabilidades pastorais. Assumir responsabilidades é a maior característica presente no caráter de um “Homem”, e é justamente esta característica que evidencia os homens de masculinidade verdadeira, àqueles com H maiúsculo. Como este tipo de homem está em extinção no cenário religioso do Brasil, figurando mais os homens de masculinidade falsificada, este segundo grupo de “homens” dão margem para surgir várias aberrações nos púlpitos. Infelizmente, muitas mulheres assumem a postura que devia ser vista nos homens. O surgimento do fenômeno da ordenação feminina no seio da liturgia cristã contemporânea, não se dá apenas por falta de conhecimento bíblico-exegético – mesmo entendendo que este é o principal motivo deste fenômeno –, mas também por termos na atualidade uma geração de homens de masculinidade falsificada que não assumem suas respectivas responsabilidades pastorais. Sempre que uma mulher é ordenada pastora, há por trás disso um homem de masculinidade falsificada. Sua masculinidade é tão falsificada que uma mulher assume seu lugar. É como se ela estivesse dizendo em alto e bom tom: “Aqui tem homem!”, e infelizmente, o papel do homem é realizado por ela mesma. Este é mais um dos principais motivos por estarmos vivendo na atualidade uma “Crise Pastoral”.

Por fim, entendemos que todo o processo do chamado de Deus em direção aos verdadeiros pastores e líderes atende uma ordem monérgica. Ou seja, é o próprio Deus quem a executa de forma plena e autônoma. Quando o homem se julga preparado para exercer tamanha função, já é um mau sinal. Pois, como o Próprio Deus é quem chama, Ele mesmo preparará o indivíduo gradativamente. E uma das características dos homens chamados e levantados por Deus é justamente nunca se sentir preparado. O preparo além de ser gradativo, não possui um estágio final, e é contínuo. É por nunca se sentir preparado que aqueles que Deus realmente levantou como pastores acreditam ser de tamanha responsabilidade este título – pastor. Por outro lado, há aqueles que se avaliam como sendo totalmente aptos e preparados a exercer as funções pastorais. Eles se avaliam como sendo tão aptos e preparados que não aceitam, nem sequer, serem chamados mais de pastores, pois este título rebaixa suas condições elevadas de homens preparados. O título de pastor provoca comichão e incômodo na alma, provoca inquietação e insatisfação – “paipóstolo”, “mãepóstola”, “apóstolo” etc., conforta mais uma alma megalomaníaca e sedenta por uma subida incessante na escadaria do poder. 

Daqui uns dias o título de demiurgo estará sendo utilizado por alguns destes homens. Deve ser justamente estes a quem Oseias nos alerta. Estes que rejeitaram o Senhor e que foram rejeitados e esquecidos de forma recíproca. Estes que caminham por caminhos que não conhecem e levam consigo uma grande multidão que juntos estabelecem em nossos dias uma profunda, funesta e amarga “Crise Pastoral”. 

Falsos pastores se estabelecem por si próprio, mas o verdadeiro pastor é Deus quem levanta, e as verdadeiras ovelhas, não as falsas, conhecem a sua voz.

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Autor: Thiago Azevedo
Via: Electus

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Corazim, Betsaida e o Molinismo -




Considere este post como uma (longa) nota ao meu post anterior. Um dos textos preferidos dos molinistas é Mateus 11:21-24, porque o mesmo indica (1) que existem contrafactuais verdadeiros de liberdade, isto é, verdades sobre o que as criaturas livres teriam feito em diferentes circunstâncias, e (2) que Deus sabe destes contrafactuais. No post anterior eu apontei que, apesar de (1) e (2) apoiarem o Molinismo quando confrontado com pontos de vista como o Teísmo Aberto, eles não o favorecem se comparado ao Agostinianismo, já que o mesmo também afirma (1) e (2). (O ponto onde o Molinismo e Agostinianismo divergem, pelo menos, filosoficamente, está no que diz respeito à natureza da liberdade da criatura e como o conhecimento de Deus sobre os contrafactuais da liberdade se relacionam com seu decreto eterno.)

Neste post eu quero destacar um comentário feito por Dan como incentivo a um exame mais detalhado de Mateus 11:21-24 e sua relevância para o debate entre molinistas e agostinianos. Dan escreveu:

Um dos clássicos “textos de prova” em favor do conhecimento médio também parece resistente a uma leitura agostiniana/calvinista e parece favorecer a liberdade não-determinista. Mateus 11:21 diz: “Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza”.
No calvinismo, a graça irresistível (também conhecida como “regeneração monergista” ou “chamado eficaz”) determina a conversão de tal forma que qualquer pessoa, dada a graça irresistível de Deus, não pode resistir e irá eventualmente se arrepender. Além disso, sem a graça irresistível, ninguém pode se converter devido a sua depravação.
Por esse versículo, sabemos que o povo de Corazim não se arrependeu, mas o povo de Tiro teria se arrependido se as mesmas obras tivessem sido feitas lá. Tiro era notoriamente pecaminosa, então a comparação tem como propósito envergonhar as pessoas de Corazim. Eles realmente tiveram uma grande oportunidade de se arrepender, logo, sua escolha de permanecer no pecado foi mais perversa do que a de Tiro. No entanto, no Calvinismo, Deus não deu ao povo de Corazin a única coisa que Ele sabia que poderia ativar e causar o arrependimento: a graça irresistível. Isso por si só é problemático!
Mas há um outro problema que diz respeito ao povo de Tiro. Nem as pessoas de Corazim nem as de Tiro se arrependeram. No calvinismo, poderíamos concluir com segurança que nenhum deles recebeu a graça irresistível, porque se tivessem recebido, eles se arrependeriam. Mas o versículo nos dá o contra-factual: o povo de Tiro teria se arrependido, se as mesmas obras fossem ali realizadas. Então, como é que Tiro poderia se arrepender sem a graça irresistível? No calvinismo, ficamos com a contradição de que a graça irresistível tanto é quanto não é uma condição necessária para o arrependimento.
Para evitar o problema, alguns podem dizer que o arrependimento não é verdadeiro arrependimento. Mas Cristo pregou sobre o verdadeiro arrependimento: arrependam-se pois o Reino de Deus está próximo! Ele nunca usa “arrependimento” como falso arrependimento e Ele sempre denuncia qualquer pretensão exterior de conversão e expõe qualquer auto-engano e falsa segurança. Além do mais, isso invalida (provavelmente inverte) o principal objetivo de Cristo de dizer as pessoas de Corazim que elas eram piores do que as de Tiro. É melhor recusar a ceia do Senhor do que participar de forma fingida, é melhor não saber o caminho da justiça do que conhecê-lo e sair dele, logo, é melhor viver em pecado aberto do que viver com um falso arrependimento. Portanto, se o arrependimento é um falso arrependimento, o povo de Corazim é melhor do que o de Tiro, porque eles evitaram um falso arrependimento. Mas isso é o oposto do que Cristo quer dizer.
A melhor solução parece ser negar a graça irresistível e dizer que o homem tem liberdade não-determinista em relação a resistir a graça de Deus.

Estas observações são certamente interessantes e merecem uma resposta. Mas, antes de entrar em detalhes, vamos considerar os detalhes do contexto em seus próprios termos:

Então começou ele a lançar em rosto às cidades onde se operou a maior parte dos seus prodígios o não se haverem arrependido, dizendo: Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida! porque, se em Tiro e em Sidom fossem feitos os prodígios que em vós se fizeram, há muito que se teriam arrependido, com saco e com cinza. Por isso eu vos digo que haverá menos rigor para Tiro e Sidom, no dia do juízo, do que para vós. E tu, Cafarnaum, que te ergues até ao céu, serás abatida até ao inferno; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje.Eu vos digo, porém, que haverá menos rigor para os de Sodoma, no dia do juízo, do que para ti. (Mateus 11:20-24)

O texto nos diz explicitamente que o propósito de Jesus ao dizer estas palavras era “denunciar as cidades”, porque elas não se arrependeriam apesar de ter testemunhado muitos dos milagres que Jesus havia realizado. Eles tinham provas suficientes, mas recusaram reconhecer a autoridade de Jesus e desprezaram seu convite ao arrependimento. De forma mais específica, a denúncia de Jesus se dá com uma comparação com as antigas cidades notoriamente depravadas de Tiro, Sidom, e Sodoma.

Agora, será que essas declarações de Jesus apoiam as afirmações molinistas da forma que Dan nos está sugerindo? Em primeiro lugar, não é óbvio que devamos supor que Jesus esteja fazendo a afirmação contrafactual precisa que os molinistas assumem. Certamente Jesus está fazendo declarações assertivas aqui. Mas será que ele está realmente afirmando algo tão específico como uma verdade contrafactual literal sobre o que as pessoas dessas cidades antigas teriam feito se Jesus tivesse realizado os mesmos milagres diante deles? (Devemos notar, de passagem, que esse teria sido um possível mundo muito diferente deste!)

A questão que Jesus trata aqui é simplesmente que o povo de Corazim e Betsaida tinha um coração endurecido e que eles eram merecedores do Juízo por sua incapacidade de se arrepender; na verdade, eles foram ainda mais teimosos e culpáveis do que o povo de Tiro e Sidom. Esse ponto não implica por si só a precisa reivindicação contrafactual que Dan e outros molinistas assumem. A título de comparação, suponha que eu fosse repreender um dos meus filhos, dizendo: “Se eu lhe pedisse isso mil vezes, ainda assim você não faria o que lhe foi dito!”. Em face disso, essa afirmação tem a forma de um contrafactual de liberdade (se S estava na condição C, S faria/não faria A). Mas será que eu estou mesmo afirmando a proposição específica de que meu filho não faria o que eu havia pedido se ele realmente se encontrasse em circunstâncias em que eu lhe havia dito isso mil vezes (literalmente!)? Sugerir isso seria claramente interpretar excessivamente minhas palavras. Colocando em termos técnicos: essa interpretação acabaria perdendo o verdadeiro conteúdo proposicional da minha fala.

Naturalmente, o fato de que minha declaração não tinha o propósito de ser tomada de forma literal não significa que a proposição contrafactual seja falsa. A questão aqui é o significado da minha declaração (ou seja, qual proposição está expressando) ao invés de sua veracidade (ou seja, se a proposição expressa é realmente verdadeira). Ao fazer essa declaração, estou basicamente afirmando algo sobre a teimosia do meu filho. E o que estou afirmando é verdadeiro!

Da mesma forma, ao questionar se Jesus está realmente afirmando a proposição contrafactual que Dan assume que ele esteja, eu, enfativamente, não estou sugerindo que Jesus poderia afirmar algo falso. Ao contrário, estou sugerindo que a verdade que Ele está afirmando é muito mais simples: as pessoas de Corazim e Betsaida são teimosas e duras de coração (até mais do que o povo de Tiro e Sidon) e elas serão julgadas por isso. E essa verdade é tão consistente com a perspectiva agostiniana quanto com a perspectiva molinista.

A lição então é que os molinistas provavelmente colocam mais peso sobre este texto do que ele realmente contém. Quando prestamos atenção ao argumento que Jesus está fazendo, podemos ver que suas palavras não contém o tipo de vinculações filosóficas que apoiariam as reivindicações molinistas acerca dos contrafactuais de liberdade. Adaptando uma fala de Ludwig Wittgenstein: Os molinistas estão fazendo a “linguagem comum” de Jesus sair em férias.

Mas vamos supor que eu esteja errado sobre tudo isso. Vamos supor que Jesus realmente esteja afirmando proposições contrafactuais que Dan e outros molinistas acham que Ele esteja. Será que isso iria favorecer o Molinismo sobre o Agostinianismo, sabendo que este último rejeita a liberdade não-determinista e afirma a graça irresistível?

Uma questão importante diz respeito ao tipo de arrependimento tratado no versículo 21. Dan afirma que este deve ser “o verdadeiro arrependimento” ao invés de um “falso arrependimento”. Mas eu estou em dúvida sobre essa dicotomia simples. Parece-me que a Bíblia deixa espaço para um tipo de arrependimento que é genuíno até certo ponto (ou seja, não é totalmente sincero, não também não é um mero teatro) e ainda assim é não-salvífico (ou seja, fica aquém da verdadeira conversão espiritual). O arrependimento dos ninivitas no livro de Jonas pode muito bem ser um exemplo de tal arrependimento.

Se um arrependimento não-salvífico e limitado desse tipo está em vista no versículo 12, as questões que Dan levanta sobre a Depravação Total e a Graça Irresistível estão além da discussão. E isso não iria mudar em nada a denúncia que Cristo faz. Jesus, na realidade, estaria dizendo algo como: “Se os meus milagres tivessem sido feitos em Tiro e Sidom, eles teriam se arrependido [isto é, com um limitado arrependimento não-salvífico], mas vocês têm visto os milagres e não responderam a eles com nenhum tipo de arrependimento! “Tal leitura seria inteiramente consistente com a observação (correta) de Dan de que “o principal objetivo de Cristo era dizer que as pessoas de Corazim eram piores do que as de Tiro”.

Mas mais uma vez, vamos assumir a suposição de Dan para o bem do argumento, ou seja, vamos assumir que o arrependimento no versículo 21 deve ser arrependimento totalmente salvífico. Isso iria levantar um problema para o Agostinianismo/Calvinismo? Eu não penso assim, e vou explicar por que, em resposta ao argumento de Dan.

Dan observa que, na visão calvinista, nem o povo de Tiro nem o de Sidom, nem as pessoas de Corazim ou Betsaida haviam recebido a Graça Irresistível, porque se eles tivessem, teriam se arrependido. Isso é verdade: decorre da própria definição de Graça Irresistível. (Eu prefiro falar de “graça eficaz”, mas não vamos tergiversar sobre rótulos.) Dan assume ainda mais, no entanto, que, no cenário contrafactual em que Tiro e Sidom se arrependeriam em resposta às grandes obras, eles não haviam recebido a Graça Irresistível. Assim, ele conclui que o versículo 21 não se ajusta com aquilo que o calvinista alega (que ninguém pode se arrepender sem graça irresistível).

Mas esta suposição é injustificada. Na interpretação padrão de contrafactuais, precisamos considerar se o efeito do contrafactual (de Tiro e Sidom se arrependerem) é verdade no mais próximo mundo possível em que o fator antecedente (i.e., o povo de Tiro e Sidon ver as grandes obras) é verdade. Por tudo o que sabemos, o mais próximo mundo possível é aquele em que o povo de Tiro e Sidom recebem a Graça Irresistível. Certamente, Dan não nos deu nenhuma boa razão para excluir esta possibilidade. Tendo em conta que em uma visão compatibilista da liberdade, as livres escolhas de uma pessoa são determinadas não só por fatores internos a essa pessoa, mas também por fatores externos (ou seja, circunstâncias), e que podem haver relações causais complexas entre esses fatores internos e externos, seria difícil de refutar esta suposição. Deus trabalha fora seu decreto através de uma multiplicidade de meios inter-relacionados. Por que o mundo mais próximo possível em que Deus decreta que os milagres de Cristo seriam realizados em Tiro e Sidom não poderiam também ser um mundo onde Deus leva Tiro e Sidom ao arrependimento através de sua Graça Irresistível?

Com efeito, para levar a discussão um pouco mais adiante, por que os milagres não podem fazer parte dessa graça irresistível? (Créditos a Paul Manata por sugerir essa idéia). No coração da doutrina da graça irresistível está simplesmente a afirmação de que Deus tem poder para trazer qualquer pecador  espiritualmente morto que Ele escolhe para a salvação, de tal forma que eles vêm a Cristo livremente (ou seja, sem coerção; veja WCF 10.1). Mas Deus é livre para usar uma ampla variedade de meios (incluindo meios circunstanciais) para cumprir o seu chamado eficaz em diferentes pessoas, como a diversidade de testemunhos de conversão cristã ressalta. Não devemos pensar na Graça Irresistível como uma espécie de interruptor espiritual interno que Deus simplesmente pressiona a fim de levar alguém a conversão! Haverá sempre alguns meios que são centrais e universais entre as conversões genuínas, tais como a obra interna do Espírito Santo ao trazer convicção do pecado e a compreensão do evangelho. Mas os meios circunstanciais pelo qual Deus leva a fé e o arrependimento podem e, de fato, variam consideravelmente.

Tendo dito tudo isso, dentro de uma visão reformada da providência divina e do chamado eficaz, os pressupostos de Dan sobre o cenário contrafactual em que os povos de Tiro e Sidom se arrependeriam são injustificados. E, portanto, mesmo se admitirmos suas outras hipóteses (isto é, que Jesus está fazendo uma reivindicação contrafactual literal e precisa e que o arrependimento no versículo 21 deve ser um arrependimento salvífico), os pronunciamentos de Cristo em Mateus 11:21-24 não dão nenhum apoio adicional ao Molinismo se deparado contra o Agostinianismo/Calvinismo. Uma perspectiva calvinista e compatibilista pode acomodar estas declarações de Cristo tão bem como uma perspectiva molinista e libertária.

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Autor: James N. Anderson
Fonte: Analogical Thoughts
Tradução: Erving Ximendes

sábado, 21 de novembro de 2015

O início do fim da era cristã




Efésios 2:1. Ele vos deu vida, estando vós mortos em vossos delitos e pecados.

Antes de tudo, a depravação total da humanidade é uma doutrina bíblica. O pecado de Adão deformou intensivamente a natureza humana. Não só o homem foi degradado pelo pecado, mas toda a criação. A depravação é intensiva e completa, afeta a humanidade em todos os níveis. Ela reduz o homem à condição de quase animalidade ao deformar em nós a imagem e a semelhança de Deus. As multidões quase incontáveis que vagam pela vida, destituídas de dignidade e reduzidas à imbecilidade, proclamam essa verdade. A vida de bilhões se resume a comer, reproduzir e morrer. A miséria de suas vidas reflete depravação de suas almas. A vida é apenas biológica, estão e são absolutamente mortos espiritualmente, não passam de cadáveres que respiram!  

Os mais afortunados econômica e socialmente também não escapam da putrefação espiritual causada pelo pecado, no entanto, a diferença é que os envolve um verniz de sucesso material, que aparentemente os faz pensar que vivem. Corpos vivos e almas mortas, assim é o homem do pecado. A falsa impressão de vitalidade trazida pelo pecado é só um paliativo, uma mentira soprada por Satanás nos ouvidos humanos. Por isso muito se ri, muito se diverte e muito se festeja. Diante da tragédia da morte, o homem "vive", dá-se em casamento, se regozija diante da imundície com um orgulhoso senso de imortalidade.

O cristianismo compreendido como fundamento da civilização moderna está morto! Sua função de fundamento epistemológico foi mortalmente abalada pelo relativismo pós-moderno! A vastíssima contribuição do pensamento cristão a cultura e ao saber está sendo esquecida tanto na Europa quanto na América pós-cristã. O pentecostalismo e o neopentecostalismo são bizarrices teológicas que comprometem muito mais do que beneficiam o cristianismo, o que só ratifica a ideia do fim da era cristã.

O fim da modernidade, cuja preocupação com imperativos morais era visível, que bebia da racionalidade cartesiana, marca o início da pós-modernidade, cuja característica primeira é o absoluto relativismo (uma contradição). Durante a modernidade, no auge do capitalismo bem sucedido e da revolução industrial, o cristianismo cumpriu um papel fundamental como estruturador não só do conhecimento, mas de padrões éticos, morais e legislativos. As sociedades, mesmo que deformadas pelo pecado, erguiam-se sob leis e Estados que obedeciam a certo padrão bíblico de governo. Pensadores como Rosseau, Locke, Hobbes, Kant, Hegel e outros, buscavam no cristianismo [mesmo que indiretamente], a referência para construção de suas ideias e para as implicações práticas delas na constituição de seus modelos de Estado e sociedade.  

Na pós-modernidade isso acabou. A relativização absurda da razão matou a coerência e a verdade! A permissividade entendida equivocadamente como "verdade do outro" é responsável pelo recrudescimento da podridão ética e moral em nosso tempo. A depravação total do homem nunca foi tão palpável! O certo ao ser confundido com o que dá certo resulta numa sociedade sem qualquer traço de retidão. A felicidade como um fim em si mesma, e o prazer como motor dessa felicidade potencializa o pecado. Diante da corrupção causada pelo relativismo pós-moderno, tudo cai num estado de degradação quase absoluto, a cultura, as leis, a política, a economia e as ideias. 
   
Morte em vida! É o que resta a cadáveres insepultos. Tudo gira em torno de falsas premissas. Como nos dias do dilúvio, o homem vive despreocupado, alimentando seu vazio com festejos e prazeres descontrolados. A sensação de que tudo é possível trazida pelo avanço inócuo da tecnologia aumenta a sensação mentirosa e fugaz de eternidade. A vida cheia de promessas vãs e prazeres imediatos traz uma falsa sensação de independência diante do senhorio de Deus. A humanidade vive seu delírio, achando que tem controle sobre a vida. Pensando que tudo pode e que tem tudo. Mas, vive sem Jesus! Então, tudo lhe é subtraído, inclusive a vida!

O fim da era cristã, todavia, não significa o fim da Igreja de Cristo! O problema não está no evangelho, está no cristianismo debilitado pelas heresias, está no pecado que deprava a natureza humana. A Igreja de Cristo é invencível, nos prometeu o próprio Jesus. Os que Deus elegeu serão alcançados irrevogavelmente e suas naturezas regeneradas, para glória e louvor de seu nome. O antídoto para depravação e suas mazelas é a regeneração dos eleitos. A condição desumana de quase animalidade trazida pela depravação será desfeita pela regeneração. A nova criatura será reconduzida a imagem e semelhança do Criador.

A confusão de nossos dias não é confusão para Deus. Tudo foi preordenado para que seu nome fosse alçado acima de todos os nomes. O Senhor Jesus voltará em poder e glória e a criação será restaurada. A realidade desfeita e caótica são sinais de sua volta. O caos aparente é, na verdade, o perfeito acontecer de sua vontade!

SOLI DEO GLORIA!

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Humor apologético? Por C. H. Spurgeon




Vivemos numa época tão trivial que muitos fazem humor e chamam isso de apologética. Veja como Paulo via a condição da igreja nas palavras de Spurgeon, veja  como era o estado do seu espírito em relação a isso. Spugeon diz:

"Nossas Igrejas, eu lhes digo para sua vergonha, toleram em seu seio membros que não têm nenhum direito a este título; membros que estariam bem melhor se postos em uma sala de festim, ou em qualquer outro lugar de dissolução e loucura, mas que jamais deveriam molhar os lábios no cálice sacramental ou comer o pão místico, emblemas dos sofrimentos de nosso Senhor. Sim, em vão procurariam dissimular que há vários entre nós – (e se tu voltasses à vida, ó Paulo. Quanto não te sentirias apressado em nos dizer, e quantas lágrimas amargas não derramarias ao nos dizer!...) – que são inimigos da cruz de Cristo, e isto porque o deus deles é o ventre, porque eles dirigem suas afeições às coisas da terra, e sua conduta está em completo desacordo com a santa lei de Deus.

Eu me proponho, meus irmãos, a procurar com vocês a causa da dor extraordinária do Apóstolo. Eu digo: dor extraordinária, porque o homem que meu texto apresenta como derramando lágrimas, não era, vocês sabem, um desses espíritos fracos, de sensibilidade doentia e sempre perto de se emocionar. Eu não li em nenhuma parte nas Escrituras que o Apóstolo chorasse sob o golpe da perseguição. Quando, segundo a expressão do salmista, se traçavam sulcos sobre seu dorso, quando os soldados romanos o lancetavam com suas varas, não sei de nenhuma lágrima que tenha escapado de seus olhos. Foi ele jogado na prisão? Ele cantava e não gemia. Mas, se jamais Paulo chorou por causa dos sofrimentos aos quais se expôs por amor a Cristo, ele chorou, nós vimos, ao escrever aos Filipenses. A causa de suas lágrimas era tripla: ele chorava, primeiramente, por causa DO PECADO de alguns membros da Igreja; em segundo lugar, por causa DOS EFEITOS DESAGRADÁVEIS DA CONDUTA DELES, e enfim, por causa do DESTINO que lhes esperava."

“Pois muitos andam entre nós, dos quais, repetidas vezes eu vos dizia e, agora, vos digo, até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo. O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas”. - (Fil. 3:18,19).

Fonte: C. H. Spurgeon

O mau pregador não prega em casa - Por Charles R. Spurgeon


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Esta é nossa obrigação primária: devemos começar na lareira de casa; é mal pregador aquele que não inicia seu ministério no lar. Os pagãos devem ser buscados por todos os meios, e as brechas e oportunidades devem ser aproveitadas, mas o lar tem prioridade, e ai daqueles que invertem a ordem estabelecida pelo Senhor. Ensinar nossos filhos é um dever pessoal; não podemos delegá-lo aos professores da escola dominical, ou a outras fontes úteis — estes podem nos auxiliar, mas não podemos nos eximir dessa obrigação sagrada; outros mestres e tutores são instrumentos malignos nestes casos; pai e mãe devem, como Abraão, ordenar sua casa no temor de Deus, e falar com sua descendência a respeito dos espantosos feitos do Altíssimo... Parcelas do papado (por força de religiosos profissionais) estão sorrateiramente avançando em nossa terra, e um dos meios mais efetivos para resistir a essa incursão é relegado ao descaso, a saber, a instrução dos filhos na fé. Tomara estes pais despertem para reconhecer a importância dessa questão.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Conheci as doutrinas da graça, mas, estou numa igreja herética: o que devo fazer? Por Thomas Magnum





Para um cristão nascido de novo, é salutar estar numa igreja local, é bíblico que os crentes congreguem e tenham comunhão com outros irmãos. A igreja foi criada por Deus e sua existência não é algo restrito ao Novo Testamento, mas, no Antigo Testamento já vemos a igreja presente com o povo de Israel. No entanto o que estamos nos propondo a refletir neste texto é se basta estar simplesmente numa igreja, isto é, qualquer igreja.

Há “ditos populares antigos” que defendem um ecumenismo evangelical que dizem, “temos o mesmo Deus”, “o que importa é que cremos em Deus”, “nossas diferenças são insignificantes”, “Deus é o Deus de todos”, “a letra mata”, “o mais importante é o amor”, “no céu não terá teologia”. Claro que tais afirmações têm algum fundo de verdade, mas, não podemos dizer hoje ao evangelizarmos alguém, que este procure uma igreja perto da sua casa. A igreja próxima da casa dessa pessoa pode provavelmente ser uma igreja herética ou uma seita, então, estaremos contribuindo negativamente para vida dessa pessoa. Até mesmo ao dizermos procure uma igreja que ensine a Bíblia, muitas igrejas heréticas ensinam a Bíblia, de forma distorcida, mas, ensinam. O que nos resta nesses dias é uma delimitação do que é igreja: o que é uma igreja saudável? O que é uma igreja bíblica? O que é uma igreja verdadeira?

Diante desse problema, temos outro problema comum, pelo menos em minha realidade e na região do país onde moro – há escassez de igrejas bíblicas, reformadas, não somente na teologia, mas no culto, na evangelização e missões.

Estamos vivendo uma efervescência da teologia reformada no país, algo que considero bom, porque ao olharmos a história da reforma protestante, vemos que a popularidade da reforma e a propagação de sua mensagem deram-se em grande parte pela imprensa, que era o meio tecnológico que Deus proveu para sua igreja naquela época. Hoje temos uma popularização da teologia reformada por meio das redes sociais, vídeos, cursos online, livros digitais, etc. É possível fazer um curso teológico com bons professores pela internet, o que em outros tempos somente era possível se houvesse um deslocamento geográfico. No entanto nossa problemática aumenta, e chegamos à pergunta de nosso título. Conheci as doutrinas da graça, mas, estou numa igreja herética: o que devo fazer? A questão não é fácil por alguns motivos que quero listar:
a) O que você entende por igreja herética?
b) Você conhece de forma consistente o que sua igreja professa doutrinariamente?
c) Você já conversou com seu pastor sobre as supostas heresias?
d) Você está sendo movido a sair da igreja por vaidade ou por certeza que os ensinos ali pregados estão distantes da sã doutrina?

Já tive o desprazer de ver uma igreja histórica aderir aos ensinos heréticos do neopentecostalismo. Já tive o desprazer de ver um seminário anteriormente professante da fé reformada aderir o ecumenismo religioso e ao liberalismo teológico. O fato não está longe de nós, ao contrário. Vamos então aos questionamentos supracitados.

O que é uma igreja herética?

Comecemos pelas bases. Uma igreja cristã deve crer na Bíblia como sendo a Palavra de Deus, infalível e inerrante. O posicionamento da igreja sobre a Bíblia é à base de tudo na teologia dessa comunidade local. A Bíblia não somente contém a Palavra de Deus, ela é a Palavra de Deus. A Bíblia interpreta-se, a Bíblia não está abaixo da autoridade humana ou eclesiástica, a Bíblia não é serva da igreja, mas a igreja deve seguir os ensinos da Bíblia. A Bíblia é um todo completo, ela não precisa de complemento de revelações, profecias, sonhos, visões, ou nela ser anexado algum outro tipo de literatura arrogando a mesma autoridade, a reforma professou Sola Scriptura(Somente a Escritura) e Tota Scriptura (Toda a Escritura). A Bíblia é o guia da verdadeira igreja de Cristo. Se uma igreja põe em xeque essas questões ela é de fato uma igreja herética.

Outro fator que devemos mensurar numa igreja herética é o que ela professa sobre Cristo. Qual é o papel de Cristo nessa igreja? A grande questão muitas vezes não é a que está na confissão doutrinária da igreja, mas, o que na prática ela crê sobre Cristo. Cristo é o criador (Cl 1.13-23; Jo 1.1-3), é o logos (Jo 1.1), a imagem exata de Deus (Hb 1.3), Cristo é Deus (Jo 20.28), Cristo é Suficiente para sua igreja (Cl 2; Fl 2). Cristo é o único mediador entre Deus e os homens, Cristo ressuscitou em carne (Lc 24.39). Importante considerar o que a igreja diz sobre a Trindade, nosso Deus é um Deus triúno e isso é expresso em vários textos das Escrituras (Gn 1.26-28; Mt 3.13-17; Ef 5.18-21; Jo 14.5). Considere também qual é o parecer sobre a igreja e seu papel, a igreja não é a porta para a salvação, mas, antes, a congregação dos primogênitos, a igreja não salva, mas os salvos estão na igreja. O papel dos líderes é guiar o rebanho com amor e não com domínio sobre a herança de Deus (1 Pe 5.1-3), a finalidade da igreja é glorificar a Deus e não explorar financeiramente os fiéis, a igreja não é um mercado de bênçãos, a igreja não é uma loja de câmbio, igreja não é um ringue de briga entre anjos e demônios. Igrejas que enfatizam mais a obra de Satanás do que de Deus tem algo errado, igrejas que invocam os demônios em seus cultos para “libertação” de almas, estão distantes das Escrituras, o culto foi feito para adoração a Deus e não para o demônio aparecer. Desconfie de igrejas que não possuem rol de membros, nessas, o fluxo de pessoas é interminável, não há cuidado pastoral, só campanhas, ofertas e uma quantidade interminável de pedidos de somas de dinheiro, cuidado!

Você conhece de forma consistente o que sua igreja professa doutrinariamente?

Procure conhecer o que sua igreja professa doutrinariamente, se estivermos falando de igrejas históricas, provavelmente você irá se surpreender e verá que igrejas Batistas, Anglicanas, Congregacionais, Presbiterianas e outras dessas derivadas tem raízes na teologia reformada calvinista. No entanto, antes de qualquer coisa observe os documentos históricos a respeito da doutrina de sua igreja, muitas vezes uma igreja que está dentro de uma denominação, apostata da confissão doutrinária e adere a heresias, infelizmente isso é muito comum e são raras as denominações que escapam disso.

Você já conversou com seu pastor sobre as supostas heresias?

Converse com o pastor da igreja, saiba da boca dele o que ele crê. Observe se ele possui um posicionamento legalista em relação a igreja, tipo: Deus está nessa igreja e tem abençoado meu ministério – nesses casos uma das marcas em falsos profetas é a arrogância e uma posição de “super” pregador. 

Observando sua pregação e ensino muita coisa pode ser deduzida com eficácia, mas, tenha se possível uma conversa particular, haja eticamente, não saia falando mal de todo mundo e metralhando como hereges, seja piedoso e humilde, no entanto, quando necessário seja firme e diga a verdade. Há inúmeros casos de lideres que absorveram ensinos heréticos que são pessoas sinceras e acham que estão seguindo a verdade, muitas vezes precisam ser alertados a arrependerem-se e retornarem a sã doutrina. Há muitos casos de obreiros que tiveram um treinamento teológico fraco e são levados por muitos ventos de doutrina. Em outros casos uma evidência de uma igreja herética começa na liderança, uma liderança monárquica, centralizadora, legalista e avarenta são fortes indícios de uma igreja herética.

Você está sendo movido a sair da igreja por vaidade ou por certeza que os ensinos ali pregados estão distantes da sã doutrina?

Minha preocupação ao pontuar esse caso é que para muitos ser reformado virou moda, é algo que está em alta. Está existindo uma aderência à teologia reformada por muitos pentecostais e evangélicos de denominações arminianas, mas muitos deles só professam teoricamente as doutrinas da graça, querendo justificar uma vida sem comprometimento com Deus, com a Palavra, com a Igreja, com a santificação, com a oração. Um crescimento do hipercalvinismo tem causado muitos problemas na vida de muita gente. Portanto, se sua postura é puramente baseada na vaidade de ser reformado, suas intensões são erradas.

O que devo fazer?

Bom, o fato é se depois de tudo isso realmente a igreja apostatou, se nela não há disciplina, se o homem é colocado no centro como soberano, se a Palavra de Deus não é ensinada fielmente, se a pregação não é algo sério e pautada somente na Escritura, então algo deve ser feito, uma atitude deve ser tomada, afinal, tal igreja está indo contra a vontade de Deus e estar numa igreja assim é por demais ofensivo a um crente fiel a Escritura.

Deus não quer que seus servos estejam embebidos de heresias, que seu povo esteja no erro. Há inúmeros exemplos nas Escrituras, leia as cartas às igrejas da Ásia Menor no Apocalipse.

No entanto, chegamos num ponto nefrálgico. Muitas vezes a pessoa que descobriu a verdade da Escritura tem inúmeros motivos para ficar naquela igreja. No caso de pastores muitas vezes é o sustento e prestígio, em outros casos são laços fraternos, laços familiares, o temor de exclusão de muitos círculos de amizade e até da família. Na verdade nesse tipo de igreja a verdade sempre é negociada, a verdade de Deus é colocada em segundo plano, lembro-me de uma frase de Lutero que muito me foi útil: “A paz se possível, a verdade a todo custo”. Jesus disse que traria espada, divisão, e a verdade de Deus promove divisão. Um dia uma pessoa que estava em uma igreja assim me disse, temo causar divisão. Considero válida a preocupação, mas, quem divide é quem está errado e não quem está certo. Os puritanos não queriam sair de dentro da igreja Anglicana, queriam uma reforma interna. Isso não foi possível e então eles tiveram que sair e assim foi à vontade de Deus.

Outro temor de pessoas que desejam deixar tais igrejas é se serão bem recebidas em outro lugar. É importante dizermos aqui que Deus tem seu povo, e o povo de Deus não está restrito a uma congregação, Deus cuida de nós e nos guia como tem guiado seu povo em toda a história. Mesmo que estejamos num deserto e as decisões sejam difíceis temos a promessa de que o Espírito nos guia em toda a verdade (Jo 16.13). Não negocie a verdade de Deus, ainda que seja necessário perder amigos, relacionamentos, posição de liderança, prefira a vontade de Deus e sua verdade. A reforma protestante zelou pela verdade, mesmo que ela fosse preferível à unidade. A unidade do povo de Deus deve estar pautada na verdade do Evangelho e não na mentira, pois, o pai da mentira é outro (Jo 8.44).

Procure uma igreja biblicamente saudável, não insista em permanecer em uma igreja herética, isso não irá lhe fazer bem. Quando converso com pessoas que estão nessa situação pergunto por que não saíram ainda dessas igrejas; a resposta não me surpreende mais: “Temos muitos amigos lá, nosso convívio social está lá, temos parentes, tememos o que pode acontecer com esses relacionamentos se sairmos...” Claro que não podemos tratar isso de forma simplista, inegavelmente há impactos nesse processo. Mas, a nossa fidelidade ao que Deus diz deve ser maior que nossos relacionamentos, veja o que Jesus ensinou:
Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim. E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim. Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, achá-la-á. ” - Mt 10. 37-39

Obviamente muitos casos devem ter acompanhamento pastoral e aconselhamento. Muitos casos são traumáticos e com isso ocorre também a decepção de muita gente com a igreja e cresce o número dos sem igreja ou de igrejas domésticas. Não temos espaço para tratar disso agora, mas, existem bons livros escritos sobre tais assuntos. 

Quero concluir dizendo que a igreja foi criada por Deus, as portas do inferno não prevalecem contra ela, Cristo ama sua igreja e devemos amá-la também. A igreja está fundamentada em Cristo e Cristo é a verdade (Jo 14.6). Lembre que a verdade e a vida são ligadas ao caminho. Jesus alimenta e cuida da igreja (Ef 5.29). Procure uma igreja bíblica, confessional, em que a Palavra seja genuinamente pregada e ensinada.

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Fonte: Electus