sábado, 22 de janeiro de 2011

A necessidade de um chamado eficaz – Thomas Watson (1620 – 1686)

Uma pessoa não pode entrar no céu sem ter esse chamado. Primeiramente, devemos ser chamados antes de ser glorificados (Rm 8.30). Uma pessoa que não foi chamada não pode alegar nada na Bíblia, além das ameaças. Uma pessoa no estado natural não é apropriada para o céu, assim como uma pessoa suja e vestida com trapos não está apropriada para entrar na presença de um rei. Uma pessoa em seu estado natural é alguém que odeia a Deus. Será apropriada para o céu? (Rm 1.30). Deus daria ao inimigo acesso à sua intimidade?
Verificando se fomos eficazmente vocacionados.
Podemos saber se fomos chamados por meio das coisas antecedentes ao chamado e pelos resultados do chamado.
1. Pelas coisas antecedentes. Antes de acontecer esse chamado eficaz, uma obra de humilhação acontece na alma. A pessoa é convencida do pecado, vê que é um pecador e nada mais que um pecador. O solo novo de seu coração é lavrado (Jr 4.3). Como o fazendeiro que sulca a terra e lança a semente, assim Deus, pela obra convincente da lei, quebra o coração do pecador e o prepara para receber as sementes da graça. Os que nunca foram convencidos, nunca foram chamados. "Ele... convencerá o mundo do pecado" (Jo 16.8). O convencimento é o primeiro passo na conversão.
2. Pelos resultados, que são dois: Primeiro, quem é chamado de maneira salvadora responde ao chamado de Deus. Quando Deus chamou Samuel, ele respondeu: "Fala, porque o teu servo ouve" (ISm 3.10). Quando Deus lhe chama para um ato de adoração, você corre em resposta a seu chamado? "Não fui desobediente à visão celestial" (At 26.19). Quando Deus nos chama a nos posicionar contrariamente ao sangue e à carne somos em tudo obedientes à sua voz. Uma obediência verdadeira é como uma agulha que aponta para a direção que a magnetita atrai. Aqueles que são surdos ao chamado de Deus revelam que não são chamados pela graça.
Segundo, além disso, aquele que é eficazmente chamado fecha seu ouvido para todos os outros chamados que podem tirá-lo da direção divina. Assim como Deus tem seu chamado, há também aqueles que chamam em contrário. Satanás chama pela tentação, pela luxúria e pelas companhias malignas. Mas, assim como a víbora deixa de ouvir a voz do encantador, assim todo o que é eficazmente chamado deixa de ouvir todos os encantos da carne e do maligno.
Terceira aplicação: quanto ao consolo para os que são chamados por Deus. Este chamado evidencia a eleição. "E aos que predestinou, a esses também chamou" (Rm 8.30). A eleição é a causa de nossa vocação e a vocação é o sinal de nossa eleição. A eleição é o primeiro elo da corrente dourada da salvação, a vocação é o segundo. Quem tem o segundo elo da corrente tem certeza do primeiro. Assim como pela corrente de água somos conduzidos até a fonte, pelo coração chegamos à eleição. O chamado é a sinceridade e o compromisso da glória. "Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação" (2Ts 2.13). Podemos ler a respeito do amor predestinador de Deus na obra da graça em nosso coração.
Quarta aplicação: que aqueles que são chamados sejam agradecidos a Deus pela bênção indizível. Sejam agradecidos a todas as pessoas da Trindade, à misericórdia do Pai, aos méritos do Filho e à eficácia do Espírito. A fim de fazer de alguém agradecido é preciso considerar que, enquanto ofensor, Deus o chamou. Quando Deus não precisava de ninguém, tinha milhões de santos glorificados e de anjos para louvá-lo. Leve em consideração o que você era antes de ser chamado. Você estava em seus pecados. Quando Deus chamou Paulo, encontrou-o perseguindo. Quando Deus chamou Mateus, encontrou-o na coletoria; Quando chamou Zaqueu, encontrou-o perseguindo suas luxúrias, quando Saul foi chamado para ser rei, estava atrás de jumentos. Deus nos chamou quando estávamos mais envolvidos no pecado. Admire seu amor e exalte seus louvores. Digo novamente, Deus, ao passar por outros e chamar você, demonstrou muita misericórdia. "Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado" (Mt 11.26). O fato de Deus deixar de lado pessoas sábias e nobres, pessoas de disposição mais doce, pessoas mais perceptíveis, de menos vícios e permitir que a porção da graça caia sobre alguém como eu e como você é uma impressionante demonstração de amor. Para Samuel foi um grande favor o fato de Deus chamá-lo e se revelar a ele deixando Eli, que fora sacerdote e juiz em Israel (1 Sm 3.6). Da mesma maneira, Deus chamar você, um pecador infame, e deixar de lado outros de melhor condição social e moral mais elevada exige altos louvores. Como Deus governa as nuvens fazendo chover em um lugar e não em outro, da mesma maneira, em um sermão, abre o coração de um enquanto outro é tão sensibilizado por ele quanto um homem surdo pelo som da música. Nesse chamado eletivo de Deus, a bandeira de sua graça está exibida e os troféus de seu louvor erigidos. Elias e Eliseu estavam andando juntos, de repente apareceu uma carruagem de fogo e levou Elias para o céu, mas Eliseu foi deixado. A graça se demonstrará infinita quando dois estiverem andando juntos - esposo e esposa, pai e filho - e Deus chamar um pela sua graça e deixar o outro, levar um em uma carruagem triunfante para o céu, mas deixar o outro perecendo eternamente. Aqueles que são chamados pelo amor eletivo de Deus deveriam ficar muito impressionados. Deveriam transbordar de alegria por serem os vasos de misericórdia. Deveriam se levantar no Monte Gerizim louvando e exaltando a Deus. Então, comecem o trabalho do céu aqui. Aqueles que são padrões de misericórdia deveriam ser anunciadores do louvor. Assim, Paulo, quando chamado por Deus, e vendo quão devedor era em relação à graça, ficou muito admirado e agradecido (lTm 1.12).
Quinta aplicação: uma palavra aos chamados. Andem de modo digno do grande chamado: "Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados" (Ef 4.1) em dois aspectos.
1. Ande cheio de compaixão. Tenha misericórdia daqueles que ainda não foram chamados. Você tem um filho, sua esposa, seus servos que Deus ainda não chamou? Chore por suas almas mortas. Estão em seu próprio sangue, "sob o poder de Satanás". Sim, tenha bastante misericórdia deles. Que os pecados deles o incomodem mais que os próprios sofrimentos pessoais. Se você tem dó de um boi ou de um jumento que se perde, não deveria ter misericórdia de uma alma que se desvia? Mostre sua piedade por meio de sua misericórdia.
2. Ande de maneira santa. Vocês têm um santo chamado (2Tm 1.9), somos chamados para ser santos (Rm 1.7). Mostrem sua vocação pelas conversas embasadas na Palavra. As flores não são mais cheirosas que as ervas daninhas? Aqueles que são enobrecidos com a graça não deveriam ter uma fragrância maior que aqueles que são pecadores? "Segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento" (lPe 1.15). Não desonre seu elevado chamado por qualquer maneira repugnante. Quando Antígono86 estava a caminho para se contaminar com mulheres, alguém lhe disse: "você é filho de rei". Lembre-se também de sua dignidade: "Você é chamado por Deus, da linhagem real do céu". Não faça coisas indignas de um chamado honrável. Cipião Africano recusou um abraço de uma prostituta porque era o general de um exército. Odeie todos os movimentos do pecado por causa do elevado chamado. Não é apropriado para os vocacionados de Deus fazer como os outros. Embora alguns dos judeus bebessem vinho, tal liberdade não era apropriada para os nazíreus que tinham um voto de santidade e haviam prometido abstinência. Ainda que os pagãos e os cristãos nominais tomem liberdade no pecado, não é apropriado para aqueles que foram chamados para fora do mundo, e cuja marca da eleição está sobre eles. Vocês são pessoas consagradas, seus corpos são o templo do Espírito Santo. Seus corpos deveriam ser uma sacristia ou o Santo dos santos.

O que é uma Fé Justificadora – Thomas Watson (1620-1686)

Eu a demonstrarei da seguinte maneira, primeiro o que ela não é e, depois, o que ela é:
i. O que a fé justificadora não é. Não é um mero reconhecimento que Cristo é Salvador. Deve haver um reconhecimento, mas isso não é suficiente para justificar. Os demônios reconhecem a divindade de Cristo: "Que temos nós contigo, ó Filho de Deus!" (Mt 8.29). Pode haver a aceitação da verdade divina, porém, mesmo assim, pode não haver obra da graça no coração. Muitos concordam em seus julgamentos que o pecado é uma coisa maligna, mas continuam pecando, pois suas corrupções são mais fortes que suas convicções. Reconhecem que Cristo é excelente, pechincham a pérola, mas não a compram.

ii. O que é uma fé justificadora. A verdadeira fé justificadora consiste de três coisas:
Primeiramente, há a auto-renúncia. Fé significa "sair para fora" do eu, de nossos méritos e enxergar que não temos direitos próprios: "Não tendo justiça própria" (Fp 3.9). É um fio partido, no qual a alma não pode se apoiar. Arrependimento e fé são graças humildes. Pelo arrependimento, uma pessoa abomina a si mesma, pela fé, a mesma pessoa se desloca do seu eu. O povo de Israel saindo do Egito pode nos dar uma comparação. O povo, ao ver faraó e suas carruagens o perseguindo e se aproximando de sua retaguarda, ao mesmo tempo em que diante deles estava o Mar Vermelho pronto para devorá-los, entristeceu-se. Da mesma maneira, o pecador olha para trás e vê a justiça de Deus o perseguindo por causa do pecado e diante dele está o inferno pronto para devorá-lo. E, nessa condição desesperadora, não vendo nada em si mesmo para ajudá-lo, o homem perecerá a menos que possa encontrar ajuda em algum lugar.

Em segundo lugar há a confiança. A alma se lança sobre Jesus Cristo. A fé é depositada na pessoa de Cristo. A fé crê na promessa, pois tal promessa é a própria pessoa de Cristo. Figuradamente podemos dizer: assim como a esposa "... vem encostada ao seu marido..." (Ct 8.5). Descreve-se a fé como crer em o nome de seu Filho, Jesus Cristo" (1 Jo 3.23), isto é, em sua pessoa. A promessa é como um porta-jóias, Cristo é a jóia dentro dele, o qual a fé envolve. A promessa é somente o prato, Cristo é a comida no prato, que alimenta a fé. A fé se apoia na pessoa de Cristo "crucificado". A fé se gloria na cruz de Cristo (Gl 6.14). Olhar para Cristo coroado com todas as excelências provoca admiração e assombro, mas olhar para Cristo como o ensangüentado e a ponto de morrer é o verdadeiro objeto de nossa fé. A fé é, portanto, chamada fé "no seu sangue" (Rm 3.25).

Em terceiro há a apropriação, ou aplicação de Cristo em nós mesmos. Um remédio, embora seja muito eficaz, se não for administrado não fará nenhum bem. Um curativo pode ser feito com o próprio sangue de Cristo, mas não curará, a menos que seja aplicado pela fé, O sangue de Cristo, sem a fé em Deus, não salva. Quando aplicamos esse conceito a Cristo, o chamamos de receber a Cristo (Jo 1.12). A mão que recebe ouro enriquece. Assim também a mão da fé recebendo os méritos dourados de Cristo com a salvação nos enriquece.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A Falta de Avivamento Pessoal

Eu não sei o que os outros pensam, mas da minha parte, me envergonho de minha ignorância, e me admiro de mim mesmo, porque não tenho tratado as almas dos outros e da minha como almas que esperam o grande dia do Senhor; e porque tenho espaço para quase qualquer outros pensamentos e palavras; e porque tais assuntos assombrosos não tomam completamente minha mente. Admiro-me de como posso pregar sobre isto desapaixonadamente e descuidadamente; e como posso deixar os homens sozinhos em seus pecados; e como não vou atrás deles, rogando-lhes, pelo amor do Senhor, que se arrependam, não importa a forma que recebam a mensagem, e qual seja a pena e dor que custem a mim.
Muito poucas vezes saio do púlpito sem que minha consciência me golpeie por não ter sido mais fervoroso e sério. Ela não me acusa tanto pela falta de ornamentos e elegância, nem por deixar passar uma palavra errada; mas me pergunta “Como você pode falar de vida e da morte com um coração assim? Como pode pregar sobre o céu e o inferno de uma forma tão relaxada e descuidada? Crê no que disse? Leva a sério ou embroma? Como pode dizer às pessoas que o pecado é algo assim, e que tanta miséria está sobre elas e diante delas, e não ser mais afetado com isto? Você não deveria chorar sobre pessoas assim, e não deveriam tuas lágrimas interromper suas palavras? Você não deveria clamar em alta voz, e mostrar a eles suas transgressões, e implorar a eles e rogá-los como uma questão de vida e morte?
E, por mim mesmo, como estou envergonhado do meu coração descuidado e torpe, e do meu modo de vida inútil e lento, assim como, o Senhor sabe, estou envergonhado de cada sermão que tenho pregado; quando penso sobre o que estou falando, e quem me enviou, e que a condenação e salvação dos homens é completamente relacionada nEle, estou preste a tremer por temor de que Deus me julgará como um mau administrador de Suas verdades e das almas dos homens, e imagino que no meu melhor sermão eu seja culpado pelo sangue deles. Penso que não devemos falar qualquer palavra aos homens, em assuntos de tamanhas conseqüências, sem lágrimas ou com a maior seriedade que possamos alcançar; já que somos tão culpados do pecado que reprovamos, deveria ser dessa forma.
Verdadeiramente, este é o tinir da consciência que soa em meus ouvidos, e apesar disso, minha alma sonolenta não quer ser despertada. Oh! Que coisa é um coração endurecido e insensível. Oh, Senhor, salva-nos da praga da infidelidade e da dureza de coração de nós mesmos! Como poderíamos ser instrumentos aptos para salvar os outros do erro? Oh, faz em nossas almas aquilo que Tu nos usaria para fazer nas almas dos outros.
Richard Baxter

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O valor da mortificação – John Owen

Agora a verdade a ser destacada é que a vitalidade, a força e o conforto de nossa vida espiritual dependem em grande parte de nós mortificarmos o pecado. Esta verdade pode ser melhor introduzida explicando-se duas coisas que ela não significa:

a) Não significa que se os cristãos consistentemente mortificarem o pecado, desfrutarão automaticamente de uma vida espiritual vigorosa e confortável.
Por exemplo, Hemã, o escritor do Salmo 88, viveu uma vida de constante mortificação. Hemã foi um homem que verdadeiramente andou com Deus e, contudo, nunca desfrutou de um bom dia de paz e consolação. Se Hemã, tão notável servo de Deus, deixou de gozar da paz e consolação que uma vida de constante mortificação normalmente traz, precisamos entender que Deus tem a Sua razão para isso. Deus nos deu Hemã como um exemplo para confortar outros em situação semelhante. Ainda que cada cristão deva usar os meios de mortificação para obter paz, deve, também, compreender que só Deus pode dar-lhe paz e consolação (veja Is. 57:18,19).
b) Não significa que a mortifícação seja a maior fonte pela qual Deus nos dá uma vida espiritual forte e confortável.
As maiores fontes que nos concedem estas coisas são os privilégios de nossa adoção, reveladas às nossas almas ("O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" - Rom. 8:16). O ministério do Espírito ao nos assegurar nossa adoção e nossa justificação é a maior fonte de uma vida espiritual vigorosa e confortável.
Vejamos agora o que é que essa verdade significa:
No nosso relacionamento normal com Deus e nos Seus tratamentos normais conosco, uma vida espiritual forte e confortável depende em grande medida de nossa consistente mortifícação do pecado. Como uma regra geral, a mortifícação tem uma influência efetiva na produção de uma vida espiritual forte e confortável. Três considerações nos ajudarão a provar este ponto:
1. Somente a mortifícação do pecado fará com que o pecado não possa privar uma vida espiritual de seu vigor e conforto Cada pecado que não for mortificado produzirá duas coisas:

a) Enfraquecerá a alma e a privará da sua força.
Quando Davi permitiu que um desejo pecaminoso não mortificado se alojasse no seu coração ele ficou sem vigor espiritual. Davi disse: "Não há parte sã na minha carne, por causa da tua indignação; não há saúde nos meus ossos, por causa do meu pecado... Estou aflito e muito quebrantado" (Sal. 38:3,8). Qualquer desejo pecaminoso que não seja mortificado fará murchar o espírito e todo vigor da alma e desse modo a enfraquecerá para o cumprimento de todos os seus deveres. O pecado faz isso de três maneiras:
i) Ele desequilibra o bem-estar espiritual de todo o coração. Faz isso desviando o coração do estado espiritual que é necessário para a comunhão vigorosa com Deus. Este desvio é obtido cativando o coração com desejos mundanos, de modo que o amor do Pai é excluído.
ii) Ele age na mente, estimulando pensamentos que encorajam a gratificação dos desejos pecaminosos. Visará exagerar os prazeres do pecado e suprir as razões porque os desejos pecaminosos deveriam ser gratificados.
iii) Ele interrompe e impede o cumprimento do dever. Faz isso apelando para os desejos pecaminosos particulares de uma pessoa. Por exemplo, quando um homem anela estar engajado na adoração a Deus, ele o levará a substituí-la pelo estudo.
b) Assim como o pecado enfraquece, ele também obscurece a alma e a priva do seu conforto e da sua paz. O pecado é como uma nuvem espessa que se espalha sobre a face da alma e a separa dos raios do amor e do favor de Deus. Rouba a pessoa da sua percepção e do gozo dos privilégios da sua adoção.
A mortificação é o único remédio contra estes dois efeitos malignos do pecado na alma.

2. A mortificação também tem um efeito muito benéfico sobre o crescimento da graça de Deus no coração humano
Se compararmos o coração humano a um jardim então a mortificação pode ser assemelhada ao trabalho de se remover as ervas daninhas que impediriam o crescimento das plantas da graça de Deus. Pense num jardim onde uma planta preciosa tenha sido plantada. Se o jardim for regularmente cuidado a planta florescerá. Se, porém, ervas daninhas forem deixadas, a planta será fraca, murcha e sem utilidade. Onde a mortificação não consegue destruir as ervas daninhas do pecado, as plantas da graça de Deus estão prestes a morrer (Apoc. 3:2). Estão murchando e morrendo. Tal coração é como o campo do preguiçoso - tomado tanto por ervas daninhas que mal se pode ver o trigo. Quando você olha para esse coração, as graças da fé , do amor e do zelo lá estão; todavia são tão fracas, tão entrelaçadas com as ervas daninhas do pecado, que são de pouca utilidade. Que esse coração seja liberto do pecado pela mortificação; e então, estas plantas da fé, do amor e do zelo começarão a florescer e estarão em condições de ser utilizadas para todo bom propósito.

3. A mortificação é um meio pelo qual Deus pode dar paz à alma
A sinceridade é um fator fundamental sobre o qual a paz verdadeira da alma repousa. A mortificação é uma das mais claras evidências da sinceridade de uma pessoa. Que um homem evidencie sua sinceridade pela oposição vigorosa de sua alma ao seu ego, e esse homem gozará um seguro sentimento de paz na sua alma.

Honrando a Pureza de Deus – J. I. Packer

Primeiro, somente por meio do arrependimento constante e profundo nós, pecadores, podemos honrar a pureza de Deus.

O Deus, a quem declaramos amar e servir, tem prazer na justiça e odeia o pecado. A Bíblia é muito clara a esse respeito.
Pois tu não és Deus que se agrade com a iniqüidade, e contigo não subsiste o mal. (SI 5.4)
Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar. (He 1.13)
Abomináveis para o Senhor são os perversos de coração, mas os que andam em integridade são o seu prazer. Os lábios mentirosos são abomináveis ao Senhor, mas os que obram fielmente são o seu prazer. (Pv 11.20; 12.22)
Seis coisas o Senhor aborrece (...) olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que trama projetos iníquos, pés que se apressam a correr para o mal, testemunha falsa que profere mentiras e o que semeia contendas entre irmãos. (Pv 6.16-19)
A pureza de Deus é apenas outra matreira de expressar o que foi dito acima. Devemos entender que, ao nos chamar à pureza (SI 24.4; Mt 5.8; lTm 1.5; 5.22; IJo 3.3), Deus está nos exigindo que cultivemos a mesma repulsa no nosso coração.

Portanto a Palavra de Deus para todo o seu povo é: "Aborrecei o mal, e amai o bem" (Am 5.15). "Detestai o mal, apegando-vos ao bem" (Rm 12.9). E a nossa resposta correta é: "Tomara sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos. (...) detesto todo caminho da falsidade. Jurei e confirmei o juramento de guardar os teus retos juízos. Apartai-vos de mim, malfeitores; quero guardar os mandamentos do meu Deus" (SI 119.5,104,cf. 128,106,115).

Mas como devemos lidar com o fato de que nossa obediência sempre prova ser imperfeita?
Aqueles que negligenciam a disciplina do total arrependimento por seus erros, além do auto-exame regular com o propósito de discernir esses erros, estão agindo como se Deus simplesmente fechasse os olhos para as nossas falhas morais para amigos em Cristo o que é, na verdade, um insulto a ele, uma vez que essa indiferença seria, por si só, uma falha moral. Mas Deus não é moralmente indiferente, e não devemos tratá-lo como se fosse. A verdade é que a única maneira de mostrar verdadeiro respeito pela real pureza de Deus é firmando-nos de fato contra o pecado. Isto não significa apenas um propósito sincero de agradar a Deus pelo zelo de guardar a sua lei, mas também significa arrependimento. E o arrependimento não significa mera rotina de palavras de arrependimento, como as daquele que pede perdão sem envolver o coração, mas uma confissão deliberada, uma auto-humilhação explícita e uma sensação de vergonha na presença de Deus uma vez que se contempla as próprias falhas. Pois a pureza de Deus, como vimos, leva-o a odiar o mal. Sua exigência para que sejamos como ele, requer que também aborreçamos o mal, começando com o mal que achamos dentro de nós mesmos.
Observar um texto bíblico clássico que traça o perfil do arrependimento que vem de dentro nos será útil aqui. No Salmo 51, de acordo com a tradição, Davi publicamente poetiza a penitência que expressou a Deus depois de ter-se convencido do seu pecado na questão de Bate-Seba e Urias. Ele quebrou o décimo mandamento ao desejar a mulher do seu próximo; o oitavo, ao roubá-la; o sétimo, ao adulterar com ela; o nono, indiretamente, ao tentar enganar Urias para que cuidasse da criança que estava por nascer como se fosse sua; e o sexto, diretamente, matando Urias à longa distância. Então, como observamos anteriormente, Davi passou um ano indiferente ao que havia feito até que o profeta Nata, falando em nome de Deus, mostrou-lhe o descontentamento divino pela situação (2Sm 11-12). Mas, no Salmo 51, encontramos um Davi consciente, e que agora expressa total arrependimento em seis etapas distintas:

1. Os versículos 1 e 2 são uma súplica por misericórdia e perdão. Revelam uma verdadeira compreensão da aliança divina. Davi apela ao "inesgotável amor" ("benignidade" e "bondade" em outras traduções) de Deus, ou seja, à fidelidade da aliança divina com quem ele mesmo se comprometeu. A aliança pela qual Deus e os seres humanos se comprometem em pertencer um ao outro para sempre é a base de toda a religião baseada na Bíblia.
os servos de Deus tropeçam e caem, a fidelidade de Deus à aliança para com a qual seus servos foram infiéis é sua única esperança. O relacionamento nesta aliança é, enfaticamente, um dom da graça de Deus.
E ele quem inicia e sustenta essa aliança, suportando todas as loucuras e vícios de seus parceiros que a constituem. Pois os santos de Deus foram, são e continuarão sendo criaturas loucas e pecadoras, que só podem che-gar à sua presença por meio do constante perdão de seus constantes pecados. No entanto, o arrependimento é o único caminho que leva ao perdão.

2. Os versículos 3 a 6 são um reconhecimento da culpa e a punição que merecemos por nossos pecados. Mostram a compreensão do pecado como a perversidade inata do nosso coração que encontra sua expressão nos pecados, atos específicos de maldade e erro aos olhos de Deus. As profundas verdades encontradas aqui são: primeiro, não somos pecadores porque pecamos, mas, pelo contrário, pecamos porque somos pecadores (v. 5,6); segundo, todos os nossos pecados, nossas crueldades e nossas idolatrias são pecados contra Deus (v. 4).
3. Os versículos 7 a 9 são um pranto vindo do coração para a purificação do pecado e anulação da culpa. Mostram a compreensão da salvação como uma obra de Deus que restaura a alegria da comunhão com ele mesmo por meio da convicção de perdão dos pecados. Os "ossos" de Davi (sua própria consciência, quem ele sabe que é) são "esmagados" (incapazes de funcionar propriamente) como conseqüência de sua consciência acusadora. Ele pede que seus "ossos" literalmente "dancem" ("exultem", como encontramos em diversas traduções)por causa desta garantia (v. 8) - uma metáfora vivida para a revitalização da vida interior de uma pessoa que a compreensão de seu pecado produz.
4. Os versículos 10 a 12 são uma petição para a vivificação e renovação em Deus. Mostram uma compreensão da vida espiritual como, em essência, a resposta firme e positiva do espírito do Homem para Deus - uma resposta que é produzida e mantida pelo ministério regenerativo do próprio Espírito de Deus que habita em nós. E a maneira que Deus usa para remover nosso demérito, nossa corrupção e nossos desvios. Ele não nos salva em nossos pecados, mas dos nossos pecados. Aquele a quem ele justifica, também santifica. Onde não existe vestígio algum de um coração puro (um coração que abomina o pecado e que reflete a pureza de Deus) ou de um espírito "voluntário" (uma disposição para honrar e obedecer a Deus, e resistir as tentações do pecado), podemos duvidar se a pessoa está realmente em um estado de graça de qualquer modo. Certamente, buscar uma renovação em justiça e afastar-se do pecado é, daqui em diante, a essência do arrependimento. Sem isto, a pessoa não manifestará contrição, e não é, de modo nenhum, penitente.
5. Os versículos 13 a 17 são uma promessa de proclamar a misericórdia perdoadora de Deus por meio do testemunho e da adoração. Mostram uma compreensão de ministério para Deus e para o nosso próximo: para o santo Deus, por meio do louvor que expressa gratidão; e para os pecadores, pela declaração da graça que salva. Observemos que os santos são salvos para servir - celebrar e compartilhar o que Deus lhes tem dado. Uma dedicação renovada para fazê-lo, além de todas as outras boas obras, é uma prova da realidade do arrependimento.
6. Os versículos 18 e 19 são uma oração que pede a bênção da igreja, a Jerusalém de Deus, o povo na terra que leva o seu nome. Os versículos mostram uma compreensão do que mais agrada a Deus - pecadores salvos, penitentes que agora estão perdoados e prosperam espiritualmente, que são movidos pela gratidão e alegria a oferecer "sacrifícios de justiça" (v. 19). (A idéia aqui é de oferecer presentes a Deus com amor, embora talvez os sacrifícios de novilhos, sobre os quais Davi fala, não sugiram isto para o leitor moderno). A intercessão de Davi por todo o povo de Deus não indica, na verdade, uma mudança do tema da penitência que ele estava expressando anteriormente. A intercessão brota naturalmente das experiências do amor perdoador de Deus que o arrependimento desencadeia. Uma pessoa que sabe que é amada mostrará amor pelos outros, e esse amor irá levá-la a orar por eles.



Davi honrou a pureza de Deus pelo modo como se arrependeu de seus vergonhosos atos. Ao se humilhar, ele reconheceu o desafio que havia lançado, procurou libertação do poder e da culpa de seus pecados e ofereceu-se novamente para realizar a obra de Deus e progredir em seu louvor. Este foi um ato de verdadeiro arrependimento, e, como tal, serve como modelo para nós.
Os cristãos, em seus sonhos e desejos, ainda que não mostrem isto em suas atitudes exteriores, também têm suas falhas no que se refere à cobiça, lascívia, avareza, malícia e engano. Os cristãos, como outros, são tentados a ser indulgentes consigo mesmos, abusar e explorar o seu próximo, usar sua autoridade como um direito no campo dos relacionamentos e, de vez em quando, desejar a morte de outros. Se Deus, em sua providência, nos impede ou não de realizar esses "sonhos" não é a questão. O ponto é que existem os desejos desordenados e quando o nosso coração se envolve com eles, ele está no caminho errado. Este é o motivo pelo qual precisamos nos arrepender.
Algumas formas do assim chamado ensino da santidade nos encorajam a ser insensíveis ou despreocupados com os pensamentos e motivos impuros que estão ocultos dentro de nós, mas um indício da santidade verdadeira é uma consciência crescente desses pensamentos e motivos, um aborrecimento crescente em relação a eles e um profundo arrependimento por eles quando nos vemos fomentando-os no nosso coração. Vimos este santo aborrecimento na vida de John Bradford, e Deus quer vê-lo em nós todos, pois sua pureza não pode ser honrada de outra forma.




J. I. Packer

Uma Existência Vã

Não seria uma pena se você não servisse para nada, se fosse um peso inútil sobre a Terra, uma simples verruga no corpo do universo? Entretanto, é isso que você é enquanto não convertido, pois não pode responder pela finalidade de sua existência. Não é para o prazer divino que você existe e foi criado? Deus não o fez para Si mesmo? Você é um ser humano e pode raciocinar? Então, pense como veio a existir e por que existe. Contemple a obra de Deus em seu corpo, e pergunte a si mesmo qual o propósito de Deus ao criar essa obra. Considere as nobres faculdades de sua alma nascida para o céu. Com que propósito Deus lhe outorgou essas qualidades superiores? Teria sido só para que você se deleitasse e satisfizesse seus sentimentos? Será que Deus pôs os homens neste mundo, apenas como andorinhas, para ajuntar gravetos e lama, construir seus ninhos, criar seus filhotes e depois partirem?
O próprio pagão poderia ver mais além. Será que é tão "terrível e maravilhosamente criado" e nem assim considera consigo mesmo: "Certamente, fui criado para algum nobre e elevado propósito"?
Ó homem, raciocine um pouquinho! Não é uma pena que tal obra divina tenha sido criada em vão? Verdadeiramente, sua existência é vã, a menos que você viva para Deus. Seria melhor que não existisse, se não viver para Ele. Quer corresponder ao propósito para o qual foi criado? Você precisa se arrepender e ser convertido; sem isso, não vai servir a propósito algum; na realidade servirá a um mau propósito.
Você é um inútil. O não-convertido é como um instrumento excelente que tem todas as cordas quebradas ou desafinadas. O Espírito do Deus vivo precisa consertá-lo e afiná-lo pela graça da regeneração e tocá-lo docemente pelo poder da graça atuante, caso contrário suas orações serão apenas uivos e todo o serviço que presta a Deus não encontrará eco nos ouvidos do Altíssimo. Todos os seus poderes e faculdades estão tão corrompidos em seu estado natural, que se não for purificado de suas obras mortas, não poderá servir ao Deus vivo. Um homem que não esteja santifiçado não pode realizar a obra de Deus.
(1) Ele não tem habilidade para fazê-la. É tão completamente incapaz na obra quanto na palavra da justiça. Há grandes mistérios tanto na prática como nos princípios da santidade. Ora, o homem não regenerado desconhece os mistérios do reino do céu. Do mesmo modo que não se pode esperar boa leitura da parte daquele que nunca aprendeu as primeiras letras, ou a boa música do alaúde daquele que jamais pegou num instrumento, também não se pode esperar que o homem natural ofereça serviço algum agradável ao Senhor. Antes ele precisa ser ensinado por Deus (João 6:45); ensinado a orar (Lucas 11:1); ensinado a ser útil (Isaías 48:17); ensinado a ir (Oséias 11:3); senão ele estará completamente incapacitado.
(2) Ele não tem forças para realizá-la. Quão frágil é o seu coração! (Ezequiel 16:30). Logo fica cansado. Que canseira é o dia do Senhor!! (Malaquias 1:13). Ele está sem forças (Romanos 5:6), sim, está morto em pecados (Efésios 2:5).
(3) Ele não tem vontade de fazer a obra de Deus. Não deseja ter o conhecimento dos caminhos de Deus (Jó 21:14). Não os conhece e não se importa em conhecê-los (Salmo 82:5). Ele não os conhece nem jamais os entenderá.
(4) Ele não tem instrumentos nem materiais adequados para a obra. Da mesma forma que não se pode talhar o mármore sem ferramentas, nem pintar sem pincéis e tintas, nem construir sem materiais, não é possível realizar qualquer serviço agradável a Deus sem as graças do Espírito, que são tanto os materiais como os instrumentos de trabalho. A caridade não é um serviço a Deus, mas um ato de ostentação, a menos que brote do amor a Deus. O que é a oração dos lábios sem a graça no coração, senão uma carcaça sem vida? O que são todas as nossas confissões se não forem práticas de contrição piedosa e de arrependimento sincero? Que são nossas petições, se não forem animadas de desejos santos e de fé nos atributos e promessas de Deus? Que são nossos louvores e ações de graças, se não brotarem do amor de Deus e se não forem uma santa gratidão e um sentimento das misericórdias de Deus em nossos corações? Portanto, assim como não se pode esperar que as árvores falem ou que os mortos se movimentem, também não se pode esperar que o não-convertido apresente um serviço santo e agradável a Deus. Se a árvore é má, como pode dar bons frutos?
Da mesma forma, sem conversão você vive para um mau propósito. A alma não convertida é uma verdadeira gaiola de aves imundas (Apocalipse 18:2), um sepulcro cheio de corrupção e imundícia (Mateus 23:27), uma repugnante carcaça cheia de vermes rastejantes, que exalam um mau cheio muito nojento às narinas de Deus (Salmo 14:3). Oh, que situação terrível! Você ainda não percebeu que é necessário que haja uma mudança? Não nos teria entristecido ver os consagrados vasos de ouro do templo de Deus transformados em copos de bebidas alcoólicas e poluídos com o culto aos ídolos? (Daniel 5:2-3). Os judeus não consideraram uma terrível abominação quando Antíoco colocou a figura de um suíno na entrada do Templo? Quão mais abominável, então, teria sido se o próprio Templo fosse transformado num estábulo ou num chiqueiro e o Santo dos santos fosse servido como a casa de Baal! É exatamente este o caso do não-regenerado. Todos os seus mem¬bros estão transformados em instrumentos de injustiça, em servos de Satanás e, o mais íntimo de seu coração, em um receptáculo de impureza. Você pode ter idéia do tipo de convidados que estão dentro da casa, por aqueles que vêm para fora; pois, "do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias" (Mateus 15:19). Este bando negro mostra o inferno que há no interior.
Oh que abuso insuportável ver uma alma nascida para o céu humilhada a tal baixeza; ver a glória da criação de Deus, a principal obra de Deus, o Senhor desta Terra, comendo bolotas como o pródigo! Não foi lamentável ver aqueles que se alimentavam de delicadas iguarias, sentados desfalecidos nas ruas; e os preciosos filhos de Sião, comparáveis ao ouro puro, reputados como vasos de barro; e aqueles que estavam vestidos de carmesim, abraçando o estéreo? (Lamentações de Jeremias 4:2, 5). E não é muito mais terrível ver o único ser nesta terra que é dotado de imortalidade e que tem o sinete de Deus, tornar-se um vaso no qual não há prazer, destinado ao mais sórdido uso? Oh, que indignidade into¬lerável! Seria melhor que você fosse quebrado em mil pedaços do que continuar a ser rebaixado a um serviço tão vil.


 Sem a conversão, não somente o homem é inútil, mas também toda a criação visível. Deus fez todas as criaturas visíveis no céu e na terra para servirem ao homem, e o homem é somente o porta-voz de todo o resto. O homem é, no mundo, o que a língua é para o corpo, isto é, fala por todos os membros. As outras criaturas não podem louvar seu Criador, a não ser através de sinais mudos e insinuações dirigidas ao homem, para que ele fale por elas. O homem é, como se fosse, o sumo-sacerdote da criação de Deus, para oferecer o sacrifício de louvor por todas as suas co-criaturas. O Senhor Deus espera um tributo de louvor de todas as Suas obras. Ora, todas as demais criaturas trazem os seus tributos ao homem e pagam esses tributos através das mãos dele. Então, se o homem é falso, infiel, egoísta, Deus é roubado por todas as criaturas e não recebe a glória ativa de nenhuma de Suas obras.

Oh que pensamento horrível! Imaginem, Deus criar um mundo como este, despender tão infinito poder, sabedoria e bondade, e no fim ser tudo em vão! Pensem no homem ser culpado, afinal, de roubar a Deus e de privá-lo da glória de tudo! Reflitam bem nisso. Enquanto alguém for um não-convertido, todos os préstimos das outras criaturas lhe são inúteis. Sua comida o alimenta inutilmente. O sol brilha para ele inutilmente. Suas roupas o aquecem em vão. Seu animal o carrega em vão. Em resumo, o incansável trabalho e o contínuo serviço de toda criação, são inúteis para ele. O serviço de todas as criaturas que trabalham arduamente e submetem toda a sua força ao homem, com a qual ele deveria servir o Criador delas, não passa de trabalho perdido. Por isso, "toda a criação geme" (Romanos 8:22) sob o abuso de homens profanos que pervertem todas as coisas, usando-as para satisfazer suas luxúrias, uso bastante contrário ao verdadeiro propósito da existência delas.



Joseph Alleine (1634-1668)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Quem ama sofre pela alegria - John Piper

Amar custa caro. O amor sempre inclui algum tipo de autonegação. Ele com freqüência exige sofrimento. Mas o prazer cristão insiste em que o lucro supera a dor. Ele afirma que há raros e maravilhosos espécimes de alegria que florescem apenas no ambiente chuvoso do sofrimento. "A alma não teria arco-íris se o olho não tivesse lágrimas." A cara alegria do amor é ilustrada várias vezes em Hebreus 10-12. Veja esses três exemplos: Hebreus 10.32-35
Lembrai-vos, porém, dos dias passados, em que, depois de serdes iluminados, suportastes grande combate de aflições. Em parte fostes feitos espetáculo com vitupérios e tribulações, e em parte fostes participantes com os que assim foram tratados. Porque também vos compadecestes das minhas prisões, e com alegria permitistes o roubo dos vossos bens, sabendo que em vós mesmos tendes nos céus uma possessão melhor e permanente. Não rejeiteis, pois, a vossa confiança, que tem grande e avultado galardão.
Baseado em minha pequena experiência com o sofrimento, eu não teria direito em mim mesmo de dizer que algo assim é possível — aceitar com alegria o saque dos bens. Mas a autoridade do prazer cristão não está em mim, está na Bíblia. Não tenho o direito por mim mesmo de dizer: "Alegrai-vos no fato de serdes participantes das aflições de Cristo" (IPe 4.13). Pedro pode fazê-lo porque ele e os outros apóstolos foram torturados por causa do evangelho e "retiraram-se da presença do conselho, regozijando-se de terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus" (At 5.41).

Os cristãos em Hebreus 10.32-35 obtiveram o direito de ensinar-nos sobre o amor caro. A situação parece ter sido essa: nos primeiros dias da sua conversão, alguns deles tinham sido presos por causa da fé. Os outros tiveram de enfrentar uma decisão difícil: Devemos nos esconder e permanecer "seguros", ou devemos visitar nossos irmãos e irmãs na prisão e arriscar nossa vida e nossas propriedades? Eles escolheram o caminho do amor e aceitaram pagar o preço. "Vocês participaram do sofrimento dos prisioneiros. E, quando tiraram tudo o que vocês tinham, vocês suportaram isso com alegria" (BLH).
Será que eles saíram perdendo? De forma alguma. Eles perderam bens e ganharam alegria! Eles aceitaram a perda com alegria. Em um sentido eles negaram a Si mesmos. Mas em outro não. Eles escolheram o caminho da alegria. É evidente que esses cristãos foram motivados para o ministério na prisão da mesma maneira que os macedônios (cf. 2Co 8.1 -8) foram motivados a ajudar os pobres. Sua alegria em Deus transbordou em amor pelos outros. Eles olharam para sua própria vida e disseram: "A tua benignidade é melhor do que a vida" (SL 63.3). Olharam para todas as suas posses e disseram: "Temos uma propriedade no céu que é melhor e dura mais que qualquer uma dessas" (v. 34). Depois olharam um para o outro e disseram:
Se temos de perder Os filhos, bens, mulher,Embora a vida vá,Por nós Jesus está,E dar-nos-á seu reino.Martinho Lutero
Com alegria eles "renunciaram a tudo quanto tinham" (Lc 14.33) e seguiram Cristo para a prisão, para visitar seus irmãos e irmãs. O amor é o transbordar da alegria em Deus que atende as necessidades dos outros.
Hebreus 11.24-26. Para gravar bem a lição, o autor de Hebreus cita Moisés como exemplo desse tipo de prazer cristão. Observe como a motivação é semelhante à dos primeiros cristãos no capítulo 10.Pela fé Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus, do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado; tendo por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa.
Em Hebreus 10.34 o autor disse que o anseio dos cristãos por uma propriedade melhor e maisduradoura transbordou em amor feliz, que lhes custou suas propriedades. Aqui no capítulo 11, Moisés é um herói para a igreja porque seu prazer na recompensa prometida transbordou em tal alegria que considerou, em comparação, os prazeres do Egito como lixo e dedicou se para sempre ao povo de Deus em amor.
Nada aqui trata de autonegação completa. Ele recebeu olhos para ver que os prazeres do Egito eram "por um pouco de tempo", não eternos. Foi lhe concedido ver que sofrer pela causa do Messias era "maior riqueza do que os tesouros do Egito". Avaliando essas coisas, ele foi induzido a dar a Si mesmo pelo esforço do prazer cristão — o amor. E ele passou o resto dos seus dias canalizando a graça de Deus para o povo de Israel. Sua alegria em Deus transbordou em uma vida de serviço a um povo recalcitrante e carente. Ele escolheu o caminho da alegria máxima, não dos "prazeres transitórios".
Hebreus 12.1, 2  Levantamos acima a questão de o exemplo de Jesus contradizer ou não o princípio do prazer cristão, ou seja, que o amor é o caminho da alegria e que devemos escolhê-lo exatamente por essa razão, para não sermos descobertos recusando obedecer ao Todo-poderoso ou enterrando o privilégio de ser um canal da graça, ou desprezando a recompensa prometida. Hebreus 12.2 parece dizer com muita clareza que Jesus não contrariou esse princípio.
Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos com perseverança a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o autor e consumador da fé, Jesus, o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus. O maior esforço de amor jamais feito foi possível porque Jesus buscou a maior alegria imaginável, que é a alegria de ser exaltado a direita de Deus na assembléia do povo redimido. "... em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz!"
Em 1978 eu estava tentando explicar algumas dessas coisas a uma classe de estudantes universitários. Como de costume, encontrei vários que eram bem céticos. Um dos mais pensativos escreveu-me uma carta para expressar seu desacordo. Como essa é uma das objeções mais sérias levantadas contra o prazer cristão, creio que será útil para outros se eu transcrever aqui a carta de Ronn e minha resposta.
Dr. Piper, Discordo da sua posição de que quem ama busca seu próprio prazer ou é por ele motivado. Aceito que todos os exemplos que citou são verídicos: o senhor mencionou muitos casos em que a alegria pessoal é aumentada e pode até ser a motivação para alguém amar a Deus ou outra pessoa. Mas o senhor não pode estabelecer uma doutrina sobre o fato de que algumas evidências a sustentam, enquanto não puder mostrar que nenhuma evidência a contradiz.Dois exemplos do segundo tipo: Imagine-se com Jesus no Getsêmani. Ele está para realizar o supremo ato de amor de toda a história. Você anda até ele, decidido a testar a posição que você tem em relação ao prazer cristão. Esse ato supremo de amor não deveria proporcionar grande prazer, abundante alegria? Todavia, o que é que você vê? Cristo está suando terrivelmente, angustiado, chorando. Não é possível encontrar alegria em nenhum lugar. Cristo está orando. Você o ouve perguntando a Deus se não há saída. Ele diz a Deus que o ato iminente será difícil e doloroso ao extremo. Não há um caminho divertido?

Graças a Deus, Cristo escolheu o caminho difícil. Meu segundo exemplo não é bíblico, apesar de poder ter tirado muitos outros dali. Você já ouviu falar em Dorothy Day? É uma mulher muito idosa que dedicou sua vida a amar os outros, em especial os pobres, deslocados, oprimidos. Sua experiência de amar quando não havia alegria levou-a a dizer isso: "O amor emação é algo doloroso e assustador". Não tenho como não concordar com ela. Eu gostaria de saber que resposta você dá a Ronn

Respondi a Ronn na mesma semana, em dezembro de 1978. Dorothy Day já morreu, mas preservarei as referências como eram na época. Por acaso, hoje tenho em Ronn um amigo, alguém que pensa a fundo sobre a cosmovisão cristã. Ronn,
Muito obrigado por seu interesse em ter uma posição bem bíblica nessa questão do prazer cristão — uma posição que faça justiça a todos os dados disponíveis. Esse também é o meu objetivo. Assim, tenho de perguntar se seus dois exemplos (Cristo no Getsêmani e Dorothy Day no serviço doloroso do amor) contradizem ouconfirmam minha posição.
1) Vejamos primeiro o Getsêmani. Para que minha tese fique comprovada, tenho de ser capaz de mostrar que, apesar do horror da cruz, a decisão de Jesus de aceitá-la foi motivada por sua convicção de que esse caminho lhe daria mais alegria do que o caminho da desobediência. Hebreus 12.2 diz "... em troca da alegria que lhe estava proposta, [Jesus] suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia". Ao dizer isso, o escritor quer citar Jesus como mais um exemplo, além dos santos de Hebreus 11, de uma pessoa que anseia pela alegria que Deus proporciona e tem tanta certeza de recebê-la que rejeita "o gozo do pecado", que dura "um pouco de tempo" (Hb 11.25), para escolher ser maltratada para não deixar de alinhar-se com a vontade de Deus. Por isso, não é errado dizer que o que sustentou Cristo nas horas escuras do Getsemani foi a esperança da alegria além da cruz.
Isso não diminui a realidade e a grandeza do seu amor por nós, porque a alegria em que ele esperava era conduzir muitos filhos à glória (Hb 2.10). Ele se alegra em nossa redenção, que redunda na glória de Deus. Abandonar a cruz, e com isso a nós e a vontade do Pai, era uma possibilidade tão horrível na mente de Cristo que ele a repeliu e aceitou a morte.
Meu artigo sobre "Satisfação insatisfeita", no entanto lera a esse artigo que Ronn estava reagindo; seu conteúdo foi incorporado nesse capítulo], propõe ainda mais: que em algum sentido muito profundo deve haver alegria no próprio ato de amor, para que este possa agradar a Deus. Você mostrou claramente que, para isso ser verdade no caso da morte de Jesus, tem de haver uma diferença radical entre alegria e "diversão". Todos nós sabemos que isso é verdade.Não é justo que você mude de dizer "não há um caminho divertido" no Getsemani para "não é possível encontrar alegria em nenhum lugar". Eu sei que, naqueles momentos em minha vida em que escolhi fazer as boas ações que mais me custaram, senti (com e sob as feridas) uma alegria muito profunda ao fazer o be
Eu imagino que, quando Jesus se levantou da sua última oração no Getsêmani com a decisão de morrer, fluiu por sua alma um sentimento glorioso de triunfo sobre a tentação daquela noite. Não dissera ele: "A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra" (Jo 4.34)? Jesus gostava de fazer a vontade do Pai assim como nós gostamos de comer. Terminar a obra do Pai era o que o alimentava; abandoná-la seria escolher morrer de fome. Eu acho que houve alegria no Getsêmani quando Jesus foi levado — não diversão, não prazer sensual, nem riso, na verdade nada que esse mundo pode oferecer. Mas havia, no fundo docoração de Jesus, um sentimento bom de que sua ação estava agradando seu Pai, e que a recompensa que viria superaria toda a dor. Esse sentimento profundamente bom é o que capacitou Jesus a fazer por nós o que ele fez.
John Piper

Os Olhos são a Lâmpada do Corpo

Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e despreza¬rá ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. (Mt 6.19-24)
Entre o comando de não acumular tesouros nos céus (Mt 6:19-21) e a advertência de que você não pode servir a Deus e ao dinheiro (Mt 6:24) estão as estranhas palavras sobre os olhos serem a lâmpada do corpo. Se os olhos forem bons ou saudáveis (literalmente, "se teus olhos forem honestos"), todo o corpo será cheio de luz. Entretanto, se os olhos forem maus, o corpo será cheio de trevas. Em outras palavras: a maneira como você enxerga a realidade de-termina se você está em trevas ou não.

Agora, por que esse comentário sobre olhos bons e maus está entre dois ensinamentos sobre dinheiro? Penso que seja porque o fator determinante da bondade do olho está em sua visão de Deus quanto ao dinheiro e a tudo o que este pode comprar. Esse é um dos aspectos da questão apresentada em Mateus 6:22,23. Em Mateus 6:19-21, a questão é: você deve desejar a recompensa celestial e não a recompensa terrena. Em resumo, isso significa: deseje a Deus e não o dinheiro. Em Mateus 6:24, a questão está em se é possível servir a dois senhores. Resposta: você não pode servir a Deus e ao dinheiro.
Essa é uma dupla descrição da luz! Se você acumula tesouros nos céus e não na terra, caminha na luz. Se você serve a Deus e não ao dinheiro, caminha na luz.
Entreessas duas descrições da luz, Jesus diz que os olhos são a lâmpada do corpo e que o bom olho produz a plenitude dessa luz. Sendo assim, o que é esse olho bom que ilumina tanto e esse olho mal que nos deixa em trevas?
Um indício é encontrado em Mateus 20:15. Jesus acabara de contar, numa parábola, que os homens que trabalharam uma hora teriam o mesmo pagamento daqueles que trabalharam durante todo o dia, porque seu senhor era misericordioso; além disso, cada um deles concordou com seu salário. Aqueles que trabalharam o dia todo reclamaram que os homens que trabalharam apenas uma hora receberam tanto quanto eles. Jesus respondeu com as surpreenden-tes palavras encontradas em Mateus 20:15: "Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom?"
O que havia de mau em seus olhos? O mal é que eles não viam a beleza da misericórdia do seu senhor. Ele foi generoso com aque¬les que trabalharam apenas uma hora. Os demais trabalhadores, porém, receberam essa decisão com desagrado. Não conseguiram ver a realidade tal como era. Não tinham olhos para ver a misericórdia como algo mais precioso que o dinheiro.
Agora levemos essa compreensão dos olhos maus de volta para o trecho de Mateus e vamos determinar o significado de um olho saudável:
São os olhos a lâmpada do corpo. Assim, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão!Mateus 6:22,23
O que seria um olho saudável, a ponto de iluminar-nos completa-mente? Seria um olho que vê a generosidade do Mestre como algo muito mais precioso que o dinheiro. O olho saudável vê a Deus e seus caminhos como o grande tesouro da vida, e não o dinheiro.
Você tem um olho saudável quando contempla o céu e valoriza extremamente a recompensa da comunhão com Deus ali. Você tem um olho saudável quando, ao observar o senhor-dinheiro e o Se-nhor-Deus, vê a este como infinitamente mais precioso e desejável. Em outras palavras, o olho saudável é perspicaz, discerne, consegue enxergar o verdadeiro tesouro. Não se trata apenas de ver os fatos sobre dinheiro e sobre Deus. Não se trata apenas de perceber o que é verdadeiro e o que é falso. Ele vê e capta a verdadeira diferença entre a beleza e a feiúra, entre o valioso e o sem valor; discerne realmente o desejável do indesejável. A visão de um olho saudável não é neutra.
Quando ele vê a Deus, percebe-o como alguém extremamente belo, desejável.
Eis por que o olho saudável leva ao caminho da luz: acumula tesouros no céu e serve a Deus, não ao dinheiro. O olho saudável tem um único foco, um único tesouro: Deus. Quando isso aconte¬cer em sua vida, você estará cheio de lu
Gracioso Pai das luzes, dá-nos olhos para ver o teu valor. Curanossa cegueira. Salva-nos da enfermidade mortal de ver o mundo como algo mais valioso do que o seu Criador. Restaura em nosso coração a capacidade de apreciar tua infinita belezae de provar tua infinita doçura. Liberta-nos dos efeitos mortais de pensar que esta vida curta é o essencial. Em nome de fesus, nós oramos. Amém.
 John Piper

A realidade do Inferno

Se nós que cuidamos das almas soubéssemos como é o inferno e conhecêssemos a situação dos condenados à perdição, ou se por algum outro meio nos tornássemos conscientes de quão pavorosa é a condição deles; se ao mesmo tempo soubéssemos que a maioria dos homens foi para lá e víssemos que nossos ouvintes não se dão conta do perigo – nestas circunstâncias, seria moralmente impossível que evitássemos mostrar-lhes com muita seriedade a terrível natureza de tal desgraça e como estão extremamente ameaçados por ele. Nós até mesmo lhe clamaríamos em alta voz.
Quando os ministros pregam friamente sobre o inferno, advertindo os pecadores de que o devem evitar, por mais que suas palavras digam que é infinitamente terrível, eles acabam se contradizendo; pois à semelhança das palavras, as ações também têm sua própria linguagem. Se o sermão de um pregador ilustra a situação do pecador como imensamente pavorosa, enquanto seu comportamento e sua maneira de falar contradizem isso – mostrando que ele não pensa assim – tal ministro vai contra seu objetivo, porque neste caso a linguagem das ações é muito mais eficaz do que o significado puro e simples de suas palavras. Não que eu credite que devemos pregar somente a Lei; acontece que ministros talvez preguem suficientemente outras coisas. O evangelho deve ser proclamado tanto quanto a Lei e esta deve ser pregada apenas para preparar o caminho para o evangelho, a fim de que ele possa ser proclamado de modo mais eficaz. A principal tarefa dos ministros é pregar o evangelho: "Porque o fim da Lei é Cristo para a justiça de todo aquele que crê" (Rm 10.4). Portanto, um pregador ficaria muito além da verdade se insistisse demais nos terrores da Lei, esquecendo seu Senhor e negligenciando a proclamação do evangelho. Mesmo assim, porém, a Lei realmente deve ser enfatizada, e sem isso a pregação do evangelho talvez seja em vão.
Certamente, é belo falar com seriedade e emoção, conforme convém à natureza e importância do assunto. Não nego que possa existir um pouco de impetuosidade imprópria, diferente daquilo que, pela lógica, decorreria da natureza do tema, fazendo com que forma e conteúdo não estejam de acordo. Alguns dizem que é ilógico usar o medo a fim de afugentar as pessoas para o céu. Contudo, acho que faz parte da lógica o esforço para afugentar as pessoas do inferno em cujas margens elas se encontram, prontas para cair dentro dele a qualquer momento, mas sem se dar conta do perigo. Não seria justo afugentar alguém para fora de uma casa em chamas? O medo justificável, para o qual há uma boa razão, certamente não deve ser criticado como se fosse algo ilógico.
 
J.E